sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Um texto de Coelho Neto

Texto de “A Capital Federal” de Coelho Neto, com comentários e notas por Octavio de Faria (1963).

A CAPITAL FEDERAL: A Capital Federal (1893) narra os primeiros contatos de Anselmo Ribas (entenda-se Coelho Neto) com o Rio de Janeiro. Encontra-se ele em visita à casa de seu abastado tio, Serapião Ribas, que se propõe fazê-lo conhecer a Cidade. E, logo ao primeiro passeio, é diante da famosa Rua do Ouvidor que é colocado. Assistimos à sua “reação” que não será senão uma amostra da decepção que o trará de volta à terra natal, desfazendo-se assim ante seus olhos críticos a “miragem” da Capital Federal.

   O cocheiro inglês, magro, raspado, retesou-se na boleia tenteando as rédeas para sofrear o cavalo negro que pinoteava.
   – S. Francisco[1] – disse secamente meu tio e logo rodamos[2].
   Estiquei as pernas mergulhando os pés no pelego[3] felpudo.
   – Não fumas, Anselmo? E as mãos papudas ofereciam-me charutos.
   Esgazeado e hirto de espanto entalei-me no fundo do carro. Pois meu tio... a oferecer-me charutos...! “É uma cilada”, disse comigo.
   Meu pai, com a sua moral primitiva, entende que fumar é um vício execrando para os moços, principalmente em presença dos mais velhos. Em casa, quando me tenta o desejo de tragar uma fumaça, corro ao meu quarto e fecho-me ou desço ao pomar para não ir de encontro ao preceito paterno, que é uma herança dos maiores. Educado em princípios de tanta austeridade, agradeci os charutos. Meu tio, porém, insistiu:
   – Fuma, homem; já não és criança – disse em tom cheio de sinceridade, que varreu do meu espírito o resto de escrúpulos – Fuma. – E entregou-me um charuto.
   Ainda assim, senti certo vexame, ele, porém, insistiu novamente, animando-me.
   – Não tem fósforos?
   – Sim, meu tio; tenho aqui.
   Acendi o charuto e baforei para o mar a primeira fumaça dando as primícias do meu havana ao respeito, como os antigos pastores ofereciam a Deus as primícias de seus rebanhos, depois recostei-me, fumando ante as barbas grisalhas do irmão de meu pai.
   O Rio começava a aparecer-me. A vitória corria cruzando-se com os outros carros elegantes, onde iam senhoras faustosamente vestidas. Dos bondes espiavam-nos com interesse curioso. Eu encolhia-me para que me não vissem; ia ali assim como um deus num nicho, apenas visível para os que, como eu, passavam luxuosamente em carruagens e que nos procuravam reconhecer. Meu tio, habituado ao luxo, ia indiferente, todo preocupado com o seu charuto; eu não: mostrava-me, queria que as mulheres olhassem para o meu rosto rosado e fresco, para os meus olhos femininos, para os meus lábios purpúreos e carnudos, para os meus bigodes sedosos, para o meu largo peito forte, e que reconhecessem em mim um modelo de homem, um remanescente da idade morta, quando a força era divinizada e o músculo merecia poemas; um sólido e másculo exemplar de sertanejo capaz de amá-las com mais ardência e com mais impetuosidade do que esses rapazes pálidos, de olhos tristes, que passavam acabrunhados e exaustos, sem viço, sem entusiasmo, frouxos e melancólicos, sugados pelo vampiro da anemia, derreados pelas vigílias devassas.
   A vitória parou. Saltamos e eu, curioso de ver e de admirar maravilhas, olhei em volta. Era uma grande praça quadrada e clara, murada pelos edifícios que reverberavam à luz radiante do sol. Ao meio, sobre pedestal negro, a estátua tosca de um homem, em atitude cheia de solenidade, a mão estendida em gesto clássico de tribuna, como a alegoria icônica do meeting que é, em nossos dias, cultos e morigerados, o escoadouro da inofensiva indignação das massas. Meu tio, indicando-me a efígie escura, disse:
   – José Bonifácio, o patriarca da nossa independência e da tribuna dos comícios.
   Admirei reverente o patriarca, rijo, inflexível, imóvel no seu molde perpétuo de bronze, como a imagem do patriotismo isolada na vasta ágora[4], para exemplo das gerações. Meu tio, descrevendo com o seu unicórnio[5] um hemiciclo no ar, falou para despertar o meu civismo:
   – Olha, Anselmo, de um lado a religião, Deus e o mistério. É a ala santa do perímetro do nosso patriota – e levantou a bengala.
   Meus olhos seguiram a sua indicação e viram no alto da torre um galo rutilante. Tive ímpetos de pedir a significação emblemática. Seria, por acaso, a figuração do bicho que cantou três vezes despertando a consciência de Pedro na grande noite de Getsêmani? Mas meu tio já havia baixado a bengala.
   – Aquilo que ali vês ao fundo, Anselmo, é a ciência.
   Um casarão alvadio com terraço à frente. Mal tive tempo de admirar porque a voz grave do cicerone já pronunciava:
   – À direita, o comércio, a indústria, o movimento.
   Com efeito a vida parecia decorrer do ponto indicado – bondes chegavam despejando gente, partiam cheios; carros cruzavam-se: era um vozear confuso, indistinto – pregões, apelos, silvos, tilintar de campainhas, brados. Olhei atordoado. Meu tio voltara-se para a estátua e contemplava-a extático.
   – Grande homem! – disse eu.
   – Grande patriota! – acrescentou meu tio e voltou-se com a bengala a fundo, risonho, mostrando-me uma rua em frente:
   – Conheces?
   – Não, meu tio, mas noto que está cheia de gente – parece que vem por aí abaixo um oceano popular para revinditas.
   – É sempre assim – disse e, com lentidão, abriu a sobrecasaca e tirou do bolso profundo maço de papéis.
   O sol abrasava pondo-me pruridos na carne e meu tio, calmo e tranquilamente, suando e resfolgando [6], consultava os papéis. Por fim atafulhou[7] com o maço no bolso e, vagarosamente, desdobrou diante de meus olhos uma folha de papel azul e, indicando-me uma frase com o dedo grosso, sorriu mirando-me. Era uma carta minha e o que ali estava debaixo do pesado e úmido indicador, era apenas isto: – “ver a Rua do Ouvidor”. Sem ler mais, estremecendo, cravei os olhos na rua... E, sem uma palavra, mudo, abatido, como se me tivessem dado uma notícia de morte, suspirei.
   – Uma surpresa, hem?
   – Uma desilusão, meu tio – disse eu, murcho.
   Mas o sol ardia. Quase torrados fomos caminhando para a desilusão, porque ali, ao menos, havia sombra e fresco. Eu ia consternado.
   – Mas então... que te parece?
   – A mim?
   – Sim...?!
   – Ah! Meu tio... Pode ser que esta rua seja uma maravilha, mas infelizmente, antes de vê-la, antes de pisá-la, eu a sonhara... e o sonho, que é a visão do mistério, vai sempre além da realidade.
   – Então... que esperavas tu?
   – Eu? Uma avenida como as que tenho admirado em gravuras, como as que tenho visto descritas: com grandes casas apalaçadas, ruas cuidadosamente calçadas de mármore... arquitetura e gosto, arte e elegância, e largueza, sobretudo, meu tio; largueza, muita largueza.
   Um velhinho magro, esgrouviado[8] com um amplo casaco cor de castanha, surrado, tomou a frente a meu tio, estendendo-lhe ambas as mãos, pálidas como as de um cadáver. Encostaram-se a uma vitrina. O velho sacou do bolso enorme carteira e foi desdobrando papéis, cochichando, com risinhos. Meu tio aprovava com ar digno, coçando o papo.
   Parado em meio da rua, olhando, eu sentia caírem dentro de mim, um a um, todos os meus sonhos ingênuos de roceiro. A multidão cruzava-se em formigamento ativo; grupos chocavam-se. Havia constantemente um chapinhar[9] de solas, frufru de sedas e, de longe, como hausto[10] perene e sôfrego, vinha um aaah surdo. De vez em vez parecia-me ouvir o rumor cadenciado e longínquo do desfilar de exércitos.
   Sentia-me atraído pelo luxo dos mostradores. Meus olhos esmerilhavam, rebuscavam, examinando as casas, da soleira à cimalha, penetrando-as, varejando-as indiscretamente com ânsia de imprevistos, com avidez de novidades... Ó divinos jardins suspensos! Ó avenidas de loureiros e de anêmonas! Como estais longe da esplêndida passagem que meus olhos viam em arroubos, quando me punha a pensar nesta viagem ao Rio e realizava, embevecido, de olhos fechados, deitado na relva, tamborinando no ventre, o meu passeio elegante pela calçada de mármore branco, refrescada, duas vezes ao dia, com esguicho de água de rosas. Não, decididamente eu não tinha razão – o que eu estranhava não era a Rua do Ouvidor. Todo o pungitivo sentimento que me oprimia vinha da morte de uma ilusão. Para os que não viram, para os que não sonharam coisa melhor, a rua é admirável; mas para os que podem estabelecer confrontos, perdoa-me, artéria da civilização patrícia; perdoa-me, avenida da elegância e do espírito fluminense, não passas de viela atarracada e sórdida.
   O velhinho inclinou-se de novo com as mãos estendidas e meu tio voltou a ocupar junto a mim o seu posto de elucidário.
   – Então, Anselmo?
   – Estou procurando o encanto, meu tio.
   – Descansa, descansa, – disse-me tomando-me o braço – ele é que há de procurar-te.   
   – E, estacando, mostrou-me a rua com o mesmo gesto com que, em casa, do alto da casinhola, me havia mostrado o seu jardim: – Então isto não te impressiona?
   – Não, meu tio... e digo-o com sentimento.
   – Esperavas alguma coisa como o boulevard des Italiens[11], como a calle Florida[12] – acudiu Serapião, versado em guias.
   – Coisa melhor! Muito melhor!
   O elucidário lançou-me um olhar carregado de pasmo.
   – Contaram-me tantas maravilhas desta rua que não é muito que me confesse desiludido, porque o sentimento que, em verdade, subjugo é de indignação, a mais justa indignação contra todos quantos me atordoaram o espírito com exageradas fantasias e soberbas descrições de um fastígio incomparável. Em casa de Mariano Gomes, o Dr. Gusmão, promotor, que parava, de vez em quando, alguns níqueis no seu feminino palpite – a sota[13] – durante uma longa noite de azar e chuva, encurralando-me no vão de uma janela, falou-me, com sua eloquência de júri, longamente, calorosamente, acerca da Rua do Ouvidor, contando-me aventuras que havia gozado , em companhia de certo desembargador, homem culto e de gosto. Foi quem mais alarmou meu espírito ingênuo, foi esse órgão da justiça pública o mais perverso e cruel dos mistificadores.  O Pe. Coriolano que, de longe em longe vem gozar no Rio um mês de inverno, disse-me uma vez, em casa na Maria Balbina, que isto era como a Suburra[14] de que fala Horácio[15]: um lugar de vícios. Mariano Gomes, mais franco, explicou-me em frase sóbria e devassa: “Que para a pândega não havia igual...!” Mentiram todos: a lei, a religião e a batota. Isto é uma miséria! Nem aventuras, nem Suburra, nem pândega!
   – Espera, atende, acalma a fúria, Anselmo. Se ainda não a conheces! – disse meu tio com malicioso sorriso – a Rua do Ouvidor tem o seu segredo de atração e de enlevo como certas mulheres que, apesar de feias e avelhantadas, vivem perseguidas pelos admiradores. Hás de concordar: há mulheres tais. A razão? O motivo? Dize...
   Dei de ombros e meu tio explicou com arreganho:
   – Encantos particulares, Anselmo, coisas ...
   Depois recompondo-se voltou a falar com gravidade, fitando a rua:
   – Não é bela, concordo. Vê-se que não foi traçada por um Haussmann[16], mas lá encantos isso tem ela. É preciso viver, conhecê-la, penetrar-lhe o segredo. Não estou longe de pensar contigo. Isto é um beco.
   Um beco! – corroborei com desprezo.
   – Mas queres saber a razão principal da sua nomeada? – inclinou-se olhando-me vesgo – É que ela é o centro da vida nacional. – Descolamo-nos para respirar, ele, porém, puxou-me de novo: – Todos os grandes fatos da nossa política e da nossa literatura derivam da Rua do Ouvidor – ela é o estuário que recebe todas as correntes, o centro para onde convergem todas as forças ativas da nação e donde se escoa a seiva intelectual.
   – A seiva intelectual!... – exclamei recuando, e meu tio, impassível, acastelado na sua convicção, repetiu abanando com a cabeça:
   – Pois não... pois não, seiva intelectual. – E continuou: – Tens ali a imprensa, – e levantou a bengala para uma sacada onde havia uma comprida tabuleta negra com grandes letras brancas e, passeando a bengala como um ponteiro, prosseguiu: – o comércio, a indústria. – Firmou-se passando o lenço pela fronte gotejante: – O câmbio, as leis, tudo quanto orienta e desorienta o Brasil sai daqui.
   – É o laboratório – comentei com ironia, e meu tio aceitou:
   – O laboratório, pois não. Mais ainda, vou mais longe. A meu ver a nossa forma de governo é a Rua do Ouvidor; a nossa religião é a Rua do Ouvidor – as constituições, os figurinos e os atos de fé saem deste beco. Isto é a pia lustral que consagra os fatos e os homens. Esta rua ecoa todos os sucessos do mundo como na vida fisiológica o cérebro, por um fenômeno de repercussão nervosa, reflete todas as sensações do corpo. – Cansado do rasgo científico, aspirou largamente e tossiu, mas a facúndia[17] voltou: – As mulheres, para imporem a formosura, descem e sobem a rua várias vezes. Há um talento prodigioso por aí além... Quem o conhece? Ninguém! Quantos poetas vivem ignorados por esses recantos, sem jamais alcançarem a glória da publicidade?
   – Simão Carreira...
   – Sim, o Simão... Há por acaso alguém que conheça o Simão?
   – Eu, meu tio. Conheço-o e admiro a sua inspiração, sempre nova e fértil.
   – Mas... tu és uma parcela insignificante. Para imortalizar um homem só o sufrágio coletivo, e a urna aqui está. Tenho certeza de que o Simão, com um dia de Rua do Ouvidor, faria mais pela glória do seu estro do que tem feito com 28 anos de trabalho modesto no canto obscuro do Tamanduá, entre os milhos. Bastava que recitasse dois ou três sonetos. – E meu tio alongou o braço: – O caminho da glória é este, Anselmo.
   – Não é feito de rosas, meu tio!
  Davam três horas e o calor escaldava. Meu tio propôs um grog[18] gelado, no Pascoal[19]. Íamos caminhando lentamente quando dei com os olhos em uma esplêndida mulher loura, alva e rosada, de preto. Nos cabelos dourados uma espécie de diadema régio, com duas cristas de penas vermelhas, como no gorro do Mefistófeles[20], que eu vira, em tempos, numa ilustração do Natal.
   – Linda mulher, meu tio!
   – Divina! – concordou ele estacando para admirar.
   A loura aproximava-se coleando[21] por entre a multidão, atraindo os olhos lúbricos, altiva, indiferente, com um andar soberbo de rainha, o colo farto escondido por enorme leque de plumas escuras, que ela agitava com languidez, como uma grande asa.
   Passou por nós e tive apenas o tempo de ver a cor inocente e doce de suas pupilas azuis, mais claras do que a celagem[22] da altura e ainda mais suaves, a boca, pequenina e vermelha, uma curva sanguínea e úmida. E o aroma que ficou à sua passagem, que delicioso!...
   – Linda mulher! – tornei voltando-me para admirar o airoso passo cheio de majestade e graça.
   – É uma escultura.
   – Uma escultura, meu tio. – E, trincando o beiço, nervoso, tornei à frase: – Linda mulher! Com efeito...
   Mas meu tio, que adiantara alguns passos, vendo-me parado a olhar, absorvido no vulto que desaparecia, chamou-me:
   – Vem daí. Vamos ao grog, que está quente a valer[23]



[1] Largo de S. Francisco, um dos pontos fundamentais, na época, de acesso ao centro da “Cidade”.
[2] O romance é escrito na 1ª pessoa – coisa rara na obra de Coelho Neto. Do mesmo modo: O Morto – que traz, aliás, o significativo subtítulo: Memórias de um Fuzilado. Seu herói não é, no entanto, Anselmo Ribas (isto é: o próprio Coelho Neto), mas Josefino Santos.
[3] Pele de carneiro.  
[4] Praça pública onde os gregos realizavam assembleias e distribuíam justiça.
[5] Que tem uma só ponta ou chifre – a bengala de Serapião Ribas.
[6] O mesmo que resfolegando, respirando. 
[7] Introduziu desordenadamente.
[8] Com o cabelo em desalinho.
[9] O bater da chapa em substância líquida ou pastosa, agitando-a.
[10] Sorvo, tirado para fora de lugar profundo.
[11] Uma das principais artérias de Paris.
[12] Idem, em relação a Buenos Aires.
[13] Nome popular dado à Dama nos baralhos.
[14] Via e bairro de Roma antiga, sobre o monte Esquilino, habitado pelo que era considerado de pior na Cidade – centro de prostituição romana.  
[15] Grande poeta latino (65-8 a.C.).
[16] Político e administrador francês (1809-1891) a quem Paris deve grande parte da sua remodelação urbana.
[17] Facilidade oratória, eloquência.
[18] Termo inglês significando uma mistura alcoólica (Hoje: grogue).
[19] Célebre confeitaria da época.
[20] Figura do Fausto, de Goethe, que personifica o demônio.
[21] Mover-se fazendo ziguezagues.
[22] Cor do céu ao nascer e ao por do sol, aparência atmosférica.
[23] O trecho reproduzido ocupa, em A Capital Federal, as págs. 59-73, parte do Capítulo V, da 5ª edição (1924), Lelo e Irmão.  

Fonte bibliográfica: "Coelho Neto - romance" por Octavio de Faria, da Coleção Nossos Clássicos, publicada sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Corrêa e Jorge de Sena, 2ª edição, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1963. 

sábado, 29 de novembro de 2014

Coelho Neto – Estudo Crítico de sua Obra – Parte 2

(conforme texto de Octavio de Faria)

Essa obra enorme – mais de cento e vinte volumes, dos quais ainda alguns inéditos – tinha de ser, naturalmente, desigual. Nem há nada de espantar nisso. (É o exemplo dos grandes mestres, chamem-se eles Shakespeare, Balzac, Tolstoi, Dostoievski ou Camilo). Tanto mais quanto, como sabemos, foi quase toda ela realizada em condições de vida difíceis que obrigavam a uma produção intensiva e contínua, onde, muitas vezes, as correções, as supressões, o burilamento, a escolha, tornavam-se impossíveis.
Obra desigual, portanto, onde há que distinguir o essencial do que não o é, obras primas de livros simplesmente comuns, contribuições fundamentais para a literatura brasileira do que é apenas circunstancial, momentâneo: certos contos e apólogos, crônicos, sainetes, etc.
Não é aqui o momento de fazê-lo. Apenas, de afirmar que nenhum desses senões invalida, nem de longe que seja, o peso da obra total. (Como outros pequenos senões não conseguem atingir a grandeza das obras de Sheakespeare, Balzac, Tolstoi, Dostoievski ou Camilo). São “momentos”, pequenos fenômenos em si absolutamente naturais, desprovidos de significação maior, a que interessam apenas aos estudiosos, aos críticos, aos exegetas da obra de Coelho Neto.
Fiquemos, portanto, com as dezenas de obras de primeira qualidade, que nos legou e não nos deixemos também seduzir pelas acusações que contra elas foram formuladas, no tocante ao estilo.
Nenhuma dúvida: Coelho Neto não é um autor “fácil”. E não o é, sobretudo, para a nossa comum e moderna ignorância de língua portuguesa. Dono de um prodigioso vocabulário – calculado em mais de vinte mil palavras – sabendo manejá-lo e manejando-o com plena convicção do acerto com que o fazia, não podia deixar de se tornar “difícil de entender”, às vezes mesmo misterioso para a ignorância de muitos.
Um empolado? Um gongórico? Um cego apologista do culto do estilo pelo estilo? Um escravo da forma? Todas essas acusações foram formuladas, exploradas. Fizeram delas mesmo o cavalo de batalha de mil condenações, às vezes levianas, às vezes ridículas. E foi preciso que o tempo e o bom senso dos críticos as dissipassem estrepitosamente para que a verdade enfim se restabelecesse a respeito do estilo de Coelho Neto.
É que, nesse estilo, ao longo de uma obra cuja publicação se estira por mais de quarenta anos, verifica-se uma verdadeira ascese literária que não é possível deixar de reconhecer ou não levar em consideração fundamental. De Rapsódias (1891) a, digamos, Fogo Fátuo (1928), toda uma alteração se processa que tem de ser vista, essencialmente, sob o prisma da depuração, da ascese estilística. E, de fato, os que não perdoam ao estreante de 1891 a gritante profissão de fé formalista: “Por ela o meu sangue, toda minha alma para resguardá-la – é o meu amor, é o meu ídolo, é o meu ideal – a Forma” (12), todos esses esquecem (propositadamente ou não) que foi em reação a esse fanatismo juvenil pela forma pura – quase sempre tingido de orientalismo e de fanatismo – (13) que Coelho Neto partiu para isso que podemos chamar as suas teorias básicas: a teoria da palavra e a teoria do “termo exato”.
Ouçamo-lo se explicar, pois melhor que ninguém o fez quando declarou, na entrevista concedida a João do Rio, no início do século XX: “Tenho a respeito da palavra uma teoria: a palavra falada é a palavra viva, livre, solta de todas as cadeias, capaz de por si só definir, pintar, colorir; a palavra escrita é a palavra agrilhoada, morta, sem a expressão imediata. A primeira tem a intenção que é tudo e a inflexão que é a realidade da intenção. (...) A palavra escrita vive do adjetivo, que é a sua inflexão. Daí a grande necessidade de disciplinar o vocabulário” (14). E um pouco mais adiante completa o seu pensamento: “A questão não é de vocabulário; é de disciplina. Os russos têm uma porção de dicionários de soldados e para nada lhes serve o possuí-los. Eu consegui disciplinar o vocabulário. Dada uma certa impressão, concluída uma ideia, posso sentar-me e escrever. A ideia sai vestida e os termos exatos juntam-se no perfeito reflexo da impressão. Estou a tomar uns ares dogmáticos... Perdoa. É quase uma confissão. Vem desse esforço que foi pouco a pouco desbastando do meu estilo os guizos de muitos adjetivos para substituí-los por um só, exato” (15).
O termo exato... Eis, sem a menor dúvida, o eixo básico da evolução de Coelho Neto como escritor. Consciente da insuficiência da palavra escrita, tentou animá-la, colori-la, vivificá-la, dar-lhe a inflexão sem a qual jamais poderia exprimir adequada, exata, perfeitamente, o que ia na sua mente prodigiosamente rica e variada. Para tudo e em todas as ocasiões, buscou a palavra exata diante dela não recuou, usando termos raros, absolutamente inusitados, terrivelmente difíceis. Que importava? Não estava sendo fiel, integralmente fiel ao princípio de um de seus grandes mestres, do Maupassant que ensinava: “Seja o que for que se pretenda exprimir, não há senão uma palavra para o dizer, um verbo para o animar, e um adjetivo para o qualificar”?
Se não conseguimos acompanhar Coelho Neto, se muito frequentemente não conhecemos o “termo exato” de que se serve – como também não conhecemos muitos dos “termos exatos” de Camilo, de Euclides da Cunha, de Rui Barbosa, de Aquilino Ribeiro, de outros – de quem a culpa senão nossa que tão mal conhecemos o que é nosso – essa língua que tão bem devíamos “possuir” porque a recebemos como herança sagrada  e a deixamos ficar, quase abandonada, quase esquecida, quase como alguma coisa que não fosse o legado supremo dos Camões e dos Vieiras?
E, para remediar um pouco esse erro, essa culpa, essa fuga, que solução melhor do que volver um pouco os olhos para o que Coelho Neto escreveu e lê-lo, realmente lê-lo, sem o preconceito do que preferiram renegá-lo ou a má fé do que, não podendo compreendê-lo, resolveram ignorá-lo?

12 – Coelho Neto. Rapsódia.
13 – Nesse sentido, vejam-se os depoimentos fundamentais do próprio autor, em A Conquista, págs. 287 e 294-7.
14 – João do Rio. “Coelho Neto”, em Momento Literário, pág. 54.
15 – João do Rio, idem, pág. 55. 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Coelho Neto – Estudo Crítico de sua Obra - parte 1

De um texto de Octavio de Faria

Conforme Octavio de Faria parece totalmente impossível filiar Coelho Neto a uma escola literária. E talvez essa tenha sido uma de suas maiores forças: pairou sempre acima das escolas e dos grupos literários, absolutamente fiel a si mesmo e ao seu destino de escritor, ao mesmo tempo chefe incontestável de toda uma geração e isolado no seu esplendor de exemplar único de sua espécie no Brasil.
Nesse sentido, foi talvez o mais autêntico de nossos escritores: vivendo da pena e para a pena, jamais se curvou à sedução das capelas literárias ou ao incenso das academias. Escrevendo por destinação, por força da lei íntima da sua natureza de artista e de escritor, não podia, naturalmente, prender-se ao rótulo que a posteridade lhe gostaria de reservar. Um romântico? Um realista? Um simbolista? Um eclético?
É praticamente impossível classificá-lo. Daí as variações, as discussões inúmeras. Dele dirá Péricles de Morais: “O último dos românticos e o primeiro dos realistas” (1). E atenuará José Maria Belo: “Um romântico inatual” (2). E investirá José Veríssimo: “Mistura incoerente de tendências estéticas” (3). Opiniões divergentes, variações, pontos de vista indefinidamente discutíveis. E com que proveito, aliás? Ainda conforme sugere Octavio de Faria, fiquemos com a fórmula sintética de Sílvio Romero que fala, simplesmente, em “ecletismo individualista”.
Sua difícil vida foi um exemplo de permanente amor à arte e desassombrada fidelidade à condição de escritor. Se, ao fim da existência, a fama lhe sorriu, se logrou viver da pena, sustentando-se e à numerosa família, convém desde logo lembrar que tudo isso como que lhe foi dado “por acréscimo”, isto é, sem que jamais fraquejasse em seus propósitos. Foi realmente um exemplo sobre o qual os homens de letras de hoje (dizia Octavio de Faria em 1963) devem ter os olhos fixos. Sua jamais desmentida fidelidade pode servir de lema a todos nós que vivemos o drama de um mundo contaminado por escritores “comprometidos” ou infiéis a si mesmo e à Verdade.
Escritor, essencialmente escritor, não se deixou, no entanto, encerrar na “torre de marfim” de sua imaginação absolutamente invulgar. De olhos voltados para o Brasil e para os problemas nacionais, sofrendo com eles e através deles, ansiando por resolvê-los ou vê-los resolvidos, legou-nos uma obra na qual, seja nos diversos livros educacionais ou nos breviários cívicos, seja nos romances, contos, apólogos, lendas ou peças teatrais, reflete-se constantemente a sua preocupação com os destinos do país – esse “instinto de nacionalidade” no qual, já em 1873, Machado de Assis encontrava o principal característico de nossa literatura (4).
  
Ao lado de qual de nossos grandes vultos literários colocá-lo? A quem irmaná-lo? Também não é questão fácil de resolver, pois não há caminho direto que leve a conclusão segura.
Pela trilha das influências e das leituras de formação, dificilmente progrediremos. Pois é à sombra de inúmeros altares que se processa a sua “iniciação”. De um lado temos a Bíblia, de outro Shakespeare. A um ângulo vemos os clássicos gregos, notadamente Ésquilo e Sófocles. Em outro, as Mil e Uma Noites. Tanto lê Camilo Castelo Branco como Eça de Queiroz. Tanto admira Flaubert e Maupassant quanto Théophile Gauthier e os Goncourt. Onde a síntese? E como aproximá-lo de qualquer outro dos nossos escritores da época?
Octavio de Faria via Coelho Neto bem próximo dos grandes vultos da corrente naturista, como Gonçalves Dias, José de Alencar, Castro Alves ou Euclides da Cunha. Se o seu entusiasmo mais profundo caminhava no sentido da beleza clássica ou do realismo da nova escola francesa, isto não impedia que seu vulto global se avizinhasse impressionantemente desses grandes “eloquentes” (5) da nossa literatura, “verdadeiros homens rios, extensos e caudalosos, ricos e possantes como a nossa natureza, seres quase descomunais, que pareciam não saber falar baixo nem se calar por um instante e que, a cada uma de suas palavras, testemunhavam a natureza extraordinária que os condicionava e como que os empurrava para a frente na ânsia de que a reproduzissem, fixando-a, consagrando-a numa grande estátua barroca...”
Aliás, é nesse mesmo sentido que Coelho Neto depõe. São palavras suas essas que, afastando de sua formação qualquer influência direta, desse ou daquele livro, dessa ou daquela corrente, decisivamente esclarecem: “Para a minha formação literária, não contribuíram autores, contribuíram pessoas. Até hoje sofro a influência do primeiro período de minha vida no sertão. Foram as histórias, as lendas, os contos ouvidos em criança, histórias de negros cheios de pavores, lendas de caboclos palpitando encantamentos, contos de homens brancos, a fantasia do sol, o perfume das florestas, o sonho dos civilizados... Nunca mais essa mistura de ideais e de raças deixou de predominar, e até hoje se faz sentir no meu ecletismo. A minha fantasia é o resultado da alma dos negros, dos caboclos e dos brancos. É do choque permanente entre esse fundo complexo e a cultura literária que decorre toda a minha obra” (6). .
Colocando-se acima das escolas e das correntes literárias, sempre fiel à verdade artística que ao longo de toda uma ascese logrou firmar. Coelho Neto nos legou um panorama completo de nossa realidade mais íntima desde os anos que antecederam a República (7) até o fim da terceira década do século XX (8). Panorama completo, extraordinário mesmo, que não creio tenha sido igualado por nenhum dos nossos melhores ficcionistas da época. E, falando assim, não me esqueço nem dos instantâneos admiráveis que um Aluísio Azevedo fixou – impressionantes de verdade imediata, sem dúvida, mas sensivelmente limitados em consequência da escravidão do romancista a fórmulas literárias por demais apertadas e transitórias – nem das análises profundas que devêssemos a Machado de Assis – poderosas em detalhe psicológico, em sensibilidade humana, mas infelizmente circunscritas a um mundo íntimo por demais tímido e limitado.
Impossível seria fazer aqui uma análise detalhada da obra de Coelho Neto. A descrição dos romances básicos e das principais peças de teatro, a simples enumeração dos contos a reter (9), dos apólogos a isolar, das crônicas a destacar, das conferências a sintetizar, levaria para além dos limites desta apresentação crítica.
Nesse sentido, Octavio de Faria refere que a obra de Coelho Neto parece a ele um imenso retrato da vida nacional no curioso e difícil período entre o último quartel do século XIX até o fim do primeiro quartel do século XX.
O sonho inicial do romancista tinha sido mais vasto. Ele próprio, ao ser sagrado Príncipe dos Prosadores Brasileiros, confessou que o seu ideal de mocidade tinha sido escrever uma vasta e uniforme História do Brasil (10) e nós sabemos que Anselmo Ribas (o Coelho Neto de A Capital Federal, de A Conquista e de Fogo Fátuo) sonha com uma “obra monumental”: “toda a história da Pátria condensada em uma série de romances” (11).
Mas, se não chegou a realizar esse vasto e talvez utópico sonho de mocidade, o que nos legou não deixa de ser um retrato total, verdadeira síntese de nossa existência como povo em determinada época. Retrato total, insiste Octavio de Faria, porque não circunscrito ao aspecto histórico social – como se poderia concluir das leituras isoladas de A Capital Federal, A Conquista, Fogo Fátuo, Miragem (parte relativa à Proclamação da República), O Morto (parte relativa á revolta da Esquadra). Retrato total, volta a insistir Faria, porque também não limitado pelas coordenadas psicológicas – como se poderia inferir da leitura dos romances: Turbilhão, Inverno em Flor, Tormenta, Esfinge, ou dos contos: “Água de Juventa”, “Desapontamento”, “Confidências”, “Viúvas”, etc., ou das peças de teatro: Quebranto, Neve ao Sol, A Muralha, O Dinheiro, etc.  Retrato total, persiste Faria, porque, não se contentando com a vida intensa e complexa das nossas cidades, e especialmente da Capital Federal (Rio de Janeiro), invadiu a nossa selva e a nossa alma primitiva, não só no romance perfeitamente conseguido que é Rei Negro e na grandiosa tentativa que é o Rajá de Pendjab, como numa série de contos famosos, de que citarei apenas os principais: “Os Velhos”, “Praga”, “Bom Jesus da Mata”, “Banzo”, “A Tapera”, “Mau Sangue”, “Assombramento”, “Firmo, o Vaqueiro”, e que formam o encanto básico da trilogia já hoje clássica: Sertão, Treva e Banzo, obras de seguro e indiscutível cunho nacional, mas felizmente indenes de regionalismo sistemático.  
  
1 – Péricles de Morais. Coelho Neto e a sua obra, pág. 260.
2 – José Maria Belo. As Margens dos Livros.  
3 – José Veríssimo. Estudos de Literatura Brasileira. 1ª série.
4 – Machado de Assis. “Instinto de Nacionalidade” em Crítica Literária. Ed. Jacson, t.29, pág. 125.
5 – De Coelho Neto disse Manuel de Souza Pinto, que é “no mais nobre, no mais sóbrio, e no mais belo significado do termo, um eloquente” (“Coelho Neto” em Terra Moça, pág. 281).
6 – João do Rio. “Coelho Neto” em O Momento Literário, pág. 53.
7 - ... de cuja estranha Proclamação nos dá um magnífico instantâneo em Miragem, cap. VII, págs. 205 et seq.
8 - ... uma vez que, dessa época em diante, sua obra começa a declinar em consequência da morte dos entes mais queridos e da própria doença final (1932-1934).
9 – num total de aproximadamente 720.
10 – Humberto de Campos. Crítica. 1ª série. Págs. 75-76.
11 – Fogo Fátuo. Pag. 281, e, no mesmo sentido, A Conquista, pag. 228. – E a indagar até que ponto O Rajá do Pendjab e Rei Negro estão nessa linha de pensamento...
Fonte bibliográfica: Coelho Neto – romance, por Octavio de Faria, da Coleção Nossos Clássicos, 2ª edição; direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1963.


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Coelho Neto – Dados biográficos

1864 – Em 21 de Fevereiro nasce Henrique Coelho Neto em Caxias, Maranhão.
1870 – Mudança para o Rio de Janeiro com seus pais, Antônio da Fonseca Coelho, comerciante português, e Ana Silvestre Coelho, de origem indígena.
1872 – Início dos estudos no Colégio Jordão. Termina-os no Colégio Pedro II.
1883 – Em S. Paulo matricula-se na Faculdade de Direito; transfere-se para Recife e volta a S. Paulo em 1884.
1885 – Abandona o curso de Direito e se lança na campanha abolicionista, à sombra de José do Patrocínio, em cujo jornal, Gazeta da Tarde, inicia sua carreira jornalística. Até 1890 vive os assim chamados anos de “boemia literária”, ao lado de Olavo Bilac, Aluísio de Azevedo, Paula Ney, etc.
1891 – Publica “Rapsódias”, primeira coletânea de contos. Início do intenso labor intelectual dos anos que se vão seguir.
1893 – Publica “A Capital Federal”, seu primeiro romance.
1898 – Atinge o ápice da sua produção literária, publicando 11 volumes durante o ano. Entre eles: “O Morto”, “Romanceiro”, “O Paraíso”, etc.
1906 – Publica “Turbilhão”, “Treva” e “A Água”.
1908 – Primeira apresentação de “Quebranto”, no Teatro da Exposição Nacional.
1909 – É efetivado, por voto unânime da Congregação, como lente de Literatura do Colégio Pedro II. Eleito deputado pelo Maranhão, atravessando três legislaturas. Vê sua peça “Bonança” inaugurar o Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
1910 – É nomeado professor de História das Artes e Literatura Dramática da Escola Dramática Municipal, sendo eleito seu Diretor.
1913 – Viaja pelo exterior: França, Portugal. Publica “Banzo”. Tradução em alemão de “Sertão”.
1914 – Publica “Rei Negro” e “Contos Escolhidos”.
1915 – Estreia no estrangeiro do seu teatro com “Muralha”, em Montevidéu.
1920 – Publica “O Mistério” e vê “Rei Negro” ser traduzido em francês.
1921 – Versão alemã de “Banzo”. Publica “Breviário Cívico”.
1924 – Publica “Mano”, “O Polvo” e mais 7 volumes, totalizando nesse ano uma publicação de 9 volumes.
1926 – É eleito presidente da Academia Brasileira de Letras. Publica “Imortalidade” e “Feira Livre”.
1928 – Com “A Cidade Maravilhosa” completa 100 volumes publicados e ainda escreve mais 4 volumes no decurso do ano, entre os quais “Bazar” e “Vencidos”.
1932 – Por aclamação, a Academia Brasileira de Letras lança a sua candidatura ao Prêmio Nobel de Literatura de 1933.
1933 – Profere o seu último discurso por ocasião da inauguração do Monumento ao Pequeno Jornaleiro.
1934 - Falece a 28 de Novembro.

Fonte bibliográfica: 
Coelho Neto – romance; por Octavio de Faria, da Coleção Nossos Clássicos, 2ª edição; direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1963.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Poesia de Sousândrade

Fragmentos de “Harpa de Ouro”[1] do poeta Sousândrade (1833-1902)

Ser teu Great-Dog: e tu meu Sírio![2]
Oh, borboleta-girassol![3]
Gênio-amor! oh, luz-delírio!
Oh, tanta luz! tanto arrebol
(O riso-céus!) e o lume e o lírio
De teus cabelos de crisol!
          ---------------
A última rosa desfolhava
Do ar sobre mim; e eu via então
No tronco o nome iluminava
E a imagem tua era a visão;
No anagrama Dog, God estava[4]
Do amor em que há nenhum se não.[5]
          -------------------
Sacrifício da esp’rança o inseto
Entre os florões do roseiral
Co’o alfinete “I am busy” penetro[6]
O verde-brando dorso, e qual
Dela os cabelos no ombro abertos
Tremem as asas do mortal.



[1] O manuscrito das Harpas de Ouro foi descoberto no meio do século XX pelo crítico Luís Costa Lima.
[2] Great Dog – “Cão Maior” – constelação onde se situa a estrela mais brilhante: Sirius.
[3] Borboleta-girassol: nesta estrofe há os característicos termos compostos sousandradinos.
[4] Anagrama que desenvolve a imagem estelar empregada na primeira estrofe.
[5] Se não: o poeta quis talvez manter a ambiguidade entre o substantivo “senão” (mácula, defeito) e a locução conjuntiva “se não”.
[6] I am busy: “estou ocupado”, “concentrado em algo”. A comparação entre a borboleta e a mulher amada tem sabor de poesia metafísica inglesa seiscentista, parente do conceitismo barroco, modernamente revalorizada por T. S. Eliot. 

Fonte bibliográfica: "Sousândrade - poesia", por Haroldo e Augusto de Campos. Coleção Nossos Clássicos, dirigida por Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa, Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1966.