Mas se é certo que a
vaidade é vício, parece difícil o haver virtude que proceda dele; porém não é
difícil quando ponderamos que há efeitos contrários às suas causas. Quantas
dores há, que se formam do gosto, e quantos gostos, que resultam da dor! Essa infinita
variedade dos objetos tem a mesma causa por origem: as diferentes produções que
vemos, todas se compõem dos mesmos princípios, e se formam com os mesmos
instrumentos. Algumas coisas degeneram, à proporção que se afastam do seu
primeiro ser; outras se dignificam, e quase todas vão mudando de forma, à
medida que vão ficando distantes de si
mesmas. As águas de uma fonte, a cada passo mudam; porque apenas deixam a
brenha, ou rocha donde nascem, quando em uma parte ficam sendo limo, em outra
flor, e em outra, diamante. Que outra coisa mais é a natureza, do que uma
perpétua e singular metamorfose?
Fonte bibliográfica:
Texto da obra “Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, ou
Discursos Morais sobre os efeitos da Vaidade”(1752) in “Matias Aires – Trechos Escolhidos”, por Adriano da Gama Cury e
Pedro Luiz Masi. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima,
Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro,
1962.