sexta-feira, 26 de março de 2021

Escritor Raul de Leoni – Contexto Histórico e Estudo Crítico

 

A partir de texto de Luiz Santa Cruz

 

Contexto histórico

     O “amorável fim-de-século” e a mão menos decantada “belle époque”, o crepúsculo do século XIX e a aurora do século XX, apesar de suas supostas virtudes de bem-estar e a “indiferença burguesa”, não conseguiria fugir da sucessão de acontecimentos bélicos que pontua a história do Ocidente.

     Como quase todos os interregnos pacifistas o “Mil e Novecentos", apesar do lirismo de seus poetas, prosadores e mesmo filósofos, apenas cozinhava, nos porões da História, a futura Primeira Grande Guerra Mundial, nas duas décadas que antecederiam o ano trágico de 1914.

     Em 1870, impondo-se vitoriosamente nos campos de Sédan, a Alemanha surgia como potência militar de primeira ordem, reclamando a sua participação na hegemonia da Europa e do mundo Ocidental. Fez despertar a antiga cultura germânica para a ação de um povo que até então se dedicava mais para as coisas da contemplação.

15 de novembro de 1889 – É proclamada a República no Brasil.

O Reinado de D. Pedro II durou de 1840 a 1889 e conseguiu do lado do Atlântico, na América do Sul, uma unidade territorial que tinha sido um sonho de Simon Bolivar do lado do Pacífico. Uma certa forma de guerra civil que tinha sido um espantalho do trono, rondava ainda a nascente democracia constitucional brasileira.

Fevereiro de 1891 – promulgada a primeira Constituição Republicana.

1892 a 1894 – O país é dividido por duas facções: operações militares no sul e navais na baía da Guanabara, apesar do pulso do “Marechal de Ferro”, Floriano Peixoto, ou até mesmo pela tentativa de prorrogação do seu mandato.

1894 – O Partido Republicano Paulista alia-se ao Partido Republicano Mineiro e elege Prudente de Morais à Presidência da República. Inaugura-se uma série de governos civis, numa República surgida de um pronunciamento militar, no Campo de Santana.

1898 – Outro paulista, na mesma “aliança café-com-leite” entre São Paulo e Minas Gerais, dirige-se ao Palácio do Catete e inicia o saneamento financeiro da República. É o presidente Campos Salles.

1902 – Pela terceira vez consecutiva, um paulista, Rodrigues Alves, assume a Presidência. Em seu governo, o médico Miguel Couto inicia o saneamento da Capital Federal e o engenheiro Paulo de Frontin começa uma série de grandes obras públicas.

1906 – Afonso Pena vem de Minas Gerais para interromper a série de presidentes paulistas. Graças à ação de seu ministro da Viação (transportes), Miguel Calmon, construiu em quatro anos mais estradas de ferro do que em meio século. É chamada de toda uma nova era de “bandeirismo”. Nessa linha, a Missão Rondon atingiu o mais longínquo interior do território brasileiro, nos rincões da Amazônia, demarcando as fronteiras, até então existentes apenas em tratados internacionais, graças ao trabalho diplomático do Barão do Rio Branco.

1908 – Ocorreu a Grande Exposição do Rio de Janeiro, atraindo governantes e visitantes ilustres da Europa e de quase toda a América. Logo após a República inicia seu primeiro grande ciclo de imigração e colonização, trazendo europeus e asiáticos para seus campos de produção e para as fábricas de sua nascente indústria.

1909 – Com o apoio de Afonso Pena, Rui Barbosa lança os primeiros alicerces de sua campanha civilista, focada na consciência democrática nacional, como candidato à Presidência da República. Porém, Hermes da Fonseca venceu. Afonso Pena teria morrido de infarto do miocárdio em 1909, a partir da apresentação dessa candidatura.

1909 – Nilo Peçanha, vice-presidente da República, assume o governo no lugar de Afonso Pena. Nomeia o magistrado Carolino de Leoni Ramos, pai de Raul de Leoni, como Chefe de Polícia do Distrito Federal.

1910 – Nova revolta da esquadra na baía da Guanabara.

1912 – Motins em Pernambuco e na Bahia.

1913 – “Guerra do Cariri”.

1914 – Restaurada a aliança “café-com-leite”. Wenceslau Brás assume a Presidência.  

1912 a 1913 – Período da Guerra Balcânica, entre a Áustria e a Sérvia, seguindo-se os primeiros conflitos do norte da África, com a consequente tensão entre a Alemanha e a França.

1914 – Atentado contra o arquiduque da Áustria, Francisco Fernando e sua esposa, em Sarajevo, imputado capciosamente à Sérvia. Foi o rastilho de pólvora que estenderia o conflito a toda a Europa e, a seguir, Estados Unidos e Brasil. Custou ao Ocidente a primeira conflagração universal e o pesado ônus de 10 milhões de mortos.

1916 – Nilo Peçanha, governador do Estado do Rio de Janeiro, é chamado para substituir Lauro Muller no Ministério das Relações Exteriores, demissionário por ser neutralista e o Brasil deveria declarar guerra à Alemanha, após o torpedeamento, em águas brasileiras, de navios brasileiros, pela esquadra germânica.

1917 – A Revolução Soviética vem abalar mais os alicerces do mundo Ocidental, do que qualquer outra sublevação de povos, de modo que alguns até disseram que a Revolução Francesa “não passava de uma revolução romântica”.

1918 – Num vagão de estrada de ferro, nos bosques de Compiégne, foi assinado o armistício entre as nações aliadas e a Alemanha, aparentemente vencida, assinalando-se apenas outro interregno ilusório da crônica beligerante do mundo ocidental.

1918 – Epitácio Pessoa, o primeiro presidente civil do Norte/Nordeste, assume o poder, nomeando um civil, Pandiá Calógeras, para a pasta da Guerra, construindo-se quartéis por todo o país, o que não impediu o descontentamento militar e nem o evento dos 18 do Forte de Copacabana.

1920 – Adolph Hitler reforma o Partido Nacional Socialista alemão, denunciando a “paz cartaginesa” de Versalhes e iniciando sua aventura totalitária.

11 a 18 de fevereiro de 1922 – Semana de Arte Moderna em São Paulo.

7 de setembro de 1922 – Inaugura-se no Rio de Janeiro a Grande Exposição Internacional, comemorativa do Centenário da Independência do Brasil.

1922 – O mineiro Artur Bernardes, com a terceira restauração da “aliança café-com-leite”, assume a Presidência da República. Há descontentamento militar e popular, tentativa de pacificação do Rio Grande do Sul (1923), a Revolução Paulista (1924) e a Coluna Prestes (1925-27).

20 de outubro de 1922 – A partir do ponto de partida do Manifesto Futurista, de Marinetti, à primeira vista inconsequente, surge movimento literário lançado em 1919, “os camisas pretas de Benito Mussolini, com seus “fácios de combate”. Foram chamados por Vitório Emanuel ao poder, na Itália unificada, lançando-se outra aventura totalitária, que acabaria por comprometer a paz europeia num aliança ítalo-germânica.

1926 – Artur Bernardes reforma a Constituição, fortalecendo o poder central. Nesse ano, morre em Itaipava, Estado do Rio, Raul de Leoni.

 

Estudo Crítico da obra de Raul de Leoni

     Todos esses acontecimentos históricos não influíram na poesia, mas sim na prosa de Raul de Leoni.

     Como poeta, ele parece ser alguém alheio aos acontecimentos de seu tempo, onde pode ser visto mais o poeta da “belle époque”. Já como prosador foi um dos mais participantes da literatura brasileira nos movimentos dessa época.

     Em 1919 lançou a primeira obra poética “Ode a um poeta morto”.

     Em 1922, lança sua obra poética fundamental e clássica “Luz Mediterrânea”, que praticamente é considerado seu único livro de poemas.

     Luiz Santa Cruz, nos anos sessenta do século XX, dizia que a crítica ainda não tinha tomado conhecimento ao grande prosador e também quanto a sua obra poética. Em “Luz Mediterrânea” há unanimidade da crítica em elogios. Já em “Ode a um poeta morto” é colocada pelos diferentes críticos em diferentes escolas. Alguns o consideram parnasiano, outros como simbolista, ainda outros como neoparnasiano e outros em grupo independente.

     Contudo, todos consideram haver apuro e bom gosto literário quase impecável, entre o antigo e o moderno, o que lhe assegura duração ilimitada. Entre prosa e poesia há quem o considere um filósofo, ou pensador. Há ainda que o considere como um pensador cristão de linha florentina que se permite certas liberdades de pensamento. Já na obra poética há quem o veja apenas como “poeta” e basta.

     A viagem que ele fez à Europa aos 18 anos lhe marcou profundamente. Houve um descobrimento poético da Europa e da sua luminosidade mediterrânea que abriria os olhos e aguçaria a percepção de Raul de Leoni, para a tomada de consciência do fenômeno poético e como realidade transcendente das coisas e como forma de conhecimento delas e do mundo.

     O seu primeiro poema “Ode a um poeta morto”, dedicado à memória de Olavo Bilac, não deve ser considerado apenas como a história do itinerário poético e parnasiano de Bilac. É, acima de tudo, a primeira grande tentativa de Raul de Leoni para a formulação da sua própria Arte Poética.

     Não era apenas Bilac, mas sobretudo o próprio Leoni quem captava a “mais realidade das coisas”, cuja revelação pela palavra é o grande ofício do poeta e da poesia.

     Conforme Luiz Santa Cruz, Raul de Leoni é o poeta brasileiro que mais se aparenta a Paul Valéry, numa poesia da inteligibilidade, em oposição aos poetas da linha da intuição e da vontade, onde preferem a Arte Poética, o artesanato da contenção verbal, preferindo o sentimento universal ao particular.  

     Ao atribuir a Olavo Bilac o ofício de “semeador de harmonia e de beleza”, graças a suas viagens poéticas, identificando-se quase todas as experiências de poesia anteriores, de toda a história da poesia universal, o tema central da “Ode a um poeta morto”. Raul de Leoni diz sobre ele:

Tua alma foi um cântico diverso,

Cheio da eterna música das coisas...

     Essa função do poeta, de captar “a música” ou a “mais realidade das coisas”, Raul de Leoni, daí por diante, vai tentar aprofundar sempre mais em sua Arte Poética, amadurecendo progressivamente.

     E já não é apenas Bilac que, a seguir, em verso mais adiante, da mesma Ode, vai dizer que “Toda a emoção, que anda nas coisas, fala” na mesma poesia. Nem seria apenas missão de Bilac, mas de todo poeta por vocação que:

Faz da vida uma obra prima

De sensibilidade e de bom gosto.

     O poeta a respeito do qual seria injusto julgar apenas pelo pessimismo filosófico que transparece em tanto de seus poemas, com uma “atitude fim de século, de serenidade epicurista e dúvida amável”. É preciso reconhecer também que foi, quanto à Arte Poética, um dos nossos poetas mais revolucionários de todos os tempos. Bilac foi o primeiro poeta brasileiro a conduzir, sozinho, a poesia brasileira a participar na grande revolução poética da idade moderna, aquela graça que tomaria conhecimento de si mesma, como modalidade de conhecimento emocional e afetivo e como experiência emocional e afetiva dos seres e das coisas.

     A “Ode a um poeta morto” foi ainda influenciada demais pelas conotações da Arte Poética parnasiana. A ela sobreviria o poema “Pórtico”, abrindo na primeira edição, organizada pelo poeta, o livro da “Luz Mediterrânea”. A sua Arte Poética aí começa a se desvencilhar das influências do Parnaso brasileiro.

     Clarifica-se a sua consciência da “mais realidade poética da vida”, pelo conhecimento emocional e afetivo das coisas:

Há no meu ser crepúsculos e auroras.

     E passa a conceber no poema “Pórtico” sua experiência de poesia como uma cidade cheia de luz mediterrânea, que lhe deslumbrou os olhos adolescentes, em sua viagem à Europa. A sua cidade da poesia:

Fica na dobra azul de um golfo pensativo.

........................................................

Cidade de harmonias deliciosas

Em que, sorrindo à ronda dos destinos,

Os homens são humanos e divinos

E as mulheres são frescas como as rosas...  

    

     Os poemas que compõem a segunda parte de seu livro “Luz Mediterrânea”, que ele deu o título de “História de uma alma”, conta a história de sua percepção da poesia como vivência e experiência:

Eu era uma alma fácil e macia,

Claro e sereno espelho matinal

Que a paisagem das coisas refletia

Com a lucidez cantante do cristal.

     No terceiro soneto, “Confusão”, essa experiência poética “vivencializável” aparece enriquecida pela tomada de consciência da solidariedade entre o poeta e as demais criaturas humanas, para além da “mais realidade poética das coisas”:

Parece que estão, assim,

Todas as almas do Mundo,

Lutando dentro de mim...  

     No soneto “Artista”, essa consciência poética avança mais alguns passos em sua lenta maturação de pensamento:

Por um destino acima do teu Ser,

Tens que buscar nas coisas inconscientes

Um sentido harmonioso, o alto prazer

Que se esconde entre as formas aparentes.

     Enfim, o poeta da “Luz Mediterrânea” tomava consciência dos íntimos recônditos do seu ser, dos abismo profundos do inconsciente de poesia, onde são armazenadas as vivências poéticas. Cabe ao poeta discernir a autenticidade dessas vivências de poesia, armazenadas no inconsciente que não pode ser confundida com instintos, como no dizer de Novalis: “possuímos um eu mais profundo e inesgotável do que o das paixões e da razão pura”.

     Assim, a poesia de Raul de Leoni, por sua mensagem profunda da Arte Poética da modernidade, deve ser ao mesmo tempo vidência e vivência. Rainer-Maria Rilke disse: “Para escrever um único verso é preciso ter visto muitas cidades, muitos homens e muitas coisas. Pois os versos não são apenas sentimentos, como há quem o acredite (e haverá sempre bastante sentimento neles), mas são experiências”.

     É na obra de prosador de Raul de Leoni que se capta melhor sua evolução como pensador. Lamenta-se que seus textos esparsos por antigos jornais e revistas não tenham sido compilados. Ele foi um profundo ensaísta das circunstâncias, precursor do ensaio jornalístico moderno.

 

Fonte bibliográfica:

Raul de Leoni – textos escolhidos. Por Luiz Santa Cruz. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1961.

 

 

sexta-feira, 5 de março de 2021

Poesia de Raul de Leoni

 

Felicidade


                I

Sombra do nosso Sonho ousado e vão!

De infinitas imagens irradias

E, na dança da tua projeção,

Quanto mais cresces, mais te distancias...

 

A alma te vê à luz da posição

Em que fica entre as coisas e entre os dias:

És sombra e, refletindo-se, varias

Como todas as sombras, pelo chão...

 

O Homem não te atingiu na vida instável

Porque te embaraçou na filigrana

De um ideal metafísico e divino;

 

E te busca na selva impraticável,

Ó Bela Adormecida da alma humana!

Trevo de quatro folhas do Destino!...

 

              II

 

Basta saberes que és feliz, e então

Já o serás na verdade muito menos:

Na árvore amarga da meditação,

A sombra triste e os frutos têm venenos.

 

Se és feliz e o não sabes, tens na mão

O mais bem entre os mais bens terrenos

E chegaste à suprema aspiração,

Que deslumbra os filósofos serenos.

 

Felicidade... Sombra que só vejo,

Longe do Pensamento e do Desejo,

Surdinando harmonias e sorrindo.

 

Nessa tranquilidade distraída,

Que as almas simples sentem pela Vida,

Sem mesmo perceber que estão sentindo...


Fonte bibliográfica:

Raul de Leoni - textos escolhidos. Por Luiz Santa Cruz. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1961. 

quinta-feira, 4 de março de 2021

Raul de Leoni – Dados biográficos


1895 – 30 de outubro: Raul de Leoni Ramos nasce em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, filho do magistrado Carolino de Leoni Ramos e de dona Augusta Villaboim Ramos.

1903 – A partir desse ano cursa o Primário e o Secundário no Colégio Abílio, na cidade do Rio de Janeiro.

1910 – 11 de setembro: aos 15 anos faz a primeira comunhão na capela do Colégio São Vicente, dos padres Premonstratenses, em Petrópolis, colégio no qual se encontra em regime interno.

1913 – 9 de abril: aos 18 anos parte para a Europa, onde visita Inglaterra, França, Itália, Espanha e Portugal.

1914 – De volta ao Rio de Janeiro inicia colaboração literária nas revistas “Fon-Fon” e “Para-Todos”, colaborando mais tarde em “O Jornal” (1919), no “Jornal do Commercio” e no Jornal do Brasil”.

1918 – 3 de março: Nilo Peçanha, Ministro das Relações Exteriores do governo Wenceslau Brás, nomeia Raul de Leoni para o cargo de Segundo Secretário da Legação do Brasil em Cuba. No entanto, não chegou a assumir e regressou para a Bahia.

1919 – Declinou de cargo semelhante na Legação do Brasil junto ao Vaticano. Foi eleito deputado na Assembleia Fluminense.

1919 – Publica o seu primeiro livro de poesias, “Ode a um poeta morto”, dedicado a Olavo Bilac.

1921 – 6 de abril: casa-se em Petrópolis com dona Ruth Soares Gouvêa, que havia conhecido três meses antes num baile do Itamarati.

1922 – Publica seu livro clássico “Luz Mediterrânea” e começa a colaborar no jornal “O Dia”, de Virgílio de Mello Franco e Azevedo Amaral.

1923 – Adoece dos pulmões, abandonando o convívio de parentes e amigos, indo para Correias e, a seguir, Itaipava, licenciando-se do cargo de inspetor na Companhia de Seguros em que trabalhava.

1926 – 21 de novembro: morre na “Vila Serena”, em Itaipava. Seu corpo foi conduzido para Petrópolis e é sepultado em um mausoléu. Seu nome é dado a um trecho da Rua Sete de Setembro.

 

Fonte bibliográfica:

Raul de Leoni – textos escolhidos. Por Luiz Santa Cruz. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1961. 

 

domingo, 22 de dezembro de 2019

Uma Crônica de Cecília Meireles



Cecília Benevides de Carvalho Meireles, escritora brasileira que nasceu em 1901 e faleceu em 1964, é mais conhecida como poeta. Mas também escrevia prosa, escrevendo crônicas para jornais.

Festa no Hospital

     Tudo principiou com aroma ardente e penetrante do cedrinho recém-cortado. Ele invadiu o corredor e os quartos: foi como se tivéssemos sido transportados para um bosque; e é bom sonhar com brisas matinais descendo por frisadas, sombrias, lentas ramas perfumosas.
     Descobriu-se depois que mãos diligentes estavam cortando essas ramas e preparando com elas miniaturas de árvores para a ornamentação do hospital. Pequenos flocos de algodão, caídos como ao acaso, imitaram a neve dos Natais nórdicos; recortes de papel metálico pousaram nessas frondes minúsculas estrelas e flores reluzentes; bolas coloridas e pequenas velas completaram seu adereço festivo. Cada arvorezinha brilhou, mais tarde, à cabeceira do doente; haviam sido preparadas e acumuladas numa sala de serviço, e os que estavam acamados apenas sentiam o seu aroma, que se expandia por todos os lados, cálido, agudo, revigorante.
     Faltavam alguns dias para o Natal, mas aqui a festa se antecipara. As arvorezinhas foram escondidas num quarto vazio, onde permaneceram como um grupo de pequenas bailarinas ricamente vestidas que aguardassem o instante musical da sua entrada em cena. E outros adornos iam sendo preparados: na porta de cada quarto suspendeu-se um pedacinho de rama de cedro, sobreo qual brilhou também uma bonita estrela ou uma flor de papel metálico e uma delgada vela, que se acendeu no instante próprio.
     Então, na tarde de domingo, ouviu-se por todo o hospital um som de vozes juvenis entoando cânticos de Natal. Foram de comovedor encanto essas vozes que repetem os singelos hinos tradicionais traduzidos de idioma em idioma e convertidos em patrimônio cristão. Apareceram depois os cantores, mocinhas e rapazes de um grupo coral, que atravessaram os corredores, desceram pelas escadas, pararam pelas portas dos quartos, de modo que os enfermos, dos seus leitos, de suas cadeiras, os puderam ver, alegres e felizes, distribuindo felicidade e alegria aos que, por enquanto, mal dispõem da força de olhar e sorrir. E como as mocinhas tinham vestidos coloridos e corpetes atacados na frente, pareceu que se estava no campo, muito longe, numa festa rural.
     No dia seguinte, as arvorezinhas foram distribuídas pelos quartos, acompanhadas de doces, balas, biscoitos, uma maçã servindo de castiçal para uma pequena vela, e um cartãozinho de Boas Festas com palavras carinhosas para cada doente. Mais tarde, as Schwestern, de uniforme preto e avental branco, passaram cantando, também; desfilaram os diferentes funcionários da casa; houve muitas crianças elevando suas vozes infantis nas canções habituais que celebram Jesus, os sinos de Belém, a paz dos homens, a felicidade na terra.
     Nas suas enfermarias, os indigentes e as crianças conheceram um pouco da possível felicidade na terra, sob a forma de presentes que decerto em toda sua vida nunca receberam: alegraram-se com roupas novas, jamais sonhadas, com brinquedos, gulodices, coisas de que algum dia terão ouvido falar como de simples histórias encantadas.
     O hospital brilhou, então, completamente ornamentado por mãos solícitas de pessoas devotadas; lustres de papel metálico oscilaram à brisa; cada vidraça converteu-se num vitral, com anjos cantores recortados e aplicados nos vidros. As mais fantasiosas árvores de Natal reluziam pelos corredores. Em alguns lugares, aconchegado em suas palhas, o Menino Jesus dormia o seu Nascimento, e já os pastores e os Magos se aproximavam do seu sono.
     E lá fora, na noite fria de São Paulo, na noite singularmente fria, bimbalharam sinos cristalinos, e as famílias, em suas casas, se animaram em redor das mesas da ceia: porque agora já era mesmo a noite de Natal, e dali a pouco as igrejas se encheriam para a Missa do Galo.

Fonte bibliográfica:
Cecília Meireles - Ilusões do Mundo (Crônicas). 3ª Edição. Editora Nova Fronteira S.A. , 1982. 

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Dados biográficos do escritor Ramalho Ortigão


1836 – 24 de novembro. Nasce José Duarte Ramalho Ortigão, filho de Joaquim da Costa Ramalho Ortigão, na cidade do Porto, em Portugal, onde recebeu a primeira educação, no ambiente familiar, tendo por mestres dois tios, um militar, Manuel Caetano, e um frade, Frei José do Sacramento. Adolescente, ingressa na Universidade de Coimbra, mas não termina o curso.

1855 – Inicia-se no magistério, como professor de francês, no Colégio da Lapa, no Porto, de onde seu pai era diretor.

1859 – Inicia sua carreira de jornalista, no Porto, no “Jornal do Porto”.

1865 – Toma partido na célebre “Questão Coimbrã”, adotando posição conciliatória, onde seu desentendimento com Antero de Quental, do qual resultou um duelo entre ambos.

1866 – Publica “Literatura de Hoje” (sua intervenção na polêmica “Bom Senso e Bom Gosto).

1867 – Viagem a Paris por ocasião da Exposição Universal.

1868 – Publica suas notas de viagem: “Em Paris”. É nomeado Oficial da Secretaria da Academia Real das Ciências e muda-se para Lisboa. Aí nesse mesmo ano entra em contato com os homens da “Escola de Coimbra”, reunidos à volta do Cenáculo: Eça de Queiroz, Batalha Reis, Oliveira Martins, Augusto Soromenho, Antero de Quental, etc. , tornando-se, desde então, um dos espíritos mais saudavelmente revolucionários da chamada “geração de 70”.

1871 – Inicia a publicação de “Farpa”, em colaboração com Eça de Queiroz – crônica mensal de política, letras e costumes, cuja orientação fica depois unicamente a seu cargo e segue até 1882. Nesse mesmo ano, tem início também a publicação da novela em folhetins “Mistérios da Estrada de Cintra”, escrita em colaboração com Eça.

1883 – Visita a Holanda.

1885 – Publica “A Holanda”.

1887 – Integra o Grupo dos “vencidos da vida”, ao lado de Eça de Queiroz, Conde Arnoso, Carlos da Lima Mayer, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Luís Soveral, Carlos Lobo D’Ávila, Conde de Ficalho, Antônio Cândido e Conde de Sabugosa. Nesse mesmo ano visita a Inglaterra e publica suas impressões em “John Bull”.

1895 – Contratado como Bibliotecário da Biblioteca do Palácio da Ajuda

1905 – Nomeado Bibliotecário na mesma Biblioteca.

1907 – Nomeado Vogal do Conselho Superior de Instrução Pública.

1908 – Escreve artigo condenando o assassínio do rei D. Carlos.

1910 – Com a Proclamação da República, Ramalho renuncia imediatamente a todos os seus cargos oficiais.

1911/14 – Período em que escreve “As Últimas Farpas”.

1915 – No dia 27 de setembro falece Ramalho Ortigão, de uma afecção cancerosa, sendo amortalhado no hábito de S. Bento e sepultado no cemitério Oriental.


Fonte bibliográfica:
Ramalho Ortigão – Trechos Escolhidos. Por Nelly Novaes Coelho. Da Coleção Nossos Clássicos, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, 1968.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Alcântara Machado – Estudo Crítico de sua Obra



A partir de texto de Francisco de Assis Barbosa

Contexto histórico

     Nos dez anos, ou um pouco mais, em que exerceu a sua atividade de escritor e jornalista, viveu António de Alcântara Machado o período preparatório da Revolução (ou Golpe segundo alguns) de 1930, a fase inicial da sua implantação e o chamado movimento constitucionalista, desde a Revolução Paulista de 1932 (também chamada de Guerra Paulista, ou de Revolução Constitucionalista) até a elaboração da primeira Constituição da República Nova (1934).
     Escritor modernista típico, embora não tivesse participado da famosa Semana de Arte Moderna, formou depois com os “rapazes” do grupo paulista, tornando-se uma das suas figuras mais representativas. A presença desses “rapazes” aproxima-os, de certo modo, dos “tenentes” dos dois 5 de julho, em 1922 e 1924. Aqueles queriam reformar a literatura; os outros a política. Os jovens escritores paulistas investiram assim contra uma literatura apegada aos padrões estilísticos estritamente lusitanos. Os tenentes pegavam em armas contra as oligarquias estaduais e as eleições feitas a bico de pena. Os rapazes gritavam: Abaixo a Revista da Língua Portuguesa. Os tenentes respondiam: “Salvemos o Brasil com o voto secreto”.
     O principal objetivo dos modernistas era destruir o convencionalismo literário, desmoralizar a inteligência empalhada, acabar com os medalhões da cultura. Ora, a cidadela a vencer estava precisamente na mão dos puristas gramaticais – proprietários da língua – que, de palmatória em punho, no alto da primeira página dos jornais do Rio e de São Paulo, exerciam a ditadura policial da literatura. Nessa fase, em que Olavo Bilac perpetrara o soneto em louvor da língua portuguesa, como que esterilizou por completo a inteligência brasileira. Nunca houve tanta gente que pretendesse ensinar a escrever corretamente o português. Apareceram dezenas de livros sobre a “arte de escrever”. Superabundavam os gramáticos. Escritores mesmo de verdade, quase nenhum. Talvez seja essa a razão porque, no excelente livro de Manuel Rodrigues Lapa, Estilística da Língua Portuguesa, predominem as citações de filólogos e gramáticos brasileiros a respeito de nugas do idioma, com a ausência quase que total de exemplos do estilo de escritores brasileiros. O sapato de ferro do convencionalismo gramatical impedia a literatura brasileira de caminhar para a frente.
     Tudo emperrava diante da gramática. Até o Código Civil! O Código Civil atravessou cinco governos, catorze anos de discussão em torno de questões de português. Do convite de Epitácio Pessoa, então ministro da Justiça, a Clóvis Bevilacqua, que é de janeiro de 1899, ainda no governo de Campos Salles, à chegada do projeto votado pela Câmara dos Deputados ao Senado, isto em 1902, quando Rui Barbosa escreveu o célebre parecer, até a sanção da lei pelo Presidente Venceslau Brás, em 1916, somariam, ao todo, dezessete anos. Apenas três anos para a elaboração do projeto pelo Poder Executivo, discussão e votação na Câmara. Catorze anos, para o debate dos erros de gramática, com uma caudalosa bibliografia, inclusive a longa e áspera polêmica entre Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro!
     Tais bizantinices talvez expliquem certas blagues do modernismo – a do verso de Manuel Bandeira: “Abaixo a Revista da Língua Portguêsaê” e a do livro de Sérgio Buarque de Holanda, intitulado (ficou só no título) Rui Barbosa nunca existiu...
     Era uma tática guerreira, essa dos modernistas, de agredir todos os tabus, já que o movimento se propunha a modificar, fosse por que preço fosse, a mentalidade vigente em matéria de cultura, “descoelhonetizando” ao mesmo tempo – o neologismo pertence também a Sérgio Buarque de Holanda – a literatura brasileira.
     Depois da morte de Machado de Assis, Coelho Neto tornara-se o escritor de maior prestígio no Brasil. Homem de inegável talento, legítimo profissional das letras, e por isso mesmo digno de todo o respeito, fora, no entanto, marcado pela mesma maldição que fizera a desgraça do Rei Midas. A pompa verbal e o brilho estilístico eram o seu ouro, transfigurando um honesto e duro labor em pura literatice. Observa-se ainda que todos os seus livros eram impressos e editados em Portugal, seguindo, portanto, a tradição lusófila retomada por Machado de Assis, estabelecidas as diferenças que separam os dois escritores.
     Creio que foi pensando em Coelho Neto – o mais típico representante do convencionalismo literário – que António de Alcântara Machado escreveu essa página divertida sobre o estilo do tempo, falando do presente (1927) como se já fosse coisa morta, e definitivamente enterrada: “O literato nunca chamava a coisa pelo nome. Nunca. Arranjava sempre um meio de se exprimir indiretamente. Com circunlóquios, imagens poéticas, figuras de retórica, metalepses, metáforas e outras bobagens complicadíssimas. Abusando. Ninguém morria: partia para os paramos ignotos. Mulher não era mulher. Qual o quê. Era flor, passarinho, anjo da guarda, doçura da vida, bálsamo de bondade, fada e diabo. Mulher é que não. Depois a mania do sinônimo difícil. A própria coisa não se reconhecia nele. Nem mesmo a palavra. Palavra. Tudo fora da vida, do momento, do ambiente. A preocupação de embelezar, de esconder, de colorir. Nada de pão, queijo, queijo. Não Senhor. Escrever assim não é vantagem. Mas pão epílogo tostado dos trigais dourados, queijo acompanhamento vacum da goiabada dulcífica, sim. E bonito. Disfarça bem a vulgaridade das coisas. Canta nos ouvidos. E é asnático, absolutamente asnático. Tem sobretudo essa qualidade”. E acrescentava, mais adiante, outra observação estupendamente exata, revestida de humor: “O literato não se contentava em exclamar: Como cheiram as magnólias! Não. As magnólias eram capazes de se ofender com tanta secura. E ele então acrescentava poeticamente: Flores de carne, seios de virgem. Pronto. As magnólias já não tinham direito de se queixar”.
     Página típica de escritor plenamente identificado com o movimento modernista. Falar contra a sintaxe lusa – no plano literário – correspondia a falar contra as eleições feitas a bico de pena – no plano político.

Estudo Crítico

     A segunda geração, que se seguiu à dos modernistas de São Paulo, na década de 1960 começou a proceder à revisão de valores da escola moderna e a traçar de modo sistemático a história literária do movimento (conforme texto de Francisco de Assis Barbosa escrito na década de 1960). Decorridos em torno de quarenta anos da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, passou a haver certa perspectiva para avaliar o movimento. Dos artigos e ensaios que apareceram nessa ocasião, assinados por escritores nascidos depois da Semana, ou pouco antes, o mais importante é o de Mário da Silva Brito, intitulado História do Modernismo Brasileiro, de que se tinha apenas o primeiro volume quando foi escrito o texto de Barbosa. O primeiro volume, “Antecedentes da Semana de Arte Moderna (1958) foi considerado um trabalho de fôlego e sério. Nele aparecem a exposição de Anita Malfatti (1917) como o primeiro sinal da arte nova no Brasil, ponto de vista que foi também defendido por Manuel Bandeira em sua História das Literaturas, na parte referente ao Brasil. O artigo de Monteiro Lobato, negando de modo absoluto os méritos da pintora, mais talvez do que a própria exposição, levantaria a polêmica entre “acadêmicos” e “modernistas”, criando-se assim o clima propício à convocação da Semana. A tudo isso Mário da Silva Brito chama com propriedade “estopim do modernismo”.
     Outro crítico dos anos 1960, José Aderaldo Castelo, lembra que muito antes já se havia iniciado o processo de renovação do pensamento brasileiro. “A data de 1902”, diz ele, “é a que nos parece, historicamente, o marco mais expressivo das manifestações iniciais ou precursoras desse movimento de revisão e renovação geral da cultura brasileira. Trata-se do ano da publicação de três obras de relevo – a História da Literatura Brasileira, 2ª edição, de Sílvio Romero, Os Sertões, de Euclides da Cunha, e o romance Canaã, de Graça Aranha, além da divulgação do verso libertado simbolista de Mário Pederneiras”.[1]
     Segundo Barbosa, como se vê, a matéria continua a flutuar em terreno polêmico. Daí ele prefere olhar o modernismo brasileiro como um movimento característico do pós-guerra. Certamente, antes e depois da Guerra de 1914-1918 houve sinais de insatisfação, a par de impulsos renovadores na vida intelectual brasileira. Nada, porém, que pudesse ser enquadrado na categoria de movimento, como o que eclodiu em São Paulo, sob a liderança dos dois Andrades, Mário e Oswald, interessando não apenas escritores, como também os músicos (Heitor Villa Lobos), pintores (Di Cavalcanti) e escultores (Victor Brecheret). Em todos eles, pelo menos no início, é patente a influência dos grupos de vanguarda que irromperam, especialmente na França e na Itália, em meio à convulsão social e política gerada pelas causas ou pelos efeitos da hecatombe – cubismo, dadaísmo, futurismo e tantos outros ismos –, sem deixar de considerar as novas manifestações de arte, como o cinema, principalmente depois do aparecimento de Charles Chaplin.
     Em 1926, o Congresso de Regionalistas do Nordeste, que iniciou o movimento regionalista e tradicionalista do Recife, com Gilberto Freyre à frente, continuaria de certo modo a Semana de Arte Moderna. Mas é evidente que o processo de renovação da cultura brasileira não parou aí, nem poderia ter parado, prosseguindo no seu caminho, em ritmo acelerado depois da Revolução de 1930, quando começa a se esboçar uma consciência universitária, e continuou assim até os anos 1960 em que Francisco de Assis Barbosa escreveu a crítica sobre a qual embasamos este texto, conforme suas próprias palavras. Dizia ele então que havia ainda “muita teia de aranha para limpar na inteligência brasileira”. O modernismo teria então se tornado coisa do passado e se cristalizado em um capítulo da nossa história literária.
     Ainda que não tivesse participado da Semana de Arte Moderna, António de Alcântara Machado foi um modernista típico. E toda a sua obra de ficcionista está como que marcada pelos cacoetes do movimento. Não teve tempo de libertar-se do “antropofagismo” – talvez a mais espetacular das batalhas dos tempos heroicos da guerra dos literatos paulistas –, mas a verdade é que, nos últimos contos que escreveu, “As cinco panelas de ouro”  , por exemplo, e mesmo no romance que deixou inacabado, “Mana Maria”, começara a apontar um estilo novo, numa construção mais sólida e mais segura, conservando embora o mesmo ritmo e o mesmo colorido dos primeiros trabalhos. Um estilo despojado de brilho. Despojado também de truques do então chamado futurismo. Decantando as impurezas, o escritor se desliteratizava na mesma proporção que ia adquirindo o pleno domínio do instrumento da prosa. Muito pouco faltou para atingir a plenitude de sua vocação, segundo Barbosa. O seu caso tem algo de parecido com o de Álvares de Azevedo: o de um grande escritor que a morte prematura impediu que se realizasse em toda a dimensão do seu talento.
     De qualquer modo, o que ficou basta para consagrá-lo como uma das figuras mais importantes da nossa literatura moderna, o que aliás fora entrevisto por João Ribeiro, ao tratar de Brás, Bexiga e Barra Funda, livro que, na opinião do grande crítico, havia de “marcar uma fase na novelística brasileira”. Longe de ser uma simples frase de efeito, como poderia ter parecido na época, o vaticínio do mestre veio a ser confirmado, tal a força da mensagem do jovem escritor tão cedo desaparecido. O que mais impressionara a João Ribeiro foi a absoluta integração do contista com o meio, precisamente o que dá autenticidade e garante a perenidade da obra de ficção.
     Umbilicalmente integrado com o meio, António de Alcântara Machado foi um escritor paulistano, da cidade de São Paulo, assim como Manuel Antônio de Almeida o foi do Rio de Janeiro. A aproximação entre os dois, feita por Agripino Grieco, pede, no entanto, um desdobramento: não são ambos os escritores apenas citadinos, mas perfeitamente integrados com a alma popular. Na composição artística de um e de outro, sobreleva a mesma inspiração plebeia. As Memórias de um Sargento de Milícias escandalizaram os cortesãos da coorte bajuladora do Imperador letrado, com o diálogo apimentado do povo, a cor, o ruído e até o mau cheiro das ruas. Pois o caso de Brás, Bexiga e Barra Funda não é menos contundente. E com este detalhe: quem aparecia descrevendo a vida dos bairros humildes de São Paulo era um aristocrata pertencente a uma família tradicional. E não se escondia como Maneco Almeida por trás de um pseudônimo. Não, assinava o nome com todas as letras e acentos: António de Alcântara Machado. “António”, com acento agudo, oral aberto, que é como se pronuncia esse nome em São Paulo, tal como em Portugal, ao contrário da pronúncia carioca, de Manuel Antônio, nasal fechado, exigindo por isso mesmo o acento circunflexo.
     Uma nova personagem surgiu então na literatura brasileira: o ítalo-brasileiro. António de Alcântara Machado não foi surpreendê-lo na Avenida Paulista, onde se erguiam palacetes de emigrantes italianos endinheirados, muitos deles mais ricos que os fazendeiros de café, ostentando títulos de cavaglieri ufficiale, comendadores e até de condes papalinos. Não, o escritor desceria aos arrabaldes pobres, aos bairros operários. O que o interessava era o filho de imigrante em toda a sua violenta integração social, sem nenhum polimento, muito menos estragado pelo dinheiro, o filho do carcamano no duro, o “intalianinho”, como saborosamente deturpado passou a ser designado pelo povo o novo mameluco. Assim são os seus personagens: gente do proletariado e do pequeno comércio, pode-se dizer, em resumo, a massa da torcida do Palestra Italia Futebol Clube, o Palmeiras de hoje, rótulo nacionalista imposto depois da Segunda Guerra. Gaetaninho é filho de operário, e mora no Brás. Carmela, uma costureirinha. Nicolino Fior D’Amore, barbeiro. Roco, jogador de futebol. Já Natale Pienotto, proprietário do Armazém Progresso de São Paulo, passou para a Barra Funda (começo de ascensão social) e sonha com a Avenida Paulista (meta final).
     Nos flagrantes que fixou do operariado e da pequena burguesia de paulistanos, António de Alcântara Machado tornar-se-ia o grande intérprete do fenômeno ítalo-brasileiro em São Paulo, embora não tenha sido o único intérprete. A seu lado, em planos diversos, devem ser lembrados os nomes do desenhista Voltolino e do jornalista “macarrônico” Juó Bananére. Um e outro certamente o teriam inspirado, a tal ponto que hoje se confundem no tempo e no espaço como se fossem personagens saídos das páginas de Brás, Bexiga e Barra Funda.
     Voltolino, Lemmo Lemmi na vida civil, autêntico ítalo-brasileiro, “intalianinho”, humanizava as suas criações. Os vendedores de jornal de Voltolino enterneciam, segundo Barbosa. Tocavam direto à sensibilidade do escritor: “Gorrinho de banda, olhar peralta, paletó paterno batendo nos joelhos, pés descalços, são risonhos e expansivos. A gente, porém, sente vontade de passar a mão pela cabecinha deles. Os diabinhos enternecem”. Juó Bananére teve seu desenho criado por Voltolino. Ou melhor, o artista fez o retrato idealístico do tipo extraordinário do porta-voz da colônia italiana, “pueta, barbieri e giurnaliste”. Caricatura genial: “bigodudo, pançudo, de cachimbo e bengalão”. O criador de Juó Bananére foi o engenheiro Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, considerado “paulista de quatrocentos anos”, como António de Alcântara Machado, e que escreveu para um jornal humorístico, O Pirralho, uma preciosíssima colaboração em prosa e verso, no português macarrônico dos italianos de São Paulo.
        Barbosa escreveu nos anos 1960 que achava incrível que ninguém ainda tinha se dado ao trabalho de selecionar essa obra para um volume, ao qual se juntaria uma nova edição de La Divina Increnca, esta só em verso, tudo isso com ilustrações de Voltolino, de acordo com uma sugestão do próprio António de Alcântara Machado, que deixou sobre o autor e seu estilo este depoimento: “As deformações da sintaxe e da prosódia, aqui italianização da língua nacional, ali nacionalização da italiana, saborosa salada ítalo-paulista das costureirinhas, dos verdureiros, dos tripeiros, também de alguns milionários e vários bacharéis, todos eles com raras exceções torcedores do Palestra, os interessados podem estudar no Juó Bananére”.
     A essa “salada ítalo-paulista” caberia a António de Alcântara Machado dar forma e conteúdo literário. E é nessa transposição artística do popular que encontramos a mensagem ainda não superada do escritor, mesmo depois de experiências mais pretensiosas posteriores – como os romances de Tito Batini e Cecílio J. Carneiro, retratando problemas de imigrantes italianos e sírio-libaneses – ou menos ambiciosas no fundo e mais ambiciosas na forma – como nos contos de Mário Neme – ou ainda como no Marco Zero, de Oswald de Andrade, na algaravia nipônica dos “nissei”. O complexo social paulista, com a integração dos imigrantes, ainda não encontrou o seu escritor. Seria António de Alcântara Machado, se ele tivesse tempo de se realizar em toda a plenitude. Mas a imagem de sua carreira literária em ascensão – a de um pássaro morto no instante em que iniciava o grande vôo – está bem refletida no romance inacabado Mana Maria, como nos contos derradeiros: “As Cinco Panelas de Ouro” e “Apólogo Brasileiro sem Véu de Alegoria”, quando o escritor aparece despojado dos cacoetes modernistas.
     O estilo quase telegráfico dos primeiros contos, marcado pelas construções assindéticas, ganha mais substância, atinge maior elasticidade, como uma lâmina de aço, a caminho da prosa pura – o seu ideal, em matéria de estilo –, sempre cioso da comunicação com o leitor, reduzindo o mais possível a distância entre a linguagem falada e a linguagem escrita. Trata-se de uma experiência da área urbana da capital paulista, mas no fundo a mesma de João Guimarães Rosa, em território rural mais amplo – o dos gerais –, com outra profundidade, na pesquisa linguística, e, com uma criatividade realmente prodigiosa, ainda que correndo o risco de “coelhonetizar” o seu brasileirismo.
     De qualquer modo, os casos de António de Alcântara Machado e João Guimarães Rosa se emparelham, na sua diversidade, na mesma constante do movimento modernista: a procura da expressão brasileira da língua portuguesa.
     Nenhuma força humana será capaz de deter a marcha batida da permanente renovação linguística. Isso que hoje não passa de lugar comum, soava no Brasil pré-modernista como um atestado de ignorância. Os nossos gramáticos não admitiam liberdades com o idioma – o belo idioma de Camões – na tragicômica ilusão de que poetas e prosadores da era do avião, da lavoura mecanizada, das indústrias pesadas, pudessem utilizar as mesmas formas de expressão dos frades do século dos quinhentos, das caravelas, das sementeiras e dos fusos. Ainda conforme Barbosa, comentava em vão Carlos Góis: “A língua portuguesa tende cada vez mais a uniformizar-se: procura pois estratificar as suas formas de dizer, fugindo ao sincretismo, que deve ser um fenômeno antes das línguas ainda em formação, do que de um idioma já emancipado e construído”. Eco distante de uma mentalidade morta, essas palavras repercutiam, no entanto, nos idos de 1922, como vozes de um oráculo no templo do idioma. Os gramáticos eram os sacerdotes. O papa, Rui Barbosa. E Rui Barbosa, com seu imenso prestígio político, a sua indiscutida e indiscutível autoridade intelectual, ungido, como até hoje, por uma admiração quase mística em todo o Brasil.
     Enfrentar a cidadela do gigante foi a empresa ciclópica tentada pela geração modernista de São Paulo. E só assim se deu a “arrebentação”, com a assimilação das várias correntes étnicas e imigratórias em nossa literatura. E a língua portuguesa não se amesquinhou no Brasil. Antes, se enriqueceu. A “última flor do Lácio inculta e bela” – do verso de Bilac – nascida da “língua plebeia das tabernas e alfurjas”, falada por soldados, colonos e pequenos mercadores romanos, encontrou no Brasil o seu grande laboratório experimental, principalmente pela diversificação das nossas áreas culturais. É no sincretismo, portanto, que o português brasileiro vai ganhando força e colorido, já que não é possível o ideal de uma língua acabada, como o demonstra um dos grandes filólogos modernos de Portugal, contraditando o gramático mais turrão do Brasil: “No dia em que atingíssemos o ideal (impossível) duma língua perfeita, dissecada, sem exceções, teríamos matado a Arte. Ora, morrer por morrer, que morra antes a Gramática...”[2]
     Do fogo da artilharia dos “rapazes” da Semana de Arte Moderna, contra o convencionalismo, nasceu a literatura brasileira moderna. A poesia que não é mais o “lirismo comedido” – libertada pela Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade –, a grande poesia de Manuel Bandeira, a “rosa do povo” de Carlos Drummond de Andrade e o “canto viril” de João Cabral de Mello Neto. O romance do nordeste, mostrando um Brasil verdadeiro. E, acima de tudo, uma nova consciência da missão do escritor e do seu dever profissional. Assim considerava Francisco de Assis Barbosa nos anos 1960.
     A necessidade de ver, sentir e interpretar o Brasil – que os estudos de Gilberto Freyre e a ação pessoal do grande escritor marcam com a garra de sua poderosa influência. A tônica dos modernistas era um nacionalismo de então: a poesia pau-brasil, o verde-amarelismo, a antropofagia. A de Gilberto tem sido o regionalismo. Mas um regionalismo diferente do de Franklin Távora, diferente também do de Afonso Arinos e seus seguidores. Regionalismo que é a integração do homem no seu meio, com a sua gente, bichos e árvores; com a tradição, os costumes e as aspirações sociais; com as superstições, a religião, os sentimentos populares. Regionalismo que está todo na obra admirável de um José Lins do Rego, notadamente no “Ciclo da Cana de Açúcar”, panorama de toda uma região e de toda uma época, do banguê à usina, ou seja, o esplendor e a decadência dos senhores de engenho. No “gauchismo” de Érico Veríssimo de O Tempo e o Vento, o primeiro grande romance histórico de nossa literatura. No “mineirismo” de João Guimarães Rosa e Mário Palmério. No “paulistanismo” de António de Alcântara Machado. Regionalismo que é, em suma, mais do que uma afirmação nacionalista, porque atinge o universal.

Fonte bibliográfica:
António de Alcântara Machado – Trechos Escolhidos. Por Francisco de Assis Barbosa. Coleção Nossos Clássicos. Sob a Direção de Alceu de Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena. 2ª edição. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1970.


[1] “Posição de José Lins do Rego”, artigo publicado na Revista Brasileira, São Paulo, nº 24, julho-agosto, 1959.
[2] Manuel Rodrigues Lapa. Estilística da Língua Portuguesa.

domingo, 25 de novembro de 2018

Alcântara Machado - um conto

O Revoltado Robespierre
Alcântara Machado

     Todos os dias úteis às dez e meia toma o bonde no largo de Santa Cecília encrencando com o motorneiro.
     - Quando a gente levanta o guarda-chuva é para você parar essa joça! Ouviu sua besta?
     Gosta de todos aqueles olhares fixos nele. Tira o chapéu. Passa a mão pela cabeleira leonina. Enche as bochechas e dá um sopro comprido. Paga a passagem com dez mil réis. Exige o troco imediatamente.
     - Não quero saber de conversa, seu galego. Passe já o troco. E dinheiro limpo, entendeu? Bom.
     Retém o condutor com um gesto e verifica sossegadamente o troco.
     - O que? Retrato de Artur Bernardes? Deus me livre e guarde! Arranje outra nota.
     Levanta-se para dar um jeito na cinta, chupa um cigarro (Sudan Ovais por causa dos cheques)[1], examina todos os bancos, vira que vira, começa:
     - Isto até parece serviço do governo!
     Pausa. Sacudidela na cabeleira leonina. Conclui:
     - O que vale é que os homens um dia voltam...
     Primeiro sorriso sibilino[2]. Passeio da mão direita na barba escanhoada. Será espinha? Tira o espelhinho do bolso. É espinha sim. Porcaria. Segundo sorriso mais ou menos sibilino. Cara de nojo.
     - Não sei que raio de cheiro tem esse largo do Arouche, safa!
     Vira a aliança no seu-vizinho[3]. Essa operação deixa-o meditabundo por uns instantes. Finca o olhar nas sobrancelhas unidas do cavalheiro da esquerda. Esperando. O cavalheiro afinal percebe a insistência. É agora:
     - Perdão. O senhor leu a última tabela do Matadouro? Viu o preço da carne de leitão por exemplo? Cinco ou seis ou não sei quantos mil réis o quilo!
     Não espera resposta. Não precisa de resposta. Berra no ouvido do velho da direita:
     - É como estou lhe contando: o quilo!
     Quase despenca do bonde para ver uma costureirinha na rua do Arouche. As pernas magras encolhem-se assustadas.
     - O cavalheiro queira ter a bondade de me desculpar. São os malditos solavancos desta geringonça. Um dia cai aos pedaços.
     Dá um tabefe no queixo mas quê de mosca? Tira um palito do bolso, raspa o primeiro molar superior direito (se duvidarem muito é fibra de manga), olha a ponta do palito, chupa o dente com a ponta da língua (tó! tó!), um a um percorre os anúncios do bonde. Ritmando a leitura com a cabeça. Aplicadamente. Raio de italiano para falar alto. Falta da educação é coisa que a gente percebe logo. Não tem que ver. O do ODOL[4] já leu. Estava começando o da CASA VENCEDORA. Isso de preço de custo só engana os trouxas.
     - Ó estupidez! O senhor reparou naquele anúncio ali? Bem em cima da mulher de chapéu verde. CONSERTA-SE MÁQUINAS DE ESCREVER. ConserTA-SE máquinaSSS! Fan-tás-ti-co! Eu não pretendo por duzentos réis condução e ainda por cima trechos seletos de Camilo ou outro qualquer autor de peso, é verdade... Mas enfim...
     É preciso um fecho erudito e interessante ao mesmo tempo.
     - Mas enfim...
     A mão procura inutilmente no ar dando voltinhas.
     - Mas enfim... seu Serafim...
     Fica nisso mesmo. Acerta o cebolão com o relógio do largo do Municipal. Esfrega as mãos. O guarda-chuva cai. Ergue-o sem jeito. Enfia a cartolinha lutando com as melenas. Previne os vizinhos:
     - Este viaduto é uma fábrica de constipações. De constipações só? De pneumonias mesmo. Duplas!
     Silêncio. Mas eloquente. Palito de fósforo é bom para limpar o ouvido. Descobre-se diante da Igreja de Santo Antônio.
     - Não está vendo, seu animal, que a mulher não se sentou ainda? Aprenda a tratar melhor os passageiros. Tenha educação.
     Cumprimenta rasgadamente o doutor Indalécio Filho, subinspetor das bombas de gasolina, que passa no seu Marmon oficial e não o vê. Depois anota apressadamente o número do automóvel no verso de uma cautela[5] do Monte de Socorro do Estado[6].  
     - O povo que sue para pagar o luxo dos afilhados do governo! Aproveite, pessoal! Vá mamando no Tesouro enquanto o povo não se levanta e manda vocês todos... nada! Mas isto um dia acaba.
     Terceiro sorriso nada sibilino. Passa para a ponta. Confirma para os escritórios da I.R.F. Matarazzo:
     - Ora se acaba!
     Outro cigarro. Apalpa todos os bolsos. Acende-o no do vizinho. E dá de limpar as unhas com o canivete de madrepérola. Na esquina da rua Anchieta por pouco não arrebenta o cordão da campainha. Estende a destra espalmada para o companheiro de viagem:
     - Natanael Robespierre dos Anjos, um seu criado.
     Desce no largo do Tesouro. Faz a sua fezinha no CHALET PRESIDENCIAL[7] (centenas invertidas)[8]. Atravessa de guarda-chuva feito espingarda o largo do Palácio.
     E todos os dias úteis às onze horas menos cinco minutos entra com o pé direito na Secretaria dos Negócios de Agricultura e Comércio onde há vinte e dois anos ajuda a administrar o Estado (essa nação dentro da nação) com as suas luzes de terceiro escriturário por concurso não falando da carta de um republicano histórico.  

Fonte bibliográfica:
Machado, A. A. – O Revoltado Robespierre. Antologia – Contos in Antônio de Alcântara Machado – trechos escolhidos. Por Francisco de Assis Barbosa. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora. 2ª Edição. Rio de Janeiro, 1970, páginas 25 a 28.


[1] Os cigarros Sudan Ovais eram de propriedade do italiano Sabbado D’Angelo radicado em São Paulo. Faziam sucesso nas primeiras décadas do século XX, em parte por darem cheques como brinde, que vinham dentro do maço. Nota do blog.
[2] Sibilino – enigmático, misterioso. Nota do blog.
[3] Seu-vizinho – nome popular do dedo anular. Nota do blog.
[4] Marca de solução para limpeza bucal. Nota do blog.
[5] Recibo de empréstimo. Nota do blog.
[6] Instituição que antecedeu a Caixa Econômica.
[7] Nos anos 1920, usava-se o termo “Presidente” do Estado de S.P. e não “Governador”. Nota do blog.  
[8] Fez a sua fezinha... centenas invertidas – apostou em loteria ou jogo de bicho, que não era proibido nas primeiras décadas do século XX. Nota do blog.