Tem surgido um debate em jornais a respeito da baixa venda de
livros de literatura brasileira, que, entre outras coisas, pode estar associada
a algo como uma procura maior pelo público por livros que “ensinam alguma coisa”,
livros esses que são listados entre os de “não ficção”. Indiretamente isso
levaria a inferir que literatura talvez seja inútil...
Em nosso meio há certa “cultura da cultura inútil”...
Há décadas a designação “cultura inútil” tornou-se popular a
partir de sua utilização em humorismo, procurando fazer piada daqueles que
falam de coisas ou ideias que, por serem aparentemente sem qualquer “utilidade”,
representariam então apenas uma espécie de tolice, ou perda de tempo com algo “inútil”.
É provável que essa expressão humorística de tal conceito
estivesse expondo alguma coisa que já ocorresse na sociedade em torno de uma
valorização do “utilitarismo imediatista” daquilo que fosse entendido como
Conhecimento.
Isso não é de estranhar em uma sociedade (cuja língua é
latina) que excluiu o estudo do Latim de seu ensino básico, sob a alegação de
se tratar de “língua morta”, enquanto países de origem não latina, ainda mantêm
essa matéria.
A exclusão dessa e de outras disciplinas do ensino básico
demonstra uma forte difusão desse “utilitarismo imediatista” do Conhecimento já
há décadas.
Há uma expressão similar a essa que também é usada em
situações que se considera como conhecimento inútil: “viajar na maionese”.
Quando em uma aula, palestra ou discurso, o apresentador
passa a fazer divagações de natureza filosófica, ou subjetiva, ou que vá um
pouco além do tema estrito em questão, frequentemente fala-se que esse
indivíduo “viajou na maionese”, ou seja, perdeu seu tempo com “frases inúteis”.
Ora, essa é uma das razões de haver superficialidade
conceitual, filosófica e de conhecimento na nossa sociedade, pois as pessoas
logo se fecham a informações que lhes parecem, à primeira vista, “inúteis”.
Mas, como determinar o que é “útil” e o que é “inútil”?
A utilidade ou inutilidade de qualquer coisa, sob uma
perspectiva geral, é algo que deve ser devidamente contextualizado em tempo e
lugar, entre outros fatores.
Se há cultura, então essa cultura nunca é inútil. Não há
cultura inútil.
A noção de “cultura inútil” também advém de uma confusão de
termos que, eventualmente, podem ser sinônimos. Confunde-se cultura,
conhecimento, informação, educação, comunicação. Embora haja intersecção entre
essas concepções, cada um desses termos abrange extensos e complexos campos relativos
ao ser humano e aos agrupamentos humanos.
Pode ser que o termo “cultura inútil” queira significar “informação
inútil”. Mesmo assim ainda pode designar uma forma de restrição, ou mesmo de
reducionismo em relação a alguma coisa que nos seja estranha, ou que nos pareça
sem finalidade.
Assim, entre as várias atividades humanas, as artes podem
parecer algo que se situe em um território de “utilidade duvidosa”, de
finalidade duvidosa, e entre elas estaria a literatura, com o acréscimo, para
pior, daqueles que nem sabem que literatura é uma forma de arte, além de
pintura, escultura, música, etc.
Confunde-se arte com “distração”, “diversão”, “passatempo”.
Embora a arte também possa incluir esses aspectos, essa é uma forma superficial
de entender o que seja arte.
Se a literatura não me distrai, não me diverte e nem serve
para passar o tempo, então talvez essa seja uma literatura “inútil”?
Quando a arte e a literatura levam a um aprofundamento da
percepção de si mesmo e do mundo, isso já é algo mais do que apenas distração,
diversão, passatempo.
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