sábado, 12 de novembro de 2016

Gonçalves de Magalhães - Contexto histórico e crítica


Contexto histórico

     Nascido no Rio de janeiro em 13 de agosto de 1811, Gonçalves de Magalhães viveu a infância e começou sua formação intelectual no período de permanência de D. João VI no Brasil, de 1808 a 1821, e dos acontecimentos posteriores, durante o primeiro império, a regência, até a maioridade. Considerando-se ainda a revolução romântica que se processava na Europa, em substituição ao estilo clássico, temos apontados dois antecedentes fundamentais que apoiam e explicam as atitudes e o significado, sobretudo reformador, da obra que, a partir de 1832-1836, ele realizaria entre nós, a ponto de ser distinguido como reformador da literatura brasileira. À sua formação neoclássica, junta-se um intenso sentimento patriótico, o desejo de reconhecer tradições e valores brasileiros, de renovar a nossa cultura, particularmente a nossa literatura, no que é inspirado, a partir de dado momento, pela reforma romântica das literaturas europeias, notadamente francesa, italiana e portuguesa, com as quais entra em contato direto a partir de 1833.
     A presença da corte portuguesa no Rio de Janeiro condicionou fatores e condições indispensáveis à reforma romântica da literatura brasileira, iniciada por atitudes críticas e objetivos, conscientemente expressos, de Gonçalves de Magalhães, quando, em 1836, fundou a Niteroi – Revista Brasiliense e publica em Paris os Suspiros Poéticos e Saudades. Limitaremos de 1808 a 1836, em correspondência com a nossa história política, econômica e social, o momento historicamente considerado mais importante da evolução literária no Brasil: a transição das condições coloniais de nossa vida literária para a sua expressão autonômica, em busca da definição de sua própria nacionalidade, e, ao mesmo tempo, a transição do neoclassicismo arcádico para o romantismo. Só a partir de 1808 é que somos favorecidos com condições indispensáveis à atividade literária que de fato pudesse exprimir o complexo da nacionalidade em formação. Destacam-se, assim, os atos econômicos, políticos e culturais do governo português no Rio de Janeiro; a abertura dos portos do Brasil ao livre intercâmbio com as nações amigas, a elevação do Brasil à categoria de Reino unido a Portugal e Algarves, incremento da agricultura, da indústria e do comércio, criação de museu, arquivo, biblioteca pública, imprensa, periódicos, publicação de livros e possibilidade do comércio do livro, reformas do ensino, com instalações de escolas de nível superior, estímulo das atividades artísticas, música, pintura, arquitetura, início de verdadeira atividade dramática. Tudo resulta na elevação da condição e da dignidade de ser brasileiro, na revelação imediata da consciência de nossas possibilidades, sobretudo num intenso ardor patriótico ou nacionalista refletido em todos os setores da vida do país, quando não expresso por um antilusitanismo que explicaria em parte o indianismo romântico e em parte a repulsa que manifestamos pela contribuição portuguesa em nossa vida literária, quando a substituímos, ostensivamente, por influência de outras literaturas, notadamente a francesa, e lutamos pela definição de um estilo literário brasileiro.
     Favorece-nos então o advento do romantismo, indo ao encontro do estilo clássico, essencialmente universalizante e sobretudo desfigurado, incaracterístico, se considerado dentre das limitações estreitas e pobres de nossa vida literária até princípios do século XIX. Essencialmente nacionalista, o romantismo, voltado para uma temática que, se por um lado exprimia o individualismo e a sentimentalidade do homem da primeira metade do século XIX, propício à confidência, aos anseios indefinidos, à exaltação da sensibilidade, por outro lado buscava inspiração menos pessoal na exaltação de tradições e valores históricos nacionais, nas sugestões da paisagem social e da natureza de cada país. Nada mais favorável, portanto, à expansão do ardor patriótico de uma jovem nação, ao entusiasmo nacionalista de seus filhos, quando intensamente eles viviam aquelas consequências das reformas políticas, econômicas, culturais e sociais de D. João VI no Brasil. Fazia-se necessário, contudo, a consciência crítica dessa reforma romântica a ser definida em nossa vida literária. Neste caso, - desde as sugestões de estrangeiros como Ferdinand Denis e Almeida Garrett, até a contribuição de brasileiros que estiveram na Europa, pré-românticos como José Bonifácio de Andrada e Silva e Domingos Borges de Barros, figuras já reconhecidamente românticas como J. M. Pereira da Silva, Adolfo Vernhagen, Justiniano José da Rocha, - se destaca a figura de Gonçalves de Magalhães, formação neoclássica logo dominada pelo nacionalismo, pela efervescência renovadora que nasce entre nós com a presença de D. João VI, e, sobretudo, pela reforma romântica europeia com a qual, como vimos, ele entra em contato direto, a partir de 1833. E de 1833/1836 até 1846, ano da publicação da primeira grande obra romântica brasileira – os Primeiros Contos de Gonçalves Dias, estendendo-se até 1856, quando José de Alencar critica seu poema épico A Confederação dos Tamoios, motivando uma polêmica célebre, é certo que o papel de Gonçalves de Magalhães é realmente o de reformador e renovador de nossa vida literária, sob a inspiração e o pensamento crítico romântico, dominado por exaltado sentimento patriótico.

Estudo Crítico

     Para uma abordagem sumária da obra de Gonçalves de Magalhães, no sentido de comprovar a interpretação e a valorização que lhe atribuímos, vejamo-la por ordem cronológica de publicação e ao mesmo tempo dentro de um critério de agrupamento genético, buscando, sobretudo, o pensamento crítico do autor, sua temática principal e preferida e a importância histórico-literária de suas realizações. Cultivou a poesia lírica, épica, dramática (teatro em verso), a ficção, o ensaio crítico e histórico, além dos estudos ou ensaios filosóficos que realizou. Como poeta lírico, deixou-nos a parte mais extensa de sua obra, compreendendo, de acordo com a edição das Obras Completas, os seguintes volumes: Poesias Avulsas, Suspiros Poéticos e Saudades, Cânticos Fúnebres e Urânia, sendo que seu livro de estreia – Poesias – datado de 1832, se acha em grande parte reproduzido nas Poesias Avulsas, uma vez que foi submetido à revisão e seleção do autor. Como épico, publicou A Confederação dos Tamoios; como teatrólogo, além de traduções, deixou duas peças originais conhecidas – Antônio José ou o Poeta e a Inquisição e Olgiato; reuniu nos Opúsculos Históricos e Literários várias páginas em prosa, entre as quais destacamos o ensaio “Discurso Sobre a História da Literatura no Brasil”; escreveu uma pequena novela – Amância - , e deixou publicados finalmente, três volumes de filosofia – Comentários e Pensamentos, Fatos do Espírito Humano e A Alma e o Cérebro (estudos de psicologia e fisiologia), aspectos de sua obra que aqui não nos interessa diretamente [conforme o texto de José Aderaldo Castello].
     Considerando, portanto, como livro de estreia de Gonçalves de Magalhães o volume Poesias, de 1832, no prefácio que o acompanha, encontramos o ponto de partida de suas ideias sobre poesia e dos objetivos de sua obra. Dando como menosprezada a atividade poética, procura enobrecê-la e reconhecer-lhe como finalidade a exaltação patriótica e a elevação das virtudes humanas, apontando-a como uma parte da filosofia moral. No momento crítico que então vivia a nacionalidade, dominada por lutas, ódios e ambições, nada mais oportuno e necessário a todo bom patriota, do que dirigir seu canto contra os vícios e o crime, reconhecer a bondade do coração humano e estimular nos seus patrícios a ambição da glória, para ilustração da “cara Pátria”. A temática que desenvolveria nas composições das Poesias, reproduzidas parcialmente ao lado de outras esparsas, escritas desde a mocidade, no volume das Obras Completas – Poesias Avulsas enquadra-se rigorosamente nestes seus propósitos. Reúnem-se aqui odes sáficas e pindáricas, cantatas, églogas, nênias, elegias, sonetos, epicédios, liras, epístolas, sátiras, epigramas, elogio dramático, apólogo, além do poemeto “As Noites Melancólicas” em que se fazem reflexões sobre o homem, seu sentimento de amizade, a miséria de sua condição e a morte. As próprias formas poéticas preferidas indicam o predomínio dos elementos de formação neoclássica do poeta, mas já de mistura com atitudes reconhecidamente românticas, sobretudo entrevistas no sentimento religioso, na preocupação moralizante, na exaltação patriótica e na exacerbação com que ele lamenta a dor, reconhece o mistério impenetrável do homem e da vida e apela para a morte.
     Sem propriamente se renovar, Magalhães amplia as suas considerações sobre a poesia e a temática que cultiva, ao publicar, em 1836, os Suspiros Poéticos e Saudades, obra que pretende sob as sugestões recebidas diretamente do romantismo europeu, inaugurar neste sentido, a reforma da literatura brasileira. Agora, já se apresenta livre da disciplina formal e de certas peculiaridades do estilo neoclássico, confessando que escreveu a sua nova obra segundo as impressões dos lugares que conheceu, cidades tradicionais, monumentos históricos, sugestões do passado, impressões da natureza associada ao sentimento de Deus, reflexões sobre o destino de sua pátria, sobre as paixões humanas e o efêmero da vida. Reafirma, dentro de um ideal religioso, a finalidade moralizante da poesia, capaz de ser instrumento de elevação e dignificação da pessoa humana, condena o estilo mitológico e proclama a liberdade formal da criação poética. O prefácio “Lede”, ao volume citado, vale assim, para nós, como uma espécie de manifesto romântico, ampliado pela introdução que escreve ao estudo da nossa literatura, no “Discurso Sobre a História da Literatura no Brasil”, que ficou apenas nos quatro primeiros capítulos publicados na Niterói – Revista Brasiliense, que ele fundou e editou em Paris, também em 1836. Motivado por vibrante propósito patriótico, procura aí realizar uma exaltação do Brasil, indicar os caminhos próprios de nossa vida literária, criticando a influência do espírito clássico em nosso passado literário, dado o seu caráter desnacionalizado e desnacionalizador, apontando a inspiração religiosa, ressaltando a necessidade de afirmar a nossa nacionalidade literária. Nos prefácios da Poesias Avulsas, e dos Cânticos Fúnebres – revivescência da “poesia dos túmulos”, de princípios do romantismo – publicados ambos em 1884, repisa nos mesmos pontos básicos acima salientados. Só Urânia, de 1862, não apresenta as preocupações indicadas, voltado que é para uma tentativa infeliz e prosaica de exaltação lírica da mulher amada, retomando, sem inspiração, sem força comunicativa, o culto da divinização da mulher da poesia camoniana e a sugestão lírica de Gonzaga.
     Nada de novo na temática desenvolvida nas últimas obras indicadas, se aproximadas das ideias já expostas, ideias que sem dúvida presidiram a elaboração delas. São temas e motivos românticos, subordinados a reflexões sugeridas pelo espiritualismo filosófico que Gonçalves de Magalhães aprendeu com Frei Francisco de Monte Alverne e nos cursos que frequentou em Paris ou no conhecimento de Jouffroy e Victor Cousin. Às reflexões sobre Deus e a natureza se ajustam as considerações sobre o poeta e a poesia, o sentido divino de sua inspiração e o objetivo moralizador de sua obra; canta a infância, a mocidade e a velhice, assim como se julga infeliz e sofredor; glorifica o passado histórico ou exprime saudade da pátria distante, exalta a amizade, a justiça, a liberdade, e decanta a Pátria. Ou então, ainda revivendo a já ultrapassada “poesia dos túmulos”, dos albores do romantismo, pondera a condição efêmera do homem, exacerba-se, numa lamentação fúnebre, e aspira a morte como uma libertação.
     A mesma preocupação renovadora ou reformadora, do ponto de vista crítico e de difusão de uma temática e de processos expressivos novos, pode ser reconhecida na poesia épica e no teatro de Gonçalves Magalhães. Entre os seus propósitos literários, Magalhães sempre manifestou, desde a mocidade, o desejo de escrever um poema épico nacional. E em pleno domínio do romantismo, quando o gênero, próprio da tradição clássica, já havia sido praticamente abandonado, ele publicou primeiro em edição imperial, em 1856, sob o patrocínio de D. Pedro II, depois em edição comum, em 1857, o poema A Confederação dos Tamoios. O desejo de glorificar o passado histórico nacional , o sentimento antilusitano que inspirou o poeta e o fundamento neoclássico de sua formação, justificam, literariamente, a elaboração um tanto extemporânea desta obra. Tanto assim que, apesar de certas afirmações críticas pressupondo atitudes renovadoras, Magalhães se apresenta diretamente filiado na tradição épica nacional esboçada na era colonial de nossa literatura, em que avultam Frei José de Santa Rita Durão e José Basílio da Gama. Do primeiro, muito preso ao modelo camoniano, além da sugestão indianista e do sentimento cristão ou religioso, retomou as intenções patrióticas de realizar uma epopeia nacional; no segundo, à parte também a sugestão indianista, observou o abandono das principais características de estilo e de estrutura externa impostas pela épica tradicional, desde a linguagem mitológica até o uso da oitava rima, substituída esta pelo verso decassílabo branco de estrofação livre.
     Contudo, nota-se no poema em apreço talvez uma maior tendência para a observância dos moldes tradicionais do que a introdução de novidades. Compõe-se A Confederação dos Tamoios de dez cantos, escritos em versos decassílabos predominantemente brancos, às vezes rimados, em estrofação livre; abandona o maravilhoso pagão, substituindo-o, porém, pelas sugestões do fetichismo indígena, o que já se nota no Uruguai de Basílio da Gama; e apresenta a divisão em partes, conforme agora o modelo quinhentista. Sua ação central gira em torno das lutas dos tamoios confederados, que em certo momento se aliam aos franceses, contra os portugueses colonizadores, em meados do século XVI, com um cenário que se estende do litoral paulista ao Rio de Janeiro. Preenchem as páginas do poema de Magalhães vários fatos, ocorrências, figuras históricas de portugueses, índios e jesuítas – Brás Cubas, João Ramalho, Tibiriçá, Caiubi, Cunhambeba, Jagoanharo, Aimbere, Iguaçu, Parabaçu, Pindobuçu, Anchieta, Nóbrega – nos limites do século XVI, além de referências a fatos e pessoas posteriores, numa antevisão panorâmica que chega até a Maioridade; de páginas descritivas da paisagem brasileira; e de outras repletas de intenso sentimento religioso entrevisto sobretudo na figura de Anchieta. Pode-se dizer que a Confederação dos Tamoios, de acordo com as impressões de Frei Francisco de Monte Alverne, é um poema intensamente patriótico, religioso e moralizante, o que está bem de acordo com o espírito e os propósitos do autor. Mas é uma obra medíocre como de resto toda a produção literária de Magalhães, consistindo seu valor no sentimento e nas intenções reformadoras e estimuladoras do escritor. Evidentemente não pode ser apreciado como um poema épico nacional. Apresenta, porém, uma grande vibração patriótica, o sentimento antilusitano que então nos dominava, na preocupação de reconhecermos as raízes autóctones de tradições e valores nacionais. Daí a defesa histórica do índio, tido como o mais legítimo elemento da nossa formação, contra as injustiças e o menosprezo do elemento colonizador adventício. Mas não chega a realizar uma valorização histórica do indígena, de maneira convincente, nem tampouco a explorar poeticamente as sugestões deixadas pelo seu antepassado remoto e pelas lutas com os portugueses nos momentos iniciais da conquista da terra. Talvez o que haja de mais notável neste poema, sem com isto pretender por em segundo plano as observações já feitas, seja o fato de ele haver motivado as famosas críticas de José de Alencar, no Diário do Rio de Janeiro, ocasionando uma polêmica da qual participaram Manuel de Araújo Porto-Alegre, D. Pedro II, Frei Francisco de Monte Alverne, além de outros, importantíssima para o estudo e a exata compreensão da tendência indianista do romantismo no Brasil.
     Mas não é tanto a poesia épica que amplia o significado da posição de Magalhães no início da reforma romântica no Brasil, conforme já ficou entrevisto através de sua produção lírica e de seu pensamento crítico. Tal relevo é dado ainda pelos seus propósitos de criar um teatro de legítima expressão nacional, contando, no caso, com a colaboração do grande ator da época, João Caetano, verdadeiramente o primeiro organizador de uma companhia de teatro que pode ser considerada como brasileira. Antes de Gonçalves de Magalhães, de João Caetano, Porto-Alegre e Martins Pena, a rigor não podemos falar em teatro nacional, compreendendo-se nesta expressão, o autor, a obra, o ator ou companhia, o edifício adequado à representação e o público realmente interessado. E dentro do setor exclusivo da história, não se poderia falar, até à altura da reforma de Magalhães e João Caetano, o que interessava ao nosso público eram o dramas febricitantes, o que viciava a imaginação e a sensibilidade.  Escritores como Souza e Silva, Lemos Magalhães, Antonio José de Araujo, Pinheiro Guimarães Junior, Odorico Mendes e mesmo Gonçalves de Magalhães limitavam-se a traduzir Byron, Arnaud, Delavigne, Ducis; são adaptações de peças de Shakespeare, por exemplo Otelo ou o Mouro de Veneza. Sentiu desde cedo, nos seus propósitos de reformador da literatura Brasileira, a necessidade de estimular a criação de peças nacionais; de assunto e de interesse nacionais, para de fato conseguirmos a organização de um teatro que correspondesse à nossa realidade. Mais uma vez, como logo mais os veremos, vale aqui a sua intenção, o seu esforço pioneiro, o caminho que abre, com Manuel de Araujo Porto-Alegre, e João Caetano para a verdadeira cena nacional, com Martins Pena e outros românticos como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo.
     A primeira peça de Gonçalves de Magalhães é a tragédia Antonio José ou o Poeta e a Inquisição, datada de 1838, quando, em 13 de março foi pela primeira vez representada no Teatro da Praça da Constituição pela Companhia de João Caetano, que acabava de ser organizada. Nos moldes do teatro clássico, compõe-se a peça de Gonçalves de Magalhães, por ele considerada uma tragédia de assunto nacional, de cinco atos escritos em verso, metro decassílabo, com assunto tomado à história, isto é, aos últimos momentos da vida do teatrólogo Antônio José da Silva, o Judeu, quando, em 1739, submetido a segundo processo, foi queimado vivo em Lisboa, por ordem da Inquisição. Naturalmente – e esta é a única explicação realizável – a peça é pelo autor considerada de assunto nacional pelo fato daquele malgrado comediógrafo, hoje considerado um autêntico escritor português, haver nascido no Brasil. Mas, na época romântica, sobretudo nesses momentos iniciais em que se situa a ação renovadora de Magalhães, não se levava ainda em consideração um rígido critério de nacionalidade literária e o que prevalecia era o propósito patriótico de ressaltar valores e tradições, descobrir uma passado literário eu possibilitasse historicamente a valorização de nossa
 vida intelectual e artística.  
     É preciso salientar o fato de Magalhães, que se propôs a realização da reforma romântica de nossa literatura, escrever uma tragédia em que prevalecem os princípios da poética clássica. Contudo, de acordo com o que já ficou dito a propósito de sua obra poética, tal atitude se justifica em virtude do fundamento neoclássico e do espírito religioso da formação do escritor. Ao prefaciar a tragédia citada, ele declararia não seguir nem o “rigor” dos clássicos nem o “desalinho” dos românticos, reconhecendo o direito de fazer o que entendia e o que podia. Na verdade, manteve-se predominantemente clássico, ao mesmo tempo dominado por ideias de Victor Cousin, a quem cita, ao prefaciar agora a sua segunda tragédia – Olgiato – representada em 1839 e escrita nos mesmos moldes clássicos da anterior. Apresentando como ação um episódio da história italiana, propícia, como na tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, à crítica dos abusos da tirania e às reflexões moralistas, nela Magalhães endossa a opinião do pensador francês, reafirmando que o fim da arte é o belo moral e a sua liberdade reside apenas nos meios de exprimi-lo. Daí porque renega o que considera verdadeiros “horrores” do estilo romântico, caracteres monstruosos, paixões desenfreadas, amores licenciosos. E ainda que faça concessões ao teatro do romantismo, que diz conhecer suficientemente, confessa preferir Alfieri e Corneille. Em todo caso, com ambas as tragédias que hoje nos parecem desfiguradas, aqui reconhecidas apenas pelo seu valor histórico-literário, iniciou e agitou um dos aspectos  mais importantes de nossa vida literária a partir da renovação romântica.
     À parte a obra em prosa de Gonçalves de Magalhães, cujo maior interesse, no nosso caso, reside no já ressaltado “Discurso Sobre a História da Literatura do Brasil” e na novela Amância, fraca, inconsistente, merecedora de referência apenas por ser uma das primeiras tentativas de autores nacionais no gênero ficção, somos levados, finalmente, considerada a extensão e variedade do que ele escreveu, a reafirmar os seus propósitos de definições críticas em prefácios e ensaios, além da obra de criação propriamente dita e de sua ação pessoal junto a escritores e artistas da época, entre 1833 e 1856, com o intuito declarado de promover a reforma romântica e nacionalista da literatura brasileira. É nestes termos que a sua obra, hoje quase inteiramente indiferente à nossa sensibilidade e até mesmo à nossa curiosidade humana, deve ser estudada e valorizada, porque sem dúvida é inegável a sua importância, o seu significado histórico, e sua função realmente renovadora  ou reformadora da literatura brasileira. Desde que se decidiu pela carreira literária, ainda estudante do Colégio Médico-Cirúrgico do Rio de Janeiro, que Gonçalves de Magalhães, antes de se dar à exigência de uma legítima vocação literária e à preferência por determinada forma de expressão, sentiu um impulso patriótico de contribuir para o engrandecimento geral de seu país. A sua formação mais literária, neoclássica, do que científica, enriquecida e também atenuada nas suas preocupações formalistas pelos estudos de filosofia e pelo conhecimento do romantismo europeu, além de estimulada pelo ardor patriótico, levou-o à realização de uma obra variada, na poesia lírica, épica e dramática, na ficção, no ensaio críticom nos estudos históricos e filosóficos, denotando em tudo a preocupação da reforma ou da renovação. Literariamente considerada, é preciso repisar no fato de que a sua obra nunca se desprendeu totalmente das influências neoclássicas de formação básica que o escritor recebeu, mas chegou a ser inteiramente romântica. Se apreciado principalmente como escritor romântico, a partir da publicação dos Suspiros Poéticos e Saudades (1836), logo verificamos que toda a indisciplina e o sentido de aventura criadora tão peculiares desse estilo, são controlados, por um lado pela formação religiosa de Gonçalves de Magalhães e por outra pelas reminiscências arcádicas que nunca o abandonaram, o que nos faz lembrar, salvo o aspecto religioso, a posição e o papel de Almeida Garrett na literatura portuguesa, escritor de quem ele recebeu acentuadas influências. Mas vale ser romântico por uma intenção criticamente definida, notadamente com propósitos reformadores. E é este o caso do autor aqui apresentado.  

Fonte bibliográfica: 
Gonçalves de Magalhães - trechos escolhidos. Por José Aderaldo Castello. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1961.