terça-feira, 10 de março de 2015

Ronald de Carvalho – Poesia – parte 2


Cheiro de Terra

Há versos que são como um jardim depois da chuva:
deixam em nós a sensação da água caindo,
caindo em bolhas trêmulas da ponta das folhas,

escorrendo da péla macia das pétalas,
pingando dos galhos lavados, gota a gota,
pingando no ar...

Versos que cheiram a terra molhada,
versos que são como um jardim depois da chuva...


Monotonia da Tarde Tropical

Nos jardins do arrabalde os girassóis dourados
abrem os cálices pesados para o poente.
Nos jardins solitários desce a penumbra suavemente,
desce a penumbra nos jardins calados.

Doçura do crepúsculo,
Doçura das montanhas e das árvores silenciosas
no crepúsculo...

Rola no ar morno um perfume acre de ervas queimadas
um perfume voluptuoso de carne e de frutas ácidas.

Sobre os jardins do arrabalde,
Surge trêmula, trêmula,
a primeira estrela.


Verdade

A verdade é talvez um momento feliz.
O teu momento feliz...  


Fonte bibliográfica: Trechos de "Epigramas irônicos e sentimentais" (1922) em "Ronald de Carvalho - Poesia e Prosa" por Peregrino Júnior. Coleção Nossos Clássicos, sob a direção de Alceu Amoroso Lima e Roberto Alvim Correa. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1960.  

domingo, 1 de março de 2015

Ronald de Carvalho – Poesia


Interior

Poeta dos trópicos, tua sala de jantar
é simples e modesta como um tranquilo pomar;

no aquário transparente, cheio de água limosa,
nadam peixes vermelhos, dourados e cor de rosa;

entra pelas verdes venezianas uma poeira luminosa,
uma poeira de sol, trêmula e silenciosa,

uma poeira de luz que aumenta a solidão.

Abre a tua janela de par em par. Lá fora, sob o céu de verão,

Todas as árvores estão cantando! Cada folha
é um pássaro, cada folha é uma cigarra, cada folha é um som...

O ar das chácaras cheira a capim melado,
a ervas pisadas, a baunilha, a mato quente e abafado.

Poeta dos trópicos,
dá-me no teu copo de vidro colorido um gole d’água.
(Como é linda a paisagem no cristal de um copo d’água!)  


Fonte bibliográfica:

"Interior" (de "Epigramas Irônicos e Sentimentais" - 1922) em "Ronald de Carvalho - Poesia e Prosa", por Peregrino Júnior, da Coleção Nossos Clássicos, sob a direção de Alceu Amoroso Lima e Roberto Alvim Correa. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1960.