sábado, 29 de dezembro de 2012

Fernanda Torres escritora

Em 28 de dezembro de 2012, foi publicado na Folha de São Paulo o texto de autoria da atriz Fernanda Torres intitulado “Ben-Hur”.
A autora inicia seu texto com uma informação com certo tom de confissão, mas com autêntica sinceridade, na revelação que poderia soar “politicamente incorreta” de sua admiração por Charlton Heston como ator.
Heston, em sua vida pessoal, migrou de democrata que marchou ao lado de Martin Luther King para feroz republicano e importante membro da Associação Nacional do Rifle dos Estados Unidos. Deixou perplexos aqueles que viam nele uma espécie de herói-profeta-austronauta... Há mesmo que se perguntar se sua deficiência cognitiva, que viria a ocorrer, já não teria começado aí e que, além de fatores biológicos, sua doença talvez não tivesse sido também decorrente da “sobrecarga humana” proveniente de ter vivido personagens tão densos e imensos... Parece que ele ultrapassou algum tipo de limite humano em virtude disso e, de certa forma, teria que pagar por isso, em uma sina um tanto prometeica...
Aliás, perplexidade e complexidade em relação ao humano são palavras que podem resumir o texto de Fernanda Torres.
Ela, uma atriz tão premiada, imersa na arte em família, ao fazer tais elogios ao ator Charlton Heston vem nos chamar a atenção para esse que, por alguns, foi considerado como apenas um “ator canastrão” com falas empostadas; consideração esta que pode ter sido influenciada pela postura política tardia do ator.
Fernanda nos instrui e esclarece naquilo que diz respeito a “incorporar” uma personagem, ou seja, fazer de seu próprio corpo também expressão do todo da personagem, que é algo que ela viu em Heston.
A autora também se remete a algo que é comum às pessoas de sua geração e também da geração anterior que se encantaram com o filme que por muitos anos sustentou a posição imbatível de onze óscares; adentra a uma simbologia presente no filme que, coincidentemente, eu também via de modo semelhante, além de outras tantas, de modo que sempre me perguntei se tudo aquilo era próprio da genialidade do diretor William Wyler, ou daqueles que criaram a narrativa e as cenas, ou mesmo de todos esses.
A seguir, a partir de Ben-Hur, Fernanda divaga sobre correlações e analogias da história do filme com o que tem acontecido na História do mundo passada e na atual. Nesse sentido, ela aponta para a complexidade do ser humano, que mescla seu lado sombrio e seu lado luminoso a todo tempo e em várias circunstâncias.
Sua capacidade discreta, mas incisiva, ao escrever, nos faz indiretamente lembrar que todos temos essas várias facetas, que podem se acentuar conforme o momento e as condições históricas.
A constatação dessa complexidade não implica em uma passividade diante dessa percepção, mas, pelo contrário, pode colaborar para o contínuo processo de reforçar a paz, o diálogo, o entendimento, sabendo que isso não é simples e fácil...
Talvez o Heston-Ben-Hur-Moisés venha resgatar o perdido Taylor antes que, na segunda sequência de o Planeta dos Macacos, Charlton aperte aquele tal botão que acabaria com tudo, se não fosse a mágica do espaço-tempo cinematográfico...

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sobre a obra “Margem” de Guilherme de Almeida


A obra “Margem”, de Guilherme de Almeida, corresponde a um livreto que reúne o que podem ser alguns dos últimos poemas do autor, escritos em 1968-1969. O livreto original tinha capa composta pelo autor e poemas datilografados em formatos próprios nas páginas. Essa obra foi publicada como um livro inédito em 2010 devido ao trabalho de Marcelo Tápia, estudioso de Guilherme de Almeida.
O estudioso, na apresentação de “Margem”, acentua que este pequeno volume contraria aqueles que atribuíram a Guilherme o “rótulo estático de conservador e de apegado a um passadismo insuperado, de autor de obra tardiamente parnasiana e apenas episodicamente inserida no modernismo”. 
Refere então Marcelo Tápia que o autor mantém suas concepções, como a de que “poesia é ritmo”, bem como, além de cultivar a tradição da poesia ocidental e oriental, não ficou indiferente a novas possibilidades.
O estudioso lembra então o livro-poema “Raça”, de 1925, onde o espaço da página e recursos tipográficos foram também características dessa obra, apontando para a nova poesia europeia de fins do século XIX e início do século XX. 
Assinala Marcelo Tápia que a poesia de “Margem” remete-se à poesia construtivista surgida na década de 1950, com o uso conciso de elementos aliado à densidade de significação. 
Outros comentários sobre essa obra podem ser lidos no próprio livro publicado em 2010 pela Casa Guilherme de Almeida e pela Editora Annablume. Consta também interessante posfácio de Carlos Vogt. 
Abaixo alguns poemas de “Margem”.

Nós
Só no
nosso
sono
somos
sós: só
nós, só
sono.

Da rima
Mima,
dobra,
lima a
rima!
Sobra
obra-
prima.

Os românticos
Míticos
místicos,
      límpidos
      Ímpetos,
lívidos
ídolos,
      dignos
      signos,
líricos
tísicos.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Sobre o artigo “Grave Crise Existencial” de João Ubaldo Ribeiro


Foi publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 11 de Novembro de 2012, o artigo intitulado “Grave Crise Existencial” de autoria de João Ubaldo Ribeiro.

Nesse artigo, João Ubaldo Ribeiro faz uma crítica irônica da situação de direitos autorais dos escritores que estão cada vez mais desvalorizados.

O autor inicia fazendo considerações irônicas sobre as variadas origens e os nomes diversos dados ao peru, como pavo, turkey, puter, galinha de Calicute, dindon, galo da Índia... Desse modo, atenta para o “problema de identidade” da ave.
A seguir, J.U. Ribeiro desculpa-se por esse preâmbulo, mas é a forma que ele encontra para introduzir a respeito da situação de escritores e artistas em que ele se vê cada vez mais envolvido. Assim, compara a situação de quem vive de direitos autorais à situação do peru. Ou, como diz, “pior, porque outro dia, não me lembro mais onde, li que já morremos todos”. Reforça então que, conforme alguém disse por aí, “o autor morreu”. Dessa forma, ele não se sente nem mesmo em condições de ser dono desse próprio artigo que está escrevendo/publicando.
Ele tenta se soerguer “na tumba”, mas o “sagrado direito à informação” o sepulta de novo, pois, se o que ele escreve é informação, e ele cobra por isso, está “cerceando esse direito”.
Ora, então ele dá a entender que não é por ser sagrado o direito de comer que o dono do supermercado vai ficar sem pagamento...
Bem, assim também é o direito à saúde e, no entanto, seus profissionais também são remunerados.
Assim, o autor diz que o artista deveria ser então quase que um monge com uma “generosidade intelectual” para a livre fruição de todos.
A essa altura ele então acrescenta que: “Porque a maioria dos escritores encara com relutância a ideia de santificação inanida, somente aqueles que têm fontes de renda poderão escrever. Quanto aos outros, que consigam empregos com os poderosos, que cavem uma sinecurazinha, que ganhem dinheiro nas bolsas de valores e escrevam nos momentos de lazer, mas não desçam à infâmia de cobrar pelo que escrevem”.
A seguir ele lembra que aventa-se a possibilidade de o Estado resolver essa questão. Faria a regulamentação da profissão... Após aprovação em concurso o escritor portaria a “carteira de escritor”, podendo exercer a profissão. Depois seria criado o “Conselho Editorial Nacional”, ao qual os escritores apresentariam seus projetos, “rápido e sem pistolões ou propinas, como é regra no Brasil”. E o Conselho estabeleceria temas de “interesse” do país como “Saga do Pré-Sal”, ou “Mistério da Transposição de Águas do São Francisco”.
Assinala Ribeiro que o autor receberia um “módico estipêndio mensal”, pois trata-se de dinheiro público, além de prestar contas e fazer modificações conforme as determinações de tal “Conselho”.
Assim, continua: “todos vão ter direitos sobre o que o autor escrever, menos ele próprio, até porque já morreu”.
J.U. Ribeiro conclui que “ninguém estranha quando uma BBB ganha um ou dois milhões para mostrar o traseiro e ministrar-nos palestras filosóficas”.
Arremata então que, no entanto, se um escritor, depois de muitos anos de trabalho, ganha um prêmio de cem mil (reais, dólares, o que seja...) há grande perplexidade...
Finaliza então que, na próxima encarnação, vai tentar vir como “Mulher Fruta-Pão”.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Guilherme de Almeida e Paul Verlaine


Entre os poetas franceses traduzidos por Guilherme de Almeida está o poeta simbolista Paul Verlaine (1844-1896). Segue abaixo uma de suas traduções, ou como ele preferia, uma "reprodução",  ou "recriação", ou "transcrição", ou "transfusão".

Canção de Outono

Estes lamentos
Dos violões lentos
     Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
     De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
     Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
     De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa:
      Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
       E morta.

Chanson d’automne

Les sanglots longs
Des violons
      De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
     Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
    Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
    Et je pleure.

Et je m’en vais
Au vent mauvais
      Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
      Feuille morte.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Guilherme de Almeida – Poeta e Tradutor


Em uma edição (5ª) da Editora Babel do livro de Guilherme de Almeida intitulado “Poetas de França”, no prefácio, Marcelo Tápia, estudioso de sua obra, assinala que o autor propôs um “encontro” entre a poesia de língua francesa e a de língua portuguesa, com as suas traduções de originais franceses. Dessa forma, considera Guilherme que não se trata exatamente de simples tradução, mas antes de criar uma nova poesia a partir da original. Assim, ainda conforma Tápia, Guilherme rejeita o termo “traduzir” para poesia e prefere “reproduzir” e introduz os termos “recriação”, “transcrição” e “transfusão” para essa forma de tradução.
Dessa obra apresentamos aqui a tradução de Guilherme de Almeida para um original de Edmond Haraucourt:

Rondó do Adeus

Partir é morrer um pouco
Para tudo o que se adora:
Por toda parte, a toda hora,
Deixa-se a alma pouco a pouco.

É o luto de um sonho, um oco
Na vida, um verso que chora:
Partir é morrer um pouco!

E parte-se, e é um jogo, e a troco
De nada, até a última hora,
É a alma que se joga fora
A cada adeus como um louco:
Partir é morrer um pouco...

Rondel de l’adieu

Partir, c’est mourir um peu,
C’est mourir à ce qu’on aime:
On laisse um peu de soi-même
Em toute heure et dans tout lieu.

C’est toujours le deuil d’un voeu,
Le dernier vers d’un poème:
Partir, c’est mourir un peu!

Et l’on part, et c’est un jeu,
Et jusqu’à l’adieu supreme,
C’est son âme que l’on sème,
Que l’on sème a chaque adieu:
Partir, c’est mourir um peu...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guilherme de Almeida: o moderno esquecido. Parte 2.


Após casar-se em 1923 com Belkiss Barroso do Amaral (Baby), Guilherme passou a morar no Rio de Janeiro até 1925; nesse mesmo ano publicou quatro livros de poesias, sendo que os títulos “Raça” e “Meu” são considerados como ápices de sua poesia modernista. Também em 1925 escreveu “Revelação do Brasil pela poesia moderna”, que apresentou no Rio Grande do Sul, Pernambuco e Ceará, para divulgar o Modernismo.
Em 1928 foi eleito para a Academia Paulista de Letras e em 1930 para a Academia Brasileira de Letras.
Em 1932 participou ativamente como soldado da Revolução Constitucionalista, também conhecida como Guerra Paulista. Ao fim do movimento foi preso e exilado em Portugal. Lá elaborou o livro de prosa “Meu Portugal” publicado em 1933.
A partir dos anos 1930 passou a dedicar-se à tradução. Em 1936 publicou “Poetas de França”.
Entre as décadas de 1920 e 1940 desenvolveu crítica cinematográfica na coluna “Cinematógrafos” no jornal “O Estado de São Paulo”.
Escreveu também antologia da obra de Baudelaire e da obra de Verlaine.
Também são destacados de sua obra os livros “Ruas”, de 1961 e “Margem”, publicação póstuma de 2010.
A obra de Guilherme compreende 75 publicações, sendo que em 1959 foi eleito como o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” em concurso feito pelo jornal “Correio da Manhã”, tendo concorrido com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e Mauro Mota.
Guilherme de Almeida faleceu em 11 de Julho de 1969 na sua “Casa da Colina” situada à Rua Macapá, no Pacaembu, em São Paulo.
Esse local tornou-se a Casa Guilherme de Almeida, que pode ser visitada, onde estão preservados elementos próprios da vida cotidiana do poeta e onde também hoje fica o Centro de Estudos de Tradução Literária.
A visita à Casa Guilherme de Almeida é uma atividade que estimula o interesse pela literatura em geral.

domingo, 14 de outubro de 2012

Guilherme de Almeida: o moderno esquecido


Guilherme de Almeida (1890-1969), escritor, cronista, crítico, tradutor, além de Promotor Público formado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é uma figura pouco lembrada hoje em dia na produção literária brasileira. Esquecimento esse um pouco estranho para alguém que, em 1959, chegou a ser escolhido como o ”príncipe dos poetas brasileiros”.
Um dos supostos motivos para a pouca ênfase em tal escritor pode ter sido o fato dele ter se alistado como soldado na Revolução Constitucionalista, também chamada de Guerra Paulista, em 1932.
Por muitos anos houve certa confusão entre quem teriam sido os “conservadores” e os “revolucionários” em torno dos movimentos políticos ocorridos nas décadas de 1920 e 1930. 
A partir de 1930, passa a ser construída a imagem de Getúlio Vargas e os getulistas denominaram o que teria precedido esse tempo de “República Velha”, sendo que, a própria ditadura de fato de Getúlio, a partir de 1937, passou a chamar sua condição política de “Estado Novo”. Devemos atentar para que comumente os movimentos neoconservadores atribuem a si nomes precedidos pelos adjetivos “novo” e “nova”, onde, na verdade, promovem algum retrocesso a situações em variados graus de tirania. Tais manobras acabam confundindo quem promove quais coisas na história. 
Embora seja bastante repetido que a “modernidade” tecnológica e industrial chegou ao Brasil através de Getúlio Vargas, na verdade esses processos ocorreram antes, durante e depois da Era Vargas.
Com a força da história de construção getulista, aqueles que lhe opuseram ficaram com certa marca negativa de “conservadores”. De certo modo, essa marca ficou parcialmente e falsamente aliada a Guilherme de Almeida.
A reconstrução histórica pró-getulista também procura diminuir o caráter “modernista” dos que fizeram a Semana de Arte Moderna de 1922. Ocorre que, aqueles que lá estavam organizando esse evento viviam imersos nas coisas de seu próprio tempo, enxergando com seus próprios olhos aquilo que nesse período considerava-se como “moderno”. Esse foi um evento que ocorreu na famigerada “República Velha”. Não se quer aqui tirar os defeitos dessa República, mas deve-se lembrar que esse tempo foi bem mais complexo do que uma simples divisão entre antes e depois de Getúlio.
Voltando a Guilherme de Almeida...
Nasceu em 1890 em Campinas, Estado de São Paulo. Formou-se em 1912 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo e atuou na área do Direito até 1923, quando passa a dedicar-se à atividade de escritor. Tem sua estreia literária em 1916 com as peças de teatro escritas com a colaboração de Oswald de Andrade intituladas Mon Coeur Balance e Leur Ame, editadas na obra Théatre Brésilien. Em 1917 lança seu primeiro livro de poemas Nós. Sua obra prossegue e em 1922 participa ativamente da Semana de Arte Moderna. Foi um dos fundadores da revista Klaxon, publicação porta-voz do movimento, sendo que criou a capa do periódico, além de propagandas de patrocinadores em concepções artísticas de vanguarda.
Mais dados biográficos continuam no próximo texto.
Parte da bibliografia foi embasada em texto no site da Casa Guilherme de Almeida.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sobre “Uma alternativa à mercantilização do livro II”


Em 23 de agosto de 2012 A.P. Quartim de Moraes continua a discussão que iniciou em 19 de junho no jornal O Estado de São Paulo a respeito da mercantilização do livro.
Inicia o texto lembrando que anteriormente comentou a respeito da proliferação de editoras sem fins lucrativos como forma de atenuar a imposição da produção editorial brasileira que reduz o espaço para obras de ficção brasileiras.
A seguir cita a 22ª Bienal Internacional do Livro em São Paulo, encerrada no dia 19 de agosto, promovida pela Câmara Brasileira do Livro. Refere ter-se sentido gratificado por ter feito a curadoria do espaço Livros & Cia., dedicado a discutir temas de interesse “dos profissionais de todos os elos da cadeia de produção do livro”. Fez destaque sobre um debate a respeito da função civilizadora do livro, em contraponto ao tema dominante da gestão do negócio do livro.
Diante da perplexa afirmação de que “a vida útil do livro está cada vez mais curta” dita por representante de uma grande editora, ele considera que se deva continuar o debate sobre o papel da literatura brasileira. 
A seguir enumera o que chama de  quatro pilares do negócio editorial.
O primeiro é o “big business”: associação do interesse de grandes publicadoras com grandes cadeias de varejo. Assim, o autor ironicamente compara o livro a “latas de salsicha” na visão dos negociantes. Ficções publicadas seguem apenas o marketing do mercado externo.
O segundo pilar é a mídia, que se limita a questões literárias sofisticadas, passando ao largo desta questão, ignorando que a literatura brasileira se limita cada vez mais às pequenas e médias editoras.  
O terceiro pilar é a falta de políticas públicas “destinadas a corrigir as distorções do mercado editorial”. Não há incentivo a pequenas e médias editoras que publicam literatura brasileira. Assim, considera o autor do artigo que “se o brasileiro já lê pouco, ele vai ler ainda cada vez pior”.
O quarto pilar: o comportamento dos escritores brasileiros. Os já reconhecidos, que poderiam fazer alguma manifestação sobre essas questões, ficam em certo comodismo, mesmo que suas próprias obras fiquem aquém de um potencial de publicação que poderiam atingir. 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Sobre "Uma alternativa à mercantilização do livro I"


Resenha sobre o artigo “Uma alternativa à mercantilização do livro I” de A.P. Quartim de Moraes publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 19 de junho de 2012.

O autor inicia partindo da constatação de que há um crescente estreitamento de espaço para a literatura brasileira no nosso mercado editorial. Assim ele pergunta: “há saída para esse impasse que põe em risco nossos valores culturais? ” Ele acha que a óbvia resposta é “não” embasado no que ele chama de “big business editorial”.
Reforça então que esse problema tende a se agravar já que o mercado editorial brasileiro, desde fins do século XX, passou a ser dominado pelo que ele caracterizou como “subcapitalismo vira-lata incapaz de enxergar um palmo adiante de sua irrefreável obsessão por lucros gordos e imediatos”.
No entanto, Quartim de Moraes aponta para caminhos capazes de amenizar essa devastação cultural das grandes editoras comerciais. Cita como exemplo uma alternativa que vem dos Estados Unidos. Trata-se de uma editora sem fins lucrativos, a New Press (www.thenewpress.com) , fundada há 20 anos em New York por  André Schiffrin, um editor franco-americano que estivera à frente da Pantheon Books por três décadas. Schiffrin passou a escrever livros onde faz uma análise crítica das transformações nos meios de comunicação, especialmente na publicação de livros. É destacada a obra Words & Money, que saiu no Brasil como “O dinheiro e as palavras” (Editora BEI, 2011). No livro “O negócio dos livros – Como as grandes corporações decidem o que você lê”, publicado no ano 2000 nos EUA e em 2006 no Brasil pela Casa das Palavras, Schiffrin acentua como único interesse atual dos editores o de ganhar o máximo possível de dinheiro.
Quartim de Moraes assinala que essa não é a única editora sem fins lucrativos e que ela tem tido sucesso em seus lançamentos, sendo que não trabalha no vermelho, pois além de receber doações também procura o lucro para reinvestir no catálogo. O autor lembra então que no Brasil há editoras, principalmente ligadas a universidades, que quase não publicam ficção literária e que ficam fora do mercado, com pouco acesso a livrarias. Aponta que o sucesso de um empreendimento como esse aqui dependeria de “um elenco de doadores comprometidos com a missão civilizadora do livro”, e que isso é bem mais fácil de encontrar nos Estados Unidos do que aqui.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Memórias da Memória - Zikaron - Parte 3

Embora Zikaron tenha sido escrito em primeira pessoa, não é uma autobiografia. A ideia da personagem principal foi embasada em relatos recolhidos de jornais a respeito de indivíduos que, tendo crescido ou vivido em orfanatos ou instituições públicas, foram capazes de superar várias dificuldades até conseguirem concluir curso universitário e terem boas condições de  viver e trabalhar com criatividade e cidadania. A formação de tal individualidade e identidade se faz com singulares condições de memória que se entrecortam na narrativa.
O cenário dessa narrativa foi escolhido de modo a preservar uma memória: a memória quase perdida de uma cidade grande como São Paulo. Muitas vezes decantada como "a cidade que mais cresce no mundo", ou ainda como "São Paulo não pode parar", essa metrópole tem como sua maior fragilidade a "sua memória". Esse movimento, essa velocidade e esse crescimento varrem tudo à sua frente pelo processo em si de crescer em volume, em tamanho, mas talvez não em sua alma.
Quando imaginei o cenário de Zikaron, aí certamente recorri a minha própria memória do bairro do Tatuapé. Mas poderiam ser outros tantos bairros que divisassem condições semelhantes, como, aliás, tem sido referido pessoalmente a mim por leitores do livro. Em geral, quem viveu em cenário semelhante sente logo uma identificação com a narrativa. Entra aí a "memória de lugar", "memória do espaço", "memória da cidade", "memória da comunidade".
Como foi informado hoje em artigo do jornal "O Estado de São Paulo" em uma notícia sobre a construção de edifícios na Moóca, os moradores desse bairro temem que a Moóca perca "sua alma".
Que percepção e que imagem forte e significativa!!
Eles estão percebendo que correm esse risco: o bairro pode perder sua alma!
Se isso acontecer, o que será da Moóca? Será que deixará de ser Moóca?
Para onde irá tudo que lá foi vivido e construído? Como evitar que se perca essa memória?
O que acontece hoje na Moóca fez também parte de Zikaron.
Em relação a São Paulo, a necessidade de Zikaron é agora!
1977 pode ter marcado um dos últimos anos em que ainda se podia ver, respirar, perceber fortemente essa alma dos bairros de São Paulo: todo um mundo peculiar em risco de ser esquecido!
A memória de um indivíduo entrecruza-se com a memória de um lugar.
Até quando São Paulo será capaz de manter sua memória? 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Memórias da Memória - Zikaron - Parte 2

O entendimento do uso do nome "Zikaron" para Memórias da Memória desenvolve-se no processo de desdobramento da narrativa do livro.
No entanto, podemos adiantar que "Zikaron" é uma palavra hebraica para "memória".
Mas a raiz da palavra - "Zikr" - está relacionada com outros termos em hebraico ou mesmo em outras línguas relacionados com "memória".
Ocorre que essa memória não corresponde a apenas algo que está situado em um tempo remoto no passado. Zikr ou Zikaron refere-se a uma espécie de "memória viva", uma "memória histórica" que, "atualizando" algo marcante do passado, transversaliza o tempo e revitaliza o presente com o passado. De certa forma, esse é o sentido de vários rituais.
A história de Zikaron se passa no transcorrer do ano de 1977.
A década de 1970 é uma década um pouco esquecida quando comparada com outras décadas.
Os registros de memória sobre essa década são recortados e localizados nos eventos. Não é uma década que costume ser lembrada em bloco como, por exemplo, as décadas de 1920, 1930, 1950, 1960, etc.
Assim, no século XX a década de 1970 é algo como uma "década gótica", em analogia ao período gótico da Idade Média, um tempo não ainda de todo compreendido, mas visto em fragmentos.
Recuperar a memória dessa década é como resgatar um pouco do entendimento das idas e vindas dos tempos moderno e pós-moderno e seus desdobramentos no século XXI.
O ano de 1977, tem em seu caráter numérico até mesmo um sentido estético em seu 7 dobrado e também um tanto simbólico nessa associação de números significativos.
1977 foi um ano de transição como diversos outros, mas talvez de uma transição não tão evidente quanto aqueles marcados por grandes acontecimentos.
Tanto no Brasil como no mundo houve vários eventos políticos e econômicos não muito notáveis, mas que teriam consequências posteriores que moldariam os tempos posteriores.
No campo artístico, a morte de Elvis Presley também pode ter tido um sentido simbólico de transição entre a arte popular da primeira metade do pós-guerra do século XX e a segunda metade, que acompanharia um certo processo de desilusão na sociedade, ao mesmo tempo em que a arte pop tornou-se algo de fundo principalmente consumista, mais do que propriamente artística.
1977 pode ter sido uma "esquina" entre movimentos ou ondas musicais como "punk", "progressivo", "folk", etc., cedendo espaço à crescente "disco", sem o apelativo social dos anteriores, que, apesar disso, continuam, mas menos evidentes (com variações).

terça-feira, 10 de julho de 2012

Memórias da Memória - Zikaron - Parte 1

Livros, textos, pesquisas sobre a memória são, em geral, interessantes, tal o valor que tem tal propriedade cognitiva para o ser humano, além de também frequentemente despertar a curiosidade sobre como se dá essa capacidade.
Além de compartilhar esse interesse, eu pretendi abordar a Memória de forma transversal, incorporada em personagens ficcionais que pudessem transmitir aspectos "memoriais" situados em tempo e espaço também "memoriais".
Assim, escrevi "Zikaron - memórias da Memória".
Não se trata de um "livro de memórias", como usualmente se fala a respeito de narrativa pontuada de aspectos autobiográficos.
Trata-se de uma ficção construída sobre a memória cultural de São Paulo na segunda metade dos anos 1970, mais especificamente em 1977.
De certa forma, enfoca também as memórias de Mnemósine, a deusa da memória para os Gregos, transposta em personagens habitantes de uma São Paulo algo "esquecida", ou seja, atualmente "quase sem memória", em relação ao "quase antigo" ano de 1977.
Tempo e espaço... O livro é escrito em forma de prosa poética. Por vezes parece factual, outras vezes parece algo fantástico...
Ora, para os positivistas seguidores de Auguste Comte fatos são "sempre fatos", ou "simplesmente fatos indiscutíveis". Mas, tantas reviravoltas do século XX fizeram-nos questionar essa "certeza dos fatos".
Será que um fato é "indiscutível"? Será que aquilo que chamamos de "fato" corresponde realmente àquilo que pensamos ter sido?
As incertezas da Ciência que sempre muda, a alternante mudança de paradigmas científicos conforme Thomas Kuhn, entre outros fatores, levaram-nos a uma "relativa certeza dos fatos". Isso não implica em passar a negar ou passar a confirmar alguma coisa, mas indica que cada evento deve ser contextualizado e correlacionado aos diversos fatores que o transversalizam.
Assim, "Zikaron, Memórias da memória" vem (neste jogo de palavras) lembrar-nos de coisas que quase estávamos esquecendo...
Talvez a própria Mnemósine, ou seja, a própria Memória tenha que resgatar sua história, sua memória, para reavivar melhor aquilo que um dia pode ter sido "fato" e que com o tempo tenha se transformado em apenas vaga reminiscência, um traço quase apagado...
   

terça-feira, 3 de julho de 2012

Poesia de Alphonsus de Guimaraens


Ária do Luar

O luar, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
Azul, azul em fora rola...

Cauda de virgem lacrimosa,
Sobre montanhas negras pousa,
Da luz na quietação radiosa.

Como lençóis claros de neve,
Que o sol filtrando em luz esteve,
É transparente, é branco, é leve.

Eurritmia celestial de cores,
Parece feito dos menores
E mais transcendentes odores.

Por essas noites, brancas telas,
Cheias de esperanças de estrelas,
O luar é o sonho das donzelas.

Tem cabalísticos poderes
Como os olhares das mulheres:
Melancoliza e enerva os seres.

Afunda na água o alvo cabelo,
E brilha logo, algente e belo,
Em cada lago um sete-estrelo.

Cantos de amor, salmos de prece,
Gemidos, tudo anda por esse
Olhar que Deus à terra desce.

Pela sua asa, no ar revolta,
Ao coração do amante volta
A Alma da amada aos beijos solta.

Rola, sonora barcarola,
Aroma de argental caçoula,
O luar, azul em fora, rola...

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Comentários sobre a obra de Alphonsus de Guimaraens


Autor: Alphonsus de Guimaraens Filho – texto introdutório da obra “Alphonsus de Guimaraens – melhores poemas”. Global Editora, 1997.

A obra poética de Alphonsus de Guimaraens, composta em três velhas cidades mineiras – Ouro Preto, Conceição do Serro e Mariana – e, parte dela, em São Paulo, ainda nos tempos de estudante, distingue-se pela unidade. Na temática, foi Alphonsus de Guimaraens essencialmente místico e cantor do amor e da morte. Na forma, um artista seguro, dominador absoluto do seu instrumento, dono de um verso plástico, ondulante e musical. Sua poesia apresenta-se dotada de intensa força sugestiva, numa linguagem vincadamente pessoal, que lhe confere lugar próprio em nossa literatura.
Nos versos líricos, acentua-se a presença de Constança, a filha de Bernardo Guimarães, sua prima e noiva tão cedo morta. Essa presença se impõe mais em Dona Mística e Câmara Ardente, mas se estende em particular a alguns sonetos de Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte como aqueles iniciados pelos versos Hão de chorar por ela os cinamomos e Estão mortas as mãos daquela Dona, dos mais celebrados do poeta. A sombra da adolescente que “se morreu silente e fria” em 1888 acompanhou-o para sempre.

Nos versos místicos, com a presença divina:

Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como sigo.,

há a assinalar o seu culto a Maria, traduzido num livro inteiro, Setenário das Dores de Nossa Senhora, e levado até seu livro final Pulvis. O poeta mariano em Alphonsus de Guimaraens – um dos lados mais destacados de sua personalidade – já se anunciava no poema que abre Kiriale, seu primeiro livro:

É a lua... e a lua é Nossa-Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!

Nesses versos está outro aspecto da sua obra, ou seja, o do poeta do luar. Na verdade o luar inunda a sua poesia e dois versos podem mostrar como Alphonsus de Guimaraens via a lua e a viva presença dela na sua sensibilidade:

Era noite de lua na minh’alma.
A hóstia da lua  entrou-me dentro da alma.

No seu derradeiro poema, “Últimos Versos”, escrito na véspera da sua morte, é para a lua que se volve, comovidamente, comparando-a, aí, a Santa Teresa de Jesus, a cujo nome já aludira em Dona Mística, ao lembrar-se da noiva morta. Como assinalou Manuel Bandeira, o nome da grande santa remata a obra poética de Alphonsus de Guimaraens.
Poeta da morte, alquimista da morte: assim se definiu Alphonsus de Guimaraens. A morte é, com efeito, uma nota constante na sua poesia. Abriu ele com estes versos um dos sonetos de  Pulvis:

Sempre vivi com a morte dentro da alma,
Sempre tacteei nas trevas de um jazigo.

Voltava-se para o real duro e áspero: ao mundo chamou charco sangrento  e exílio de lodo; mas se voltava também para uma realidade superior:

E aos astros de tal modo o Poeta ascende em calma,
Que o céu fica menor do que o azul da sua alma,
E nem cabe no céu a luz do seu olhar...

Sua vida foi aos poucos se tornando mais preocupante, a ele que, como disse numa carta a Mário de Alencar, não conseguiu passar de “simples e temporário juiz municipal”, com as consequentes incertezas de uma recondução quatrienial (uma vez não foi reconduzido, quando ainda morava em Conceição da Serra, e rendimentos invariáveis. O que lhe coube viver com as crescentes dificuldades de ordem material em face dos também crescentes encargos de uma família numerosa, já foi suficientemente descrito por João Alphonsus na sua “Notícia Biográfica”. “Ao mesmo tempo que o desalento o ganhava diante da vida material, a poesia era o grande consolo, e menos amarga, e menos desiludida do que a da mocidade...”, observou seu filho no citado trabalho. Poesia que reflete, de resto, a sua vida, como, com frequência, o ambiente que o inspirou:

..............................................em cada sino o dobre
Que me diz que sou velho, e que inda sou criança,
Que sou rico demais para morrer tão pobre.
..............................................................................
O silêncio infinito não me aterra,
Mas a dúvida põe-me alucinado...
Se encontro o céu deserto como a terra!
..............................................................................
Noites de luar nas cidades mortas,
Casas que lembram Jerusalém...
..............................................................................
Toda a triste cidade
É um cemitério...
Há um rumor de saudade
E de mistério.

Na sua solidão imensa (“só, completamente só, nestes míseros sertões mineiros!” – como escreveu a Mário de Alencar), dentro de uma visão dorida, mas transfigurada, da existência, à meditação da poesia se dedicou em grande parte Alphonsus de Guimaraens.

O autor deste texto, Alphonsus de Guimarens Filho (1918-2008) nasceu em Mariana, MG, em 3 de junho de 1918, filho do poeta Alphonsus de Guimaraens e de D. Zenaide Silvina de Guimaraens. Estudou em Belo Horizonte onde cursou Direito na Universidade de Minas Gerais. Foi jornalista e funcionário público. Publicou em 1940 “Lume de Estrelas”, livro que recebeu dois prêmios. Seguiram-se outros livros também premiados. Pertenceu à Academia Mineira de Letras. 




quinta-feira, 28 de junho de 2012

Dados biográficos de Alphonsus de Guimaraens


 Fonte bibliográfica:
Melhores Poemas – Alphonsus de Guimaraens – 3ª ed. – seleção de Alphonsus de Guimaraens Filho – direção Edla Van Steen – Editora Global, 1997.

Alphonsus de Guimaraens, pseudônimo literário de Afonso Henriques da Costa Guimarães (que a partir de 1894 passou a assinar-se oficialmente Afonso Henriques de Guimarães), nasceu em Ouro Preto, MG, em 24 de julho de 1870, filho do comerciante português Albino da Costa Guimarães e da sobrinha materna de Bernardo Guimarães (escritor), D. Francisca de Paula Guimarães Alvim.
Fez o estudo secundário e exames preparatórios no Liceu Mineiro, da terra natal. Matriculou-se no Curso Complementar da Escola de Minas de Ouro Preto em 1887, quando já namorava Constança, filha de Bernardo Guimarães. Em 1888 faleceu Constança, em plena adolescência, causando a sua morte grande mágoa ao jovem poeta.
Matriculou-se Alphonsus em 1891 na Faculdade de Direito de São Paulo, transferindo-se em 1893 para a 3ª série do curso de Academia Livre de Direito de Minas Gerais, em Ouro Preto, por onde colou grau a 15 de julho de 1894.
Em 1895 esteve no Rio de Janeiro, quando conviveu com Cruz e Sousa. Ainda nesse ano foi nomeado promotor de Justiça  de Conceição do Serro e, logo após, juiz substituto. Em 1896 ficou noivo de Zenaide, filha do capitão João Alves de Oliveira, escrivão da Coletoria Estadual, casando-se em 20 de fevereiro de 1897.
Em 1903, suprimido o cargo de juiz substituto, assumiu a direção do jornal “Conceição do Serro”. Em 1904 foi de novo nomeado promotor de Justiça da Comarca, deixando a direção do jornal. Em 1906 foi nomeado juiz municipal de Mariana, para onde se transferiu, com a esposa e cinco filhos. Em Mariana lhe nasceram mais dez filhos.
Em 1915 esteve em Belo Horizonte, para encontrar-se com o seu grande amigo Severiano de Resende. Foram os dois poetas homenageados pelos intelectuais belorizontinos.
Em maio de 1921, faleceu sua filhinha Constança, nascida no ano anterior. O Poeta, já combalido, faleceu dois meses depois, a 15 de julho. Sepultado no cemitério da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, foram seus despojos transferidos em 1953 para extensa área do Cemitério Municipal, anexo à Igreja de Sant’Ana, onde o Governador Juscelino Kubitschek os fez recolher a um mausoléu, inaugurado oficialmente a 13 de dezembro desse ano, em tocante solenidade, que levou a Mariana autoridades e ilustres escritores brasileiros. Em 1974, o Governador Rondon Pacheco desapropriou a casa em que faleceu o Poeta, para nela ser instalado o Museu Alphonsus de Guimaraens.
Alphonsus de Guimaraens é patrono da Academia Mineira de Letras.


domingo, 22 de abril de 2012

Sobre “O livro, a produção e a circulação da cultura” de A. P. Quartim de Moraes


Foi publicado no “Estado de São Paulo” em 26 de março de 2012 o artigo de A.P. Quartim de Moraes intitulado “O livro, a produção e a circulação da cultura”.
Fazemos aqui um breve resumo desse artigo por ser de grande importância para “escritores pouco lidos”.
O autor inicia comentando que a sua frequente abordagem, no Espaço Aberto do jornal O Estado de São Paulo, do que chamou de “vicissitudes do mercado editorial brasileiro”, insere-se no amplo contexto da “formação cultural do país”. Ele considera a formação cultural do país um processo “angustiante e ainda incipiente”. Assinala, assim, uma forma importante de enxergar a cultura brasileira, ou seja, algo ainda em andamento, inacabado, que já tem um passado, mas que não está ainda solidamente elaborado.
Lembra o autor que o fenômeno universal de formação cultural nas sociedades modernas está ligado aos “processos de educação formal” e à “produção e circulação da cultura”. Assinala que nos países jovens como o Brasil, onde ainda há uma procura de identidade cultural, “ há um enorme descompasso entre produção e circulação de cultura”. Entende que a produção da cultura e das artes é rica, mas o acesso por parte da população ainda é precário.
Para acentuar esse discurso, Quartim de Moraes cita o livro do cineasta e escritor Mário Kuperman Fracasso de Bilheteria (Editora Marco Zero, 2007), com apresentação do sociólogo Danilo Santos de Miranda. São feitas citações dessa obra a respeito de interesse no consumo banalizante de produtos culturais que não têm “capacidade de transformação social”, e “sem limites éticos para o desenvolvimento humano”. Há também a citação de atrofiada circulação da cultura por “restos de uma espécie de feudalismo intelectual”.
Quartim de Moraes refere então que no campo do mercado editorial o Brasil tem cada vez menos a comemorar, pois há uma preocupação maior com os negócios do que com a missão civilizadora do livro. Acentua que a produção literária brasileira é ampla, diversificada e de qualidade, mas encontra percalços no mercado editorial, e, nesse aspecto, está longe de se ombrear com o que é produzido no mundo. Ele diz que os originais chegam aos editores, mas eles conseguem publicar uma parcela mínima, pois tropeça-se na produção editorial, de modo que as grandes casas publicadoras, “ responsáveis por alimentar a circulação da maior parte dos livros destinados ao varejo”, estão muito comprometidas com uma produção voltada ao retorno financeiro e não buscam um equilíbrio entre potencial de vendas e qualidade de conteúdo. Dedicam à boa literatura brasileira  apenas “ uma fração das centenas de milhares de dólares” que investem em best-sellers estrangeiros.
Conforme o autor, essa é uma “face perversa do nosso capitalismo subdesenvolvido”. Ele considera que a única coisa que pode mudar isso é o “comportamento do leitor brasileiro”. Assinala que isso certamente passa por promoção de nível de instrução da população de modo que se possa compreender que para se realizarem como seres humanos o consumo de boa literatura é tão importante (eu diria até talvez 'mais‘...) quanto “o acesso a eletrodomésticos, viagens”, etc. Termina dizendo que ações dessa natureza estão ao alcance de todos.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Soneto de Jorge de Lima: mangue.

Mangue
            Jorge de Lima - 1916

Como se nasce plátano ou carvalho
Eu nasci mangue no meu pátrio solo.
Enquanto alteio em meu louvor um galho
Trinta raízes de alicerce atolo.

Outros são glórias, eu apenas valho
Esse rochedo humílimo que rolo:
Viver comigo, para o meu trabalho,
Fincar-me às ribas deste meu Pactolo...

Deixar que os outros sejam leito e altar,
Ostentem galas, pomo grato às gentes,
Ornem a fronte dos que vão casar;

Para meu gozo, quero ser raiz,
Ser galho tosco, distribuir sementes,
Conquistar solo para o meu país.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Obra de Jorge de Lima

Fonte: Jorge de Lima - Poesia Completa, org. Alexei Bueno, Rio de Janeiro, Editora Aguilar S.A., 1997.

I.Poesia

XIV Alexandrinos. Rio de Janeiro: Artes Gráficas, 1914.
O mundo do menino impossível. Maceió: Casa Trigueiros, 1925.
Poemas. Maceió: Casa Trigueiros, 1927; 2ª ed., Maceió: Casa Trigueiros, 1928.
Essa negra Fulo. Maceió: Casa Trigueiros, 1928.
Novos poemas. Rio de Janeiro: Pimenta de Melo & Cia. 1929.
Tempo e eternidade. (Com Murilo Mendes) Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935.
Quatro poemas negros. Cambuquira: edição do Jornal de Cambuquira, 1937.
A túnica inconsútil. Rio de Janeiro: Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.
Poemas negros. Rio de Janeiro: edição da Revista Acadêmica, 1947.
Livro de Sonetos. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1949.
Vinte Sonetos. (Antologia com ilustrações de Jorge de Lima) Rio de Janeiro: Editor V.P. Brumlik, 1949.
Obra poética (Sonetos, XIV Alexandrinos, Poemas, Novos poemas, Poemas escolhidos, Poemas negros, Tempo e eternidade, A túnica inconsútil, Anunciação e encontro de Miraceli, Livro de Sonetos). Rio de Janeiro: Editora Getúlio Costa, 1950.
Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1952.
As ilhas. (Poema VI do Canto IV: “As aparições”, de Invenção de Orfeu.) Niterói: Edições Hipocampo, 1952.
Castro Alves – vidinha. (Edição de Luís Santa Cruz.) Rio de Janeiro: Artesanato Cristo Operário, 1952.
Essa negra Fulo. (Edição Comemorativa do XXV aniversário, por Luís Santa Cruz.) Rio de Janeiro: Artesanato Cristo Operário, 1953.
Poema do Cristão. (Edição de Luís Santa Cruz.) Rio de Janeiro: Artesanato Cristo Operário, 1953.
Antologia de sonetos. (Edição de Luís Santa Cruz) Rio de Janeiro: Artesanato Cristo Operário, 1953.
Jorge de Lima – poesia. (Estudo e antologia, por Luís Santa Cruz) Rio de Janeiro: Editora Agir, 1958. (Coleção “Nossos Clássicos”.)

II. Romance

Salomão e as mulheres. Rio de Janeiro: Paulo Pongetti & Cia, 1927.
O anjo. Rio de janeiro: Cruzeiro do Sul, 1934; 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Getúlio Costa, 1940.
Calunga. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1935; 2ª ed. Rio de Janeiro: Alba Editora, 1943; 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Konfino, 1952.
A mulher obscura. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1939.
Guerra dentro do beco. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1950.

III. Ensaio

A comédia dos erros. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos – Editor, 1923.
Dois ensaios (Proust e Todos cantam a sua terra...). Maceió: Casa Ramalho, 1929; 2ªed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934.
Anchieta. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1934; 2ª ed., Rio de Janeiro: Empresa Editora A.B.C., 1937; 3ª ed., Stela Editora, 1944; 4ª ed., Rio de Janeiro, Editora Getúlio Costa, 1944.
Rassenbildung und rassenpolitik in Brasilien. Leipzig: Adolp Klein, 1934.
Biografia de Alexandre José de Melo Morais. (Separata dos Anais do Terceiro Congresso de História Nacional). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1941.
D. Vital. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1945.

IV. Teatro e Cinema

Essa negra Fulo. Teatralização por Chianca de Garcia, 10º quadro da super-revista Um milhão de mulheres. Rio de Janeiro: Teatro Carlos Gomes, 1947.
A filha da Mãe-D’água. (Inédito.)
As mãos. (Inédito.)
      Os retirantes. (Argumento inédito de um filme.)

      V. História e Biografia

      História da Terra e da humanidade. Rio de Janeiro: Editora A.B.C., 1937 (2ª ed.,   
      Epasa, 1944).
      Vida de São Francisco de Assis.(Para crianças) Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1942.
      Vida de Santo Antonio. Rio de Janeiro: Edições Ocidente, 1947.

      VI. Traduções

       Os judeus, de Jacques Maritain, Paul Claudel e outros. Rio de Janeiro: Livraria José  
       Olympio Editora, 1938; 2ª ed., Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1947.
       Morte, tua vitória onde está?, de Daniel Rops, Rio de Janeiro: Editora Getúlio Costa, 
       1940; 2ª ed. Epasa, 1944.
       Aventuras de Malasarte, tradução e adaptação de várias obras alemãs sobre o herói
       medieval Till Eulenspiegel, em colaboração com o seu irmão Mateus de Lima. Rio de
       Janeiro: Editora A Noite, 1942; 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1946.
       Sol de Satã, de Georges Bernanos. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1947.
       Outras traduções de ensaios, artigos, contos, crônicas, poemas de vários autores.

        V. Outras publicações      

        Houve também publicações de suas conferências, traduções  de suas obras para outros idiomas e uma
        Antologia intitulada Os melhores contos de Portugal, de 1943.  



sábado, 17 de março de 2012

Jorge de Lima - segunda parte

(Fonte bibliográfica: Jorge de Lima – Poesia Completa. Organizado por Alexei Bueno. Editora Nova Aguilar S.A., Rio de Janeiro, 1997)
Os dados informados aqui e na primeira parte são apenas um estrito resumo, apenas para se ter alguma noção da importância do escritor.

Em 1931 tornou-se membro da Comissão de Literatura Infantil do Ministério da Educação.
Em 1932 publicou “Poemas Escolhidos”; em 1934, o romance “O Anjo” e a biografia “Anchieta”.
Em 1935 recebeu o Prêmio de Literatura da Fundação Graça Aranha. Nesse mesmo ano converteu-se ao Catolicismo e passou a adotar a temática cristã em suas obras.
Em 1936 recebeu o Prêmio de romance da “Revista Americana” de Buenos Aires.
Em 1937 tornou-se professor de Literatura Luso-Brasileira da Universidade do Distrito Federal.
Em 1938 publicou “A túnica inconsútil” e em 1939 o romance “A mulher obscura”. Neste mesmo ano houve a primeira edição espanhola de seus versos com prefácio de George Bernanos.
Em 1940 recebeu o Grande Prêmio de Poesia da ABL. Tornou-se professor de Literatura Brasileira na Universidade do Brasil.
Em 1942 publicou dois livros infantis. Em 1943, um álbum de fotomontagens.
Em 1947 – Poemas Negros – com ilustrações de Lasar Segall e prefácio de Gilberto Freire. Nesse mesmo ano foi eleito vereador pelo Distrito Federal pela UDN.
Em 1950 houve a publicação de “Obra Poética”, organizado por Otto Maria Carpeaux.
Continuou produzindo outras obras.
Em 1952 publicou “Invenção de Orfeu”, considerada sua mais importante obra, com ilustrações de Fayga Ostrower e estudos críticos de João Gaspar Simões, Euríalo Canabrava e Murilo Mendes. Nesse mesmo ano foi primeiro presidente da recém-fundada Sociedade Carioca de Escritores.
Faleceu em 15 de novembro de 1953.





quarta-feira, 14 de março de 2012

Dia Nacional da Poesia

Hoje 14 de março é Dia Nacional da Poesia por ser data do nascimento de Castro Alves.
Vamos aqui falar de um escritor poeta brasileiro pouco lido embora importante.

Jorge de Lima – primeira parte


Nome de praça, de rua e de avenida, paradoxalmente a essas homenagens Jorge de Lima não é um poeta muito conhecido.
Jorge de Lima (1893-1952) nasceu a 23 de abril na cidade de União, no Estado de Alagoas. Filho de senhor de engenho ele passou seus primeiros anos entre a casa-grande do engenho e um sobrado na praça da Matriz de sua cidade natal. Esse ambiente influenciou toda sua obra. Entre os 10 e os 15 anos publicou seus primeiros versos (que escrevia desde os 7 anos) e um romance no jornalzinho “O Corifeu”, que redigia.
Com 15 anos foi para Salvador e entrou na Faculdade de Medicina da Bahia.
Continuou escrevendo e aos 17 anos a divulgação de seu soneto “O acendedor de lampiões” tornou-o famoso nos meios literários.
Em 1911 mudou-se para o Rio de Janeiro onde continuou o curso médico, tendo se formado em 1914. 
Em 1915 voltou para Maceió para trabalhar como médico.
Em 1919 foi eleito deputado pela Assembléia Estadual de Alagoas.
Em 1921, por concurso, tornou-se professor catedrático da Escola Normal de Alagoas, na cadeira de História Natural e Higiene Escolar.
Até 1930 foi diretor do Liceu Alagoano e diretor geral da Instrução Pública.
Em 1925 casou-se com Ádila Alves de Lima de tradicional família gaúcha. Nessa época aderiu ao Modernismo, com versos livres e linguagem coloquial. Já era então conhecido como o Príncipe dos Poetas Alagoanos.
Em 1927 publicou algumas obras e fez concurso de Literatura Brasileira e Línguas Latinas no Ginásio do Estado, tornando-se professor catedrático. Sua tese foi “Dois ensaios”, que era um estudo sobre Marcel Proust e o Modernismo Brasileiro.
Em 1930, após perseguição política, mudou-se para o Rio de Janeiro, trabalhando como médico em consultório na Cinelândia, o qual foi um famoso ponto de encontro de intelectuais. 

domingo, 4 de março de 2012

Poesia pouco lida

Em 4 de Março de 2012, no jornal O Estado de São Paulo, em texto intitulado "Poesia é ouro sem valia", o poeta e escritor Ferreira Gullar comenta que às vezes um poeta jovem lhe pede ajuda para publicar seu livro. Gullar acentua então que isso é coisa de quem está "com a cabeça na lua" e, para consolar o esperançoso novato, cita poetas hoje consagrados que financiar, ou editar, ou até mesmo diagramar e imprimir seus próprios livros. Entre esses estão: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Décio Vitório, Cláudia Ahimsa, poetas da Geração Mimeógrafo (cita Leminski e Chacal), e ele próprio, Ferreira Gullar. Ele refere que editou seu primeiro livro com a ajuda de sua mãe, o segundo livro pagou de seu próprio bolso, e só teve um primeiro livro de poemas lançado por uma editora 13 anos após sua própria estreia, assinalando que tal editora faliu em seguida. Cita então que só foi acolhido por uma editora importante 30 anos depois.
Assim, os "Escritores Pouco Lidos" têm uma confirmação de que são "um tanto sonhadores" em relação à difusão de sua produção literária. Por outro lado, sentem-se confortados por terem a companhia desses importantes escritores na saga de buscarem expor seus trabalhos. Mas há também o lado de certa "singularidade solitária" ao constatar um antigo desinteresse pela poesia no Brasil aliado ao também desinteresse em se divulgar e se criar uma "cultura da poesia" em nosso meio. Se "outras culturas" são fomentadas pelo marketing e pela mídia, a poesia também poderia ter algum reforço desse tipo.  

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

escritores pouco lidos

Pode ser que "Escritores Pouco Lidos" venha a ser um "Blog Pouco Lido", no entanto, vale a pena ser lido, mesmo que "pouco", por alguém que tenha curiosidade de conhecer "os pouco lidos".
A ideia de fazer este blog surgiu a partir da leitura de artigos do jornalista e editor A.P. Quartim de Moraes no jornal "O Estado de São Paulo", artigos esses a respeito do mercado editorial e da falta de espaço para a publicação de literatura brasileira, principalmente de obras "não consagradas", "não divulgadas", ou até mesmo "não publicadas" (as aspas são minhas), por falta de interesse das editoras, por falta de patrocínio, financiamento, apoio, etc. etc.
Aqui não se trata de um posicionamento "contra" o grande mercado editorial internacional, "contra" best sellers, contra interesses os mais diversos. Não somos contra nada.
Há certa tendência algo generalizada de, em variadas atividades, apoiar-se cada vez mais o que já é "vitorioso", o que já "está na frente", "o melhor", "o primeiro", e assim por diante. Sendo assim, acaba ocorrendo o que eu chamo de um "Robin Hood ao contrário", ou seja, metaforicamente "roubar dos pobres para dar aos ricos". Em outras palavras, dar menos oportunidades ainda a quem não tem, e conceder mais e mais forças e possiblidades a quem já as tem muitas.
Evidentemente que escrevo tudo isso por ser também "parte interessada", ou seja, escrevi dois livros de prosa poética e dois ensaios. Dentro da ideia de escrever literatura, que é o que foi acentuado por Quartim de Moraes, tenho aí então o devaneio de ter escrito as duas prosas poéticas. 
Neste espaço pretendo divulgar o que escrevi, mas também deixo em aberto o espaço de quem se considerar um "escritor pouco lido" e quiser se manifestar nos comentários, que o faça por sua própria conta e risco, assumindo responsabilidade sobre sua autoria e informações.