domingo, 14 de julho de 2013

Três Sonetos de Paulo Bomfim

Estes são os três primeiros Sonetos da obra de Paulo Bomfim de 1951 intitulada “Transfiguração”.

Soneto I

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.
Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.
Retenho dentro da alma, preso à quilha,
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha
Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo
O cabo das tormentas de mim mesmo.

Soneto II

Embora ainda pressinta em lucidez
A forma estranha deste pesadelo,
Não culpo a vida pela viuvez
Das mãos que pousam sobre o meu cabelo.
Na noite em que me abismo, bailam vultos,
Rostos antigos que não reconheço,
Fantasmas que em meu ser estão sepultos,
Vozes que já ouvi e desconheço.
Embora em pesadelo minha sorte
Oscile como um pêndulo no abismo,
Não culpo a vida pela minha morte,
Nem culpo o estranho vulto em que hoje cismo:
Em toda lucidez vive a loucura,
Rosa de sangue sobre a desventura.

Soneto III

Ponte suspensa sobre o grande abismo,
Dentro de mim caminho passo a passo;
Há luas que se agitam quando cismo
Em outras dimensões fora do espaço.
Neste caminho imerso em solidão,
Carrego apenas do que fui a ânsia
De prender junto ao peito esta intuição:
Rosa mística, ideal da minha infância.
Ponte arrojadamente construída
Sobre esse velho abismo mal desperto,
Retenho junto à morte minha vida,
Sempre suspensa num caminho incerto.
Transporto ao meu encontro, sobre os ombros,
Meu destino flutuando entre os escombros. 

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