Soneto I
Venho de longe, trago o
pensamento
Banhado em velhos sais e
maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonias.
Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito
abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não
tocados.
Retenho dentro da alma, preso à
quilha,
Todo um mar de sargaços e de
vozes,
E ainda procuro no horizonte a
ilha
Onde sonham morrer os
albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo
O cabo das tormentas de mim
mesmo.
Soneto II
Embora ainda pressinta em lucidez
A forma estranha deste pesadelo,
Não culpo a vida pela viuvez
Das mãos que pousam sobre o meu
cabelo.
Na noite em que me abismo, bailam
vultos,
Rostos antigos que não reconheço,
Fantasmas que em meu ser estão
sepultos,
Vozes que já ouvi e desconheço.
Embora em pesadelo minha sorte
Oscile como um pêndulo no abismo,
Não culpo a vida pela minha
morte,
Nem culpo o estranho vulto em que
hoje cismo:
Em toda lucidez vive a loucura,
Rosa de sangue sobre a
desventura.
Soneto III
Ponte suspensa sobre o grande
abismo,
Dentro de mim caminho passo a
passo;
Há luas que se agitam quando
cismo
Em outras dimensões fora do
espaço.
Neste caminho imerso em solidão,
Carrego apenas do que fui a ânsia
De prender junto ao peito esta
intuição:
Rosa mística, ideal da minha
infância.
Ponte arrojadamente construída
Sobre esse velho abismo mal
desperto,
Retenho junto à morte minha vida,
Sempre suspensa num caminho
incerto.
Transporto ao meu encontro, sobre
os ombros,
Meu destino flutuando entre os
escombros.
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