Fragmentos de “Harpa de Ouro”[1]
do poeta Sousândrade (1833-1902)
Ser teu Great-Dog:
e tu meu Sírio![2]
Oh, borboleta-girassol![3]
Gênio-amor! oh, luz-delírio!
Oh, tanta luz! tanto arrebol
(O riso-céus!) e o lume e o lírio
De teus cabelos de crisol!
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A última rosa desfolhava
Do ar sobre mim; e eu via então
No tronco o nome iluminava
E a imagem tua era a visão;
No anagrama Dog, God estava[4]
Do amor em que há nenhum se
não.[5]
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Sacrifício da esp’rança o inseto
Entre os florões do roseiral
Co’o alfinete “I am busy” penetro[6]
O verde-brando dorso, e qual
Dela os cabelos no ombro abertos
Tremem as asas do mortal.
[1] O
manuscrito das Harpas de Ouro foi descoberto no meio do século XX pelo crítico
Luís Costa Lima.
[2]
Great Dog – “Cão Maior” – constelação onde se situa a estrela mais brilhante:
Sirius.
[3]
Borboleta-girassol: nesta estrofe há os característicos termos compostos
sousandradinos.
[4]
Anagrama que desenvolve a imagem estelar empregada na primeira estrofe.
[5] Se
não: o poeta quis talvez manter a ambiguidade entre o substantivo “senão”
(mácula, defeito) e a locução conjuntiva “se não”.
[6] I
am busy: “estou ocupado”, “concentrado em algo”. A comparação entre a borboleta
e a mulher amada tem sabor de poesia metafísica inglesa seiscentista, parente
do conceitismo barroco, modernamente revalorizada por T. S. Eliot.
Fonte bibliográfica: "Sousândrade - poesia", por Haroldo e Augusto de Campos. Coleção Nossos Clássicos, dirigida por Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa, Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1966.