Brasil
Ronald de Carvalho
Nesta hora de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
faíscas
cintilações
Eu ouço o canto enorme do Brasil!
Eu ouço o tropel dos cavalos de Iguaçu.
correndo nas
pontas das rochas nuas,
empinando-se no
ar molhado, batendo
com as patas de água na manhã de
bolhas e pingos
verdes;
Eu ouço a tua grave melodia, a tua bárbara
e grave melodia,
Amazonas, a melodia
da tua onda lenta
de óleo espesso, que se
avoluma e se avoluma, lambe o barro
das barrancas, morde raízes, puxa ilhas
e empurra o oceano mole como um touro
picado de farpas, varas, galhos e
folhagens;
Eu ouço a terra que estala no ventre quente
do nordeste, a
terra que ferve na planta
do pé de bronze
do cangaceiro, a terra
que se esboroa e
rola em surdas bolas
pelas estradas de
Juazeiro, e quebra-se
em crostas secas,
esturricadas no Crato
chato;
Eu ouço o chiar das caatingas – trilos, pios,
pipios, trinos,
assobios, zumbidos, bicos
que picam, bordões
que ressoam retesos,
tímpanos que
vibram límpidos, papos
que estufam, asas
que zinem, zinem,
rezinem,
cris-cris, cicios, cismas, cismas
longas, langues –
caatingas debaixo do
céu!
Eu ouço os arroios que riem, pulando na
garupa dos
dourados gulosos, mexendo
com os bagres no
limo das luras e das
locas;
Eu ouço as moendas espremendo canas, o
glu-glu do mel
escorrendo nas tachas, o
tinir das
tijelinhas nas seringueiras;
e machados que
disparam caminhos,
e serras que
toram troncos,
e matilhas de “Corta-Vento”,
“Rompe-Ferro”,
“Faíscas” e “Tubarões acuando
suçuaranas
e maçarocas,
e mangues borbulhando na luz,
e caititus tatalando as
queixadas para os
jacarés
que dormem no tijuco morno dos
igapós...
Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo,
gritando,
vociferando!
Redes que se balançam,
sereias que apitam,
usinas que rangem, martelam, arfam,
estridulam,
ululam e roncam,
tubos que explodem,
guindastes que giram,
rodas que batem,
trilhos que trepidam,
rumor de coxilhas e planaltos, campainhas,
relinchos,
aboiados e mugidos,
repiques de sinos, estouros de foguetes,
Ouro Preto,
Bahia, Congonhas, Sabará,
vaias de bolsas empinando número como
papagaios,
tumulto de ruas que saracoteiam sob arranha-céus,
vozes de todas as raças que a maresia dos
portos joga no
sertão!
Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil!
Todas as tuas conversas, pátria morena, correm pelo ar!
a conversa dos fazendeiros nos cafezais,
a conversa dos mineiros nas galerias de ouro,
a conversa dos operários nos fornos de aço,
a conversa dos garimpeiros, peneirando as bateias,
a conversa dos coronéis nas varandas das roças...
Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora,
De sol
puro,
palmas paradas
pedras polidas
claridades
brilhos
faíscas
cintilações
é o canto dos teus berços, Brasil, de todos
esses teus
berços, onde dorme, com
a boca
escorrendo de leite, moreno, confiante,
o homem de amanhã!
Referência bibliográfica:
Ronald de Carvalho - Poesia e Prosa. Por Peregrino Junior. Coleção Nossos Clássicos, sob direção de Alceu Amoroso Lima e Roberto Alvim Correa. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1960.