Cecília Benevides de Carvalho Meireles, escritora brasileira
que nasceu em 1901 e faleceu em 1964, é mais conhecida como poeta. Mas também
escrevia prosa, escrevendo crônicas para jornais.
Festa no Hospital
Tudo principiou com
aroma ardente e penetrante do cedrinho recém-cortado. Ele invadiu o corredor e
os quartos: foi como se tivéssemos sido transportados para um bosque; e é bom
sonhar com brisas matinais descendo por frisadas, sombrias, lentas ramas
perfumosas.
Descobriu-se
depois que mãos diligentes estavam cortando essas ramas e preparando com elas
miniaturas de árvores para a ornamentação do hospital. Pequenos flocos de
algodão, caídos como ao acaso, imitaram a neve dos Natais nórdicos; recortes de
papel metálico pousaram nessas frondes minúsculas estrelas e flores reluzentes;
bolas coloridas e pequenas velas completaram seu adereço festivo. Cada arvorezinha
brilhou, mais tarde, à cabeceira do doente; haviam sido preparadas e acumuladas
numa sala de serviço, e os que estavam acamados apenas sentiam o seu aroma, que
se expandia por todos os lados, cálido, agudo, revigorante.
Faltavam alguns
dias para o Natal, mas aqui a festa se antecipara. As arvorezinhas foram
escondidas num quarto vazio, onde permaneceram como um grupo de pequenas
bailarinas ricamente vestidas que aguardassem o instante musical da sua entrada
em cena. E outros adornos iam sendo preparados: na porta de cada quarto
suspendeu-se um pedacinho de rama de cedro, sobreo qual brilhou também uma
bonita estrela ou uma flor de papel metálico e uma delgada vela, que se acendeu
no instante próprio.
Então, na tarde de
domingo, ouviu-se por todo o hospital um som de vozes juvenis entoando cânticos
de Natal. Foram de comovedor encanto essas vozes que repetem os singelos hinos
tradicionais traduzidos de idioma em idioma e convertidos em patrimônio cristão.
Apareceram depois os cantores, mocinhas e rapazes de um grupo coral, que
atravessaram os corredores, desceram pelas escadas, pararam pelas portas dos
quartos, de modo que os enfermos, dos seus leitos, de suas cadeiras, os puderam
ver, alegres e felizes, distribuindo felicidade e alegria aos que, por
enquanto, mal dispõem da força de olhar e sorrir. E como as mocinhas tinham
vestidos coloridos e corpetes atacados na frente, pareceu que se estava no
campo, muito longe, numa festa rural.
No dia seguinte,
as arvorezinhas foram distribuídas pelos quartos, acompanhadas de doces, balas,
biscoitos, uma maçã servindo de castiçal para uma pequena vela, e um
cartãozinho de Boas Festas com palavras carinhosas para cada doente. Mais tarde,
as Schwestern, de uniforme preto e avental branco, passaram cantando,
também; desfilaram os diferentes funcionários da casa; houve muitas crianças
elevando suas vozes infantis nas canções habituais que celebram Jesus, os sinos
de Belém, a paz dos homens, a felicidade na terra.
Nas suas
enfermarias, os indigentes e as crianças conheceram um pouco da possível
felicidade na terra, sob a forma de presentes que decerto em toda sua vida
nunca receberam: alegraram-se com roupas novas, jamais sonhadas, com
brinquedos, gulodices, coisas de que algum dia terão ouvido falar como de
simples histórias encantadas.
O hospital brilhou,
então, completamente ornamentado por mãos solícitas de pessoas devotadas;
lustres de papel metálico oscilaram à brisa; cada vidraça converteu-se num
vitral, com anjos cantores recortados e aplicados nos vidros. As mais
fantasiosas árvores de Natal reluziam pelos corredores. Em alguns lugares,
aconchegado em suas palhas, o Menino Jesus dormia o seu Nascimento, e já os
pastores e os Magos se aproximavam do seu sono.
E lá fora, na
noite fria de São Paulo, na noite singularmente fria, bimbalharam sinos
cristalinos, e as famílias, em suas casas, se animaram em redor das mesas da
ceia: porque agora já era mesmo a noite de Natal, e dali a pouco as igrejas se
encheriam para a Missa do Galo.
Fonte bibliográfica:
Cecília Meireles - Ilusões do Mundo (Crônicas). 3ª Edição. Editora Nova Fronteira S.A. , 1982.