domingo, 29 de novembro de 2015

Poesia de Olegário Mariano – 2


Água Corrente (1914)[1]

Água corrente! Água corrente!
O teu destino é igual ao destino da gente.

Para onde vais? Tu mesma ignoras tua sorte.
Vais para a vida, para o sonho ou para a morte?
Na correnteza levas, de mansinho,
As paisagens que vês pelo caminho.
Uma árvore infeliz que o vento açula,
A asa de um moinho que ainda gesticula.
Um pedaço do céu entre o nevoeiro,
As pastagens, os bois, um boiadeiro
E a aldeia branca a se perder na falda
Toda verde de um monte de esmeralda...

Água corrente! Água corrente!
O teu destino é igual ao destino da gente.

Passas cantando e ninguém sabe, água erradia,
Se o teu canto é de dor ou de alegria,
Cortas campos e campos desdobrados,
Refletindo as charruas e os arados,
O homem que o seu tesouro desenterra,
Fruto do coração verde da terra,
O plantio e a colheita das searas,
Tudo isso vai nas tuas águas claras
Vertiginosamente retratado...
Água corrente! Toma tu cuidado;
Que não passe de simples fantasia
Tudo o que em teu espelho se insinua...
Não te vá iludir essa alegria
Que é tão dos outros e tão pouco tua.

Água corrente! Água corrente!
Olha que o teu destino é o destino da gente.


[1] Este poema figurava antes na primeira edição de Últimas Cigarras de 1915. O livro Água Corrente, na primeira edição, abria com o soneto publicado aqui anteriormente. Posteriormente o autor trocou as duas composições, passando este poema a abrir o livro Água Corrente

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