segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Literatura: cultura inútil? – Parte 2

Artigos na mídia a respeito dos resultados de vendas de livros em 2012 no Brasil apontam que foram vendidos muito mais livros classificados como “não ficção” do que os classificados como “ficção”. Alguns procuram explicar essa diferença dizendo que as pessoas estão mais interessadas em “não ficção” porque acham que lendo esses livros podem aprender alguma coisa... Tal afirmação pode inferir o oposto em relação aos tais de “ficção”, ou seja, sua leitura talvez não traga qualquer aprendizado...
De certa forma, essa noção já está um tanto implícita no uso da palavra “ficção” para referir-se a grande parte da literatura. O termo “ficção” faz pensar-se que se trata apenas de algo “irreal”, “apenas inventado”, “fantasias”, e assim por diante, ou seja, algo “pouco útil”, talvez “inútil”.
Essa é uma expressão, ou mesmo uma impressão de uma sociedade que tem uma cultura ainda em formação, que necessita elaborar essa cultura também através da literatura, ressalvando-se toda a riqueza que a literatura brasileira já apresenta e que pode servir de importante base e ser integrada nessa elaboração.
A sociedade brasileira já passou por diversas instabilidades políticas e econômicas em sua história e tem ainda importante deficiência educacional que reforçam a constatação dessa cultura ainda em formação. A literatura é importante nesse processo; não apenas uma literatura de acadêmicos, mas todas as instâncias dessa forma de produção artística.
A ideia de que nada se aprende com a literatura provém de uma divulgação errônea a respeito dessa forma de arte. Em certos aspectos, podemos dizer que as obras literárias trazem muitas informações presentes diretamente em seu próprio texto, além de indiretamente levarem a outros estudos, seja no sentido de melhor entendimento da obra, quanto no despertar de certos interesses de aprendizado por parte do leitor. Além disso, a literatura traz um profundo e singular aprendizado sobre o ser humano e a sociedade. Obras de Cervantes, Balzac, Victor Hugo, Fernando Pessoa, Machado de Assis, só para dizer esses poucos, podem revelar muito mais sobre a alma humana do que a maioria dos livros de “não ficção” somados juntos. 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Literatura: cultura inútil? – Parte 1


Tem surgido um debate em jornais a respeito da baixa venda de livros de literatura brasileira, que, entre outras coisas, pode estar associada a algo como uma procura maior pelo público por livros que “ensinam alguma coisa”, livros esses que são listados entre os de “não ficção”. Indiretamente isso levaria a inferir que literatura talvez seja inútil...
Em nosso meio há certa “cultura da cultura inútil”...
Há décadas a designação “cultura inútil” tornou-se popular a partir de sua utilização em humorismo, procurando fazer piada daqueles que falam de coisas ou ideias que, por serem aparentemente sem qualquer “utilidade”, representariam então apenas uma espécie de tolice, ou perda de tempo com algo “inútil”.
É provável que essa expressão humorística de tal conceito estivesse expondo alguma coisa que já ocorresse na sociedade em torno de uma valorização do “utilitarismo imediatista” daquilo que fosse entendido como Conhecimento.  
Isso não é de estranhar em uma sociedade (cuja língua é latina) que excluiu o estudo do Latim de seu ensino básico, sob a alegação de se tratar de “língua morta”, enquanto países de origem não latina, ainda mantêm essa matéria.
A exclusão dessa e de outras disciplinas do ensino básico demonstra uma forte difusão desse “utilitarismo imediatista” do Conhecimento já há décadas.
Há uma expressão similar a essa que também é usada em situações que se considera como conhecimento inútil: “viajar na maionese”.
Quando em uma aula, palestra ou discurso, o apresentador passa a fazer divagações de natureza filosófica, ou subjetiva, ou que vá um pouco além do tema estrito em questão, frequentemente fala-se que esse indivíduo “viajou na maionese”, ou seja, perdeu seu tempo com “frases inúteis”.
Ora, essa é uma das razões de haver superficialidade conceitual, filosófica e de conhecimento na nossa sociedade, pois as pessoas logo se fecham a informações que lhes parecem, à primeira vista, “inúteis”.
Mas, como determinar o que é “útil” e o que é “inútil”?
A utilidade ou inutilidade de qualquer coisa, sob uma perspectiva geral, é algo que deve ser devidamente contextualizado em tempo e lugar, entre outros fatores.
Se há cultura, então essa cultura nunca é inútil. Não há cultura inútil.
A noção de “cultura inútil” também advém de uma confusão de termos que, eventualmente, podem ser sinônimos. Confunde-se cultura, conhecimento, informação, educação, comunicação. Embora haja intersecção entre essas concepções, cada um desses termos abrange extensos e complexos campos relativos ao ser humano e aos agrupamentos humanos.
Pode ser que o termo “cultura inútil” queira significar “informação inútil”. Mesmo assim ainda pode designar uma forma de restrição, ou mesmo de reducionismo em relação a alguma coisa que nos seja estranha, ou que nos pareça sem finalidade.
Assim, entre as várias atividades humanas, as artes podem parecer algo que se situe em um território de “utilidade duvidosa”, de finalidade duvidosa, e entre elas estaria a literatura, com o acréscimo, para pior, daqueles que nem sabem que literatura é uma forma de arte, além de pintura, escultura, música, etc.
Confunde-se arte com “distração”, “diversão”, “passatempo”. Embora a arte também possa incluir esses aspectos, essa é uma forma superficial de entender o que seja arte.
Se a literatura não me distrai, não me diverte e nem serve para passar o tempo, então talvez essa seja uma literatura “inútil”?
Quando a arte e a literatura levam a um aprofundamento da percepção de si mesmo e do mundo, isso já é algo mais do que apenas distração, diversão, passatempo.