domingo, 22 de junho de 2014

O valor da escrita à mão

Sobre o artigo
O que se perde quando a escrita à mão é deixada de lado
(What’s lost as handwriting fades)

Por Maria Konikkova, em 2 de junho de 2014, no New York Times.

A autora inicia com a pergunta: “A escrita à mão importa?”
Em seguida responde: “Não muito, conforme vários educadores”. Prossegue então a autora, dizendo que o padrão “Common Core”, que é adotado na maioria dos Estados Americanos, propõe o ensino de uma escrita legível, mas apenas na pré-escola e no primeiro ano do primeiro grau. Após isso, a ênfase muda rapidamente para a proficiência no teclado.
Mas psicólogos e neurocientistas dizem que ainda se está longe de declarar a escrita à mão uma relíquia do passado. Novas evidências sugerem forte associação entre escrita à mão e desenvolvimento educacional mais amplo. Crianças aprendem a ler mais rapidamente quando primeiro aprendem a escrever a mão, além de se tornarem mais hábeis em gerar ideias e reter informação. Ou seja, não é só o que se escreve que interessa, mas também “como”.
Em seguida a autora menciona que o psicólogo Stanislas Dehaene, psicólogo do Collège de France em Paris, refere que quando escrevemos um único circuito neural é ativado e que há um reconhecimento essencial do gesto na palavra escrita, e parece que esse circuito contribui de forma única, de modo que aprender se torna mais fácil.
Um estudo de 2012 liderado por Karin James, psicóloga da Indiana University, deu reforço a essa visão. Crianças que ainda não aprenderam a ler e escrever foram apresentadas a uma letra ou uma forma e solicitadas a reproduzir em uma de três formas: traçar a imagem em uma página com linhas pontilhadas; desenhar em uma folha em branco; digitar em um computador. Foram então submetidas a um scanner cerebral e a imagem foi mostrada novamente. Os pesquisadores observaram que, quando as crianças desenharam a letra a mão livre, exibiram aumento da atividade em três áreas do cérebro que são ativadas em adultos quando eles leem ou escrevem. Por outro lado, as outras crianças tiveram uma ativação mais fraca dessas áreas. A Dra. James atribui essa diferença à irregularidade inerente à forma livre da escrita à mão, porque, deve-se planejar e executar uma ação (o que não é necessário quando se tem uma linha tracejada), que produz um resultado variável. Essa variabilidade pode ser ela mesma uma ferramenta de aprendizado. Dra. James refere que quando uma criança produz uma letra que tem forma irregular, isso pode ajudá-la a aprender a escrita dessa letra. O aprendizado cerebral de que um “A” é sempre um “A” com formas variáveis pode ser favorecido com o exercício da escrita a mão, do que com a repetição de uma única forma. Outro estudo da Dra. James mostra diferença entre crianças que traçam as letras e as que apenas observam as que escrevem; as primeiras ativam as áreas cerebrais relativas ao aprendizado.
A psicóloga Virginia Berninger, da Universidade de Washington, demonstrou que as várias formas de escrita estão associadas a diferentes padrões cerebrais. Quando as crianças escrevem à mão, produzem mais palavras mais rapidamente do que no teclado e expressam mais ideias. Imagens cerebrais confirmam conexão entre escrita, memória e geração de ideias.
Algumas pesquisas também sugerem que a escrita cursiva pode ajudar no treino da habilidade de autocontrole mais do que por outros métodos; também pode colaborar no tratamento de dislexia e de disgrafia.
TAMBÉM IMPORTANTE. Em adultos também escrever à mão pode colaborar a processar novas informações, incluindo a memória, bem como a capacidade de memorizar, e o aprendizado em geral.
Os psicólogos Pam A. Mueller de Princeton e Daniel M. Oppenheimer da Universidade da Califórnia, Los Angeles, relataram pesquisas que demonstraram que estudantes aprendem melhor quando tomam notas à mão, do que no teclado, porque fazem uso de um processo de manipulação e reflexão que podem levar a uma melhor compreensão.
Portanto, após a citação desse artigo, vamos aqui reforçar o grande valor da escrita à mão e revalorizar também aqui dois exercícios importantes e esquecidos: o ditado e a caligrafia.  


segunda-feira, 16 de junho de 2014

Aluísio Azevedo - parte 3

Domingo no Cortiço

Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom dia de abril. Muita luz e pouco calor.
As tinas estavam abandonadas; os coradouros despidos. Tabuleiros e tabuleiros de roupa engomada saíam das casinhas, carregados na maior parte pelos filhos das próprias lavadeiras que se mostravam agora quase todas de fato limpo; os casaquinhos brancos avultavam por cima das saias de chita de cor. Desprezaram-se os grandes chapéus de palha e os aventais de aniagem; agora as portuguesas tinham na cabeça um lenço novo de ramagens vistosas e as brasileiras haviam penteado o cabelo e pregado nos cachos negros um ramalhete de dois vinténs; aquelas traçavam no ombro xales de lã vermelha, e estas de crochê, de um amarelo desbotado. Viam-se homens de corpo nu, jogando a placa, com grande algazarra. Um grupo de italianos, assentado debaixo de uma árvore, conversava ruidosamente, fumando cachimbo. Mulheres ensaboavam os filhos pequenos debaixo da bica, muito zangadas, a darem-lhe murros, a praguejar, e as crianças berravam, de olhos fechados, esperneando. A casa da Machona estava num rebuliço, porque a família ia sair a passeio. A velha gritava, gritava Nenen, gritava o Agostinho. De muitas outras saiam cantos ou sons de instrumentos; ouviam-se harmônicas e ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era de vez em quando interrompida por um ronco forte de trombone.
Os papagaios pareciam também mais alegres com o domingo e lançavam das gaiolas frases inteiras, entre gargalhadas e assobios. À porta de diversos cômodos, trabalhadores descansavam, de calça limpa e camisa de meia lavada, assentados em cadeira, lendo e soletrando jornais ou livros; um declamava em voz alta versos de Os Lusíadas, com um empenho feroz, que o punha rouco. Transparecia neles o prazer da roupa mudada depois de uma semana no corpo. As casinhas fumegavam um cheiro bom de refogados de carne fresca, fervendo ao fogo. Do sobrado do Miranda só as duas últimas janelas já estavam abertas e, pela escada que descia para o quintal, passava uma criada carregando baldes de águas servidas. Sentia-se naquela quietação do dia útil a falta do resfolegar aflito das máquinas da vizinhança, com que todos estavam habituados. Para além do solitário capinzal do fundo a pedreira parecia dormir em paz o seu sono de pedra; mas, em compensação, o movimento era agora extraordinário à frente da estalagem e à entrada da venda. Muitas lavadeiras tinham ido para o portão, olhar quem passava; ao lado delas o Albino, vestido de branco, com o seu lenço engomado ao pescoço, entretinha-se a chupar balas de açúcar, que comprara ali mesmo ao tabuleiro de um baleiro freguês do cortiço.
...............................                                                                   (De O Cortiço)