Autor: Alphonsus de Guimaraens
Filho – texto introdutório da obra “Alphonsus de Guimaraens – melhores poemas”.
Global Editora, 1997.
A obra poética de Alphonsus de
Guimaraens, composta em três velhas cidades mineiras – Ouro Preto, Conceição do
Serro e Mariana – e, parte dela, em São Paulo, ainda nos tempos de estudante,
distingue-se pela unidade. Na temática, foi Alphonsus de Guimaraens
essencialmente místico e cantor do amor e da morte. Na forma, um artista
seguro, dominador absoluto do seu instrumento, dono de um verso plástico,
ondulante e musical. Sua poesia apresenta-se dotada de intensa força sugestiva,
numa linguagem vincadamente pessoal, que lhe confere lugar próprio em nossa
literatura.
Nos versos líricos, acentua-se a
presença de Constança, a filha de Bernardo Guimarães, sua prima e noiva tão
cedo morta. Essa presença se impõe mais em Dona
Mística e Câmara Ardente, mas se estende em particular a
alguns sonetos de Pastoral aos Crentes do
Amor e da Morte como aqueles
iniciados pelos versos Hão de chorar por
ela os cinamomos e Estão mortas as mãos daquela Dona, dos mais
celebrados do poeta. A sombra da adolescente que “se morreu silente e fria” em
1888 acompanhou-o para sempre.
Nos versos místicos, com a
presença divina:
Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como sigo.,
há a assinalar o seu culto a
Maria, traduzido num livro inteiro, Setenário
das Dores de Nossa Senhora, e
levado até seu livro final Pulvis. O
poeta mariano em Alphonsus de Guimaraens – um dos lados mais destacados de sua
personalidade – já se anunciava no poema que abre Kiriale, seu primeiro livro:
É a lua... e a lua é Nossa-Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!
Nesses versos está outro aspecto
da sua obra, ou seja, o do poeta do luar. Na verdade o luar inunda a sua poesia
e dois versos podem mostrar como Alphonsus de Guimaraens via a lua e a viva
presença dela na sua sensibilidade:
Era noite de lua na minh’alma.
A hóstia da lua entrou-me dentro
da alma.
No seu derradeiro poema, “Últimos
Versos”, escrito na véspera da sua morte, é para a lua que se volve,
comovidamente, comparando-a, aí, a Santa Teresa de Jesus, a cujo nome já
aludira em Dona Mística, ao
lembrar-se da noiva morta. Como assinalou Manuel Bandeira, o nome da grande
santa remata a obra poética de Alphonsus de Guimaraens.
Poeta da morte, alquimista da morte: assim se definiu Alphonsus de
Guimaraens. A morte é, com efeito, uma nota constante na sua poesia. Abriu ele
com estes versos um dos sonetos de Pulvis:
Sempre vivi com a morte dentro da alma,
Sempre tacteei nas trevas de um jazigo.
Voltava-se para o real duro e
áspero: ao mundo chamou charco
sangrento e exílio de lodo; mas se
voltava também para uma realidade superior:
E aos astros de tal modo o Poeta ascende em calma,
Que o céu fica menor do que o azul da sua alma,
E nem cabe no céu a luz do seu olhar...
Sua vida foi aos poucos se
tornando mais preocupante, a ele que, como disse numa carta a Mário de Alencar,
não conseguiu passar de “simples e temporário juiz municipal”, com as
consequentes incertezas de uma recondução quatrienial (uma vez não foi
reconduzido, quando ainda morava em Conceição da Serra, e rendimentos
invariáveis. O que lhe coube viver com as crescentes dificuldades de ordem
material em face dos também crescentes encargos de uma família numerosa, já foi
suficientemente descrito por João Alphonsus na sua “Notícia Biográfica”. “Ao
mesmo tempo que o desalento o ganhava diante da vida material, a poesia era o
grande consolo, e menos amarga, e menos desiludida do que a da mocidade...”,
observou seu filho no citado trabalho. Poesia que reflete, de resto, a sua
vida, como, com frequência, o ambiente que o inspirou:
..............................................em cada sino o dobre
Que me diz que sou velho, e que inda sou criança,
Que sou rico demais para morrer tão pobre.
..............................................................................
O silêncio infinito não me aterra,
Mas a dúvida põe-me alucinado...
Se encontro o céu deserto como a terra!
..............................................................................
Noites de luar nas cidades mortas,
Casas que lembram Jerusalém...
..............................................................................
Toda a triste cidade
É um cemitério...
Há um rumor de saudade
E de mistério.
Na sua solidão imensa (“só,
completamente só, nestes míseros sertões mineiros!” – como escreveu a Mário de
Alencar), dentro de uma visão dorida, mas transfigurada, da existência, à
meditação da poesia se dedicou em grande parte Alphonsus de Guimaraens.
O autor deste texto, Alphonsus de
Guimarens Filho (1918-2008) nasceu em Mariana, MG, em 3 de junho de 1918, filho
do poeta Alphonsus de Guimaraens e de D. Zenaide Silvina de Guimaraens. Estudou
em Belo Horizonte onde cursou Direito na Universidade de Minas Gerais. Foi
jornalista e funcionário público. Publicou em 1940 “Lume de Estrelas”, livro
que recebeu dois prêmios. Seguiram-se outros livros também premiados. Pertenceu
à Academia Mineira de Letras.