sexta-feira, 15 de maio de 2015

Ronald de Carvalho – Poesia – Parte 3


Brasil
                                       Ronald de Carvalho

Nesta hora de sol puro
         palmas paradas
         pedras polidas
         claridades
         faíscas
         cintilações

Eu ouço o canto enorme do Brasil!

Eu ouço o tropel dos cavalos de Iguaçu.
      correndo nas pontas das rochas nuas,
      empinando-se no ar molhado, batendo
      com as patas de água na manhã de
      bolhas e pingos verdes;

Eu ouço a tua grave melodia, a tua bárbara
      e grave melodia, Amazonas, a melodia
      da tua onda lenta de óleo espesso, que se
      avoluma e se avoluma, lambe o barro
      das barrancas, morde raízes, puxa ilhas
      e empurra o oceano mole como um touro
      picado de farpas, varas, galhos e
      folhagens;

Eu ouço a terra que estala no ventre quente
      do nordeste, a terra que ferve na planta
      do pé de bronze do cangaceiro, a terra
      que se esboroa e rola em surdas bolas
      pelas estradas de Juazeiro, e quebra-se
      em crostas secas, esturricadas no Crato
      chato;

Eu ouço o chiar das caatingas – trilos, pios,
     pipios, trinos, assobios, zumbidos, bicos
     que picam, bordões que ressoam retesos,
     tímpanos que vibram límpidos, papos
     que estufam, asas que zinem, zinem,
     rezinem, cris-cris, cicios, cismas, cismas
     longas, langues – caatingas debaixo do
     céu!

Eu ouço os arroios que riem, pulando na
      garupa dos dourados gulosos, mexendo
      com os bagres no limo das luras e das
      locas;

Eu ouço as moendas espremendo canas, o
      glu-glu do mel escorrendo nas tachas, o
      tinir das tijelinhas nas seringueiras;
      e machados que disparam caminhos,
      e serras que toram troncos,
      e matilhas de “Corta-Vento”, “Rompe-Ferro”,
             “Faíscas” e “Tubarões acuando
              suçuaranas e maçarocas,
e mangues borbulhando na luz,
e caititus tatalando as  queixadas para os
             jacarés que dormem no tijuco morno dos
             igapós...

Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo,
            gritando, vociferando!

Redes que se balançam,
sereias que apitam,
usinas que rangem, martelam, arfam,
      estridulam, ululam e roncam,
tubos que explodem,
guindastes que giram,
rodas que batem,
trilhos que trepidam,
rumor de coxilhas e planaltos, campainhas,
        relinchos, aboiados e mugidos,
repiques de sinos, estouros de foguetes,
        Ouro Preto, Bahia, Congonhas, Sabará,
vaias de bolsas empinando número como
           papagaios,
tumulto de ruas que saracoteiam sob arranha-céus,
vozes de todas as raças que a maresia dos
         portos joga no sertão!

Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil!

Todas as tuas conversas, pátria morena, correm pelo ar!
a conversa dos fazendeiros nos cafezais,
a conversa dos mineiros nas galerias de ouro,
a conversa dos operários nos fornos de aço,
a conversa dos garimpeiros, peneirando as bateias,
a conversa dos coronéis nas varandas das roças...

Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora,
            De sol puro,
palmas paradas
pedras polidas
claridades
brilhos
faíscas
cintilações  
             
é o canto dos teus berços, Brasil, de todos
           esses teus berços, onde dorme, com
           a boca escorrendo de leite, moreno, confiante,
o homem de amanhã!


Referência bibliográfica: 
Ronald de Carvalho - Poesia e Prosa. Por Peregrino Junior. Coleção Nossos Clássicos, sob direção de Alceu Amoroso Lima e Roberto Alvim Correa. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1960.