domingo, 22 de dezembro de 2019

Uma Crônica de Cecília Meireles



Cecília Benevides de Carvalho Meireles, escritora brasileira que nasceu em 1901 e faleceu em 1964, é mais conhecida como poeta. Mas também escrevia prosa, escrevendo crônicas para jornais.

Festa no Hospital

     Tudo principiou com aroma ardente e penetrante do cedrinho recém-cortado. Ele invadiu o corredor e os quartos: foi como se tivéssemos sido transportados para um bosque; e é bom sonhar com brisas matinais descendo por frisadas, sombrias, lentas ramas perfumosas.
     Descobriu-se depois que mãos diligentes estavam cortando essas ramas e preparando com elas miniaturas de árvores para a ornamentação do hospital. Pequenos flocos de algodão, caídos como ao acaso, imitaram a neve dos Natais nórdicos; recortes de papel metálico pousaram nessas frondes minúsculas estrelas e flores reluzentes; bolas coloridas e pequenas velas completaram seu adereço festivo. Cada arvorezinha brilhou, mais tarde, à cabeceira do doente; haviam sido preparadas e acumuladas numa sala de serviço, e os que estavam acamados apenas sentiam o seu aroma, que se expandia por todos os lados, cálido, agudo, revigorante.
     Faltavam alguns dias para o Natal, mas aqui a festa se antecipara. As arvorezinhas foram escondidas num quarto vazio, onde permaneceram como um grupo de pequenas bailarinas ricamente vestidas que aguardassem o instante musical da sua entrada em cena. E outros adornos iam sendo preparados: na porta de cada quarto suspendeu-se um pedacinho de rama de cedro, sobreo qual brilhou também uma bonita estrela ou uma flor de papel metálico e uma delgada vela, que se acendeu no instante próprio.
     Então, na tarde de domingo, ouviu-se por todo o hospital um som de vozes juvenis entoando cânticos de Natal. Foram de comovedor encanto essas vozes que repetem os singelos hinos tradicionais traduzidos de idioma em idioma e convertidos em patrimônio cristão. Apareceram depois os cantores, mocinhas e rapazes de um grupo coral, que atravessaram os corredores, desceram pelas escadas, pararam pelas portas dos quartos, de modo que os enfermos, dos seus leitos, de suas cadeiras, os puderam ver, alegres e felizes, distribuindo felicidade e alegria aos que, por enquanto, mal dispõem da força de olhar e sorrir. E como as mocinhas tinham vestidos coloridos e corpetes atacados na frente, pareceu que se estava no campo, muito longe, numa festa rural.
     No dia seguinte, as arvorezinhas foram distribuídas pelos quartos, acompanhadas de doces, balas, biscoitos, uma maçã servindo de castiçal para uma pequena vela, e um cartãozinho de Boas Festas com palavras carinhosas para cada doente. Mais tarde, as Schwestern, de uniforme preto e avental branco, passaram cantando, também; desfilaram os diferentes funcionários da casa; houve muitas crianças elevando suas vozes infantis nas canções habituais que celebram Jesus, os sinos de Belém, a paz dos homens, a felicidade na terra.
     Nas suas enfermarias, os indigentes e as crianças conheceram um pouco da possível felicidade na terra, sob a forma de presentes que decerto em toda sua vida nunca receberam: alegraram-se com roupas novas, jamais sonhadas, com brinquedos, gulodices, coisas de que algum dia terão ouvido falar como de simples histórias encantadas.
     O hospital brilhou, então, completamente ornamentado por mãos solícitas de pessoas devotadas; lustres de papel metálico oscilaram à brisa; cada vidraça converteu-se num vitral, com anjos cantores recortados e aplicados nos vidros. As mais fantasiosas árvores de Natal reluziam pelos corredores. Em alguns lugares, aconchegado em suas palhas, o Menino Jesus dormia o seu Nascimento, e já os pastores e os Magos se aproximavam do seu sono.
     E lá fora, na noite fria de São Paulo, na noite singularmente fria, bimbalharam sinos cristalinos, e as famílias, em suas casas, se animaram em redor das mesas da ceia: porque agora já era mesmo a noite de Natal, e dali a pouco as igrejas se encheriam para a Missa do Galo.

Fonte bibliográfica:
Cecília Meireles - Ilusões do Mundo (Crônicas). 3ª Edição. Editora Nova Fronteira S.A. , 1982. 

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Dados biográficos do escritor Ramalho Ortigão


1836 – 24 de novembro. Nasce José Duarte Ramalho Ortigão, filho de Joaquim da Costa Ramalho Ortigão, na cidade do Porto, em Portugal, onde recebeu a primeira educação, no ambiente familiar, tendo por mestres dois tios, um militar, Manuel Caetano, e um frade, Frei José do Sacramento. Adolescente, ingressa na Universidade de Coimbra, mas não termina o curso.

1855 – Inicia-se no magistério, como professor de francês, no Colégio da Lapa, no Porto, de onde seu pai era diretor.

1859 – Inicia sua carreira de jornalista, no Porto, no “Jornal do Porto”.

1865 – Toma partido na célebre “Questão Coimbrã”, adotando posição conciliatória, onde seu desentendimento com Antero de Quental, do qual resultou um duelo entre ambos.

1866 – Publica “Literatura de Hoje” (sua intervenção na polêmica “Bom Senso e Bom Gosto).

1867 – Viagem a Paris por ocasião da Exposição Universal.

1868 – Publica suas notas de viagem: “Em Paris”. É nomeado Oficial da Secretaria da Academia Real das Ciências e muda-se para Lisboa. Aí nesse mesmo ano entra em contato com os homens da “Escola de Coimbra”, reunidos à volta do Cenáculo: Eça de Queiroz, Batalha Reis, Oliveira Martins, Augusto Soromenho, Antero de Quental, etc. , tornando-se, desde então, um dos espíritos mais saudavelmente revolucionários da chamada “geração de 70”.

1871 – Inicia a publicação de “Farpa”, em colaboração com Eça de Queiroz – crônica mensal de política, letras e costumes, cuja orientação fica depois unicamente a seu cargo e segue até 1882. Nesse mesmo ano, tem início também a publicação da novela em folhetins “Mistérios da Estrada de Cintra”, escrita em colaboração com Eça.

1883 – Visita a Holanda.

1885 – Publica “A Holanda”.

1887 – Integra o Grupo dos “vencidos da vida”, ao lado de Eça de Queiroz, Conde Arnoso, Carlos da Lima Mayer, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Luís Soveral, Carlos Lobo D’Ávila, Conde de Ficalho, Antônio Cândido e Conde de Sabugosa. Nesse mesmo ano visita a Inglaterra e publica suas impressões em “John Bull”.

1895 – Contratado como Bibliotecário da Biblioteca do Palácio da Ajuda

1905 – Nomeado Bibliotecário na mesma Biblioteca.

1907 – Nomeado Vogal do Conselho Superior de Instrução Pública.

1908 – Escreve artigo condenando o assassínio do rei D. Carlos.

1910 – Com a Proclamação da República, Ramalho renuncia imediatamente a todos os seus cargos oficiais.

1911/14 – Período em que escreve “As Últimas Farpas”.

1915 – No dia 27 de setembro falece Ramalho Ortigão, de uma afecção cancerosa, sendo amortalhado no hábito de S. Bento e sepultado no cemitério Oriental.


Fonte bibliográfica:
Ramalho Ortigão – Trechos Escolhidos. Por Nelly Novaes Coelho. Da Coleção Nossos Clássicos, sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, 1968.