segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Poesia de Sousândrade

Fragmentos de “Harpa de Ouro”[1] do poeta Sousândrade (1833-1902)

Ser teu Great-Dog: e tu meu Sírio![2]
Oh, borboleta-girassol![3]
Gênio-amor! oh, luz-delírio!
Oh, tanta luz! tanto arrebol
(O riso-céus!) e o lume e o lírio
De teus cabelos de crisol!
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A última rosa desfolhava
Do ar sobre mim; e eu via então
No tronco o nome iluminava
E a imagem tua era a visão;
No anagrama Dog, God estava[4]
Do amor em que há nenhum se não.[5]
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Sacrifício da esp’rança o inseto
Entre os florões do roseiral
Co’o alfinete “I am busy” penetro[6]
O verde-brando dorso, e qual
Dela os cabelos no ombro abertos
Tremem as asas do mortal.



[1] O manuscrito das Harpas de Ouro foi descoberto no meio do século XX pelo crítico Luís Costa Lima.
[2] Great Dog – “Cão Maior” – constelação onde se situa a estrela mais brilhante: Sirius.
[3] Borboleta-girassol: nesta estrofe há os característicos termos compostos sousandradinos.
[4] Anagrama que desenvolve a imagem estelar empregada na primeira estrofe.
[5] Se não: o poeta quis talvez manter a ambiguidade entre o substantivo “senão” (mácula, defeito) e a locução conjuntiva “se não”.
[6] I am busy: “estou ocupado”, “concentrado em algo”. A comparação entre a borboleta e a mulher amada tem sabor de poesia metafísica inglesa seiscentista, parente do conceitismo barroco, modernamente revalorizada por T. S. Eliot. 

Fonte bibliográfica: "Sousândrade - poesia", por Haroldo e Augusto de Campos. Coleção Nossos Clássicos, dirigida por Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa, Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1966. 

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