quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Escritor Silva Alvarenga - contexto histórico e estudo crítico


Baseado em texto de Antônio Houaiss

Contexto histórico

     A partir da segunda metade do século XVII, quando terminam as lutas contra os holandeses, as condições sociais e políticas do Brasil colonial principiavam a alterar-se, pois os interesses locais ou regionais começavam a colidir com os interesses metropolitanos (ou seja, de Portugal). A exportação do açúcar aumentava, o fisco passou a receber grandes somas, o que se avolumou com a exploração do ouro. Houve então uma fiscalização redobrada e opressiva da Metrópole sobre a colônia.
     Aumentam as restrições ao comércio com navios estrangeiros e criam-se companhias lusitanas de comércio inspiradas nas congêneres holandesas.
     No século XVIII, esse estado de coisas piora. Suspende-se o direito de ir e vir em áreas de minas; investigações de domicílios; fechamento de estradas; vedam-se plantios, artesanato, indústrias de consumo local, aumentando a dependência da colônia em relação ao comércio das companhias. Ao lado dos senhores fundiários, surge uma rica burguesia comerciante, burguesia essa que era predominantemente portuguesa. Com a queda do valor das mercadorias agrícolas, surge hostilidade entre os senhores de terras e os comerciantes. Com isso, surgem lutas locais, como a Guerra dos Mascates, no início do século XVIII, depois culminando na Inconfidência Mineira.
     A “inteligência” do Brasil colonial foi representada por ínfima minoria da população, que era dependente de formação cultural portuguesa, quando superior, feita em Coimbra. Na segunda metade do século XVIII passam a ter contato com iluministas. Assim, a filosofia francesa chega a essas pessoas. Bibliotecas particulares da colônia devassadas pela justiça de então evidenciaram tal influência. Esse movimento ocorreu em Minas Gerais, para onde afluiu mão de obra, administração, burocracia, governança e letras, a partir da mineração de ouro e diamantes. Surge daí a chamada “escola mineira”. Por sua conjuntura histórica ela é, do ponto de vista literário, contraditória.
     De um lado herda a ideologia absolutista, supranacional, cosmopolita, da consolidação das nacionalidades europeias a partir do Renascimento, em torno de dinastias reais interpenetradas, que se mantinha a partir de classes aristocratas. Essa ideologia supera o pensamento medieval, com noções da Antiguidade Clássica; daí o Classicismo. Na periodização desse Classicismo, alguns estudiosos vêm três fases: o Renascimento, nos séculos XV e XVI; o Barroco, nos séculos XVI e XVII; o Neoclassicismo, nos séculos XVII e XVIII.
     A outra linha vem dos primeiros impactos de uma nova ideologia, liberalista, nacionalista, advinda da ascensão de novas forças sociais do cenário europeu, com tendências a se irradiarem pelo mundo.
     A literatura da “escola mineira” tem as duas tendências, de forma um tanto retardatária. Nas academias e sociedades da literatura brasileira, ou da “escola mineira” se refletem as duas linhas.
     A escola mineira é representada pelos poetas Frei José de Santa Rita Durão, Claudio Manuel da Costa, Basílio da Gama, Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga e Silva Alvarenga.

Estudo Crítico

     Pelos dados biográficos de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, depreende-se que sua vida fluiu das duas tendências ideológicas. Como poeta, entretanto, ele foi seguidor da tradição, inclusive quando faz uso de sátiras, que refletiam pessoas e o momento presente, bem como revelavam um homem voltado para o futuro, preocupado com as inovações do liberalismo em suas diversas manifestações, interessado em questões de renovação da mentalidade intelectual e aos problemas de seu meio. No entanto, sua poesia lírica, consubstanciada em Glaura, é um esforço de subordinação a formas consagradas, num preciosismo de quem procura obter alguma coisa de algo já esgotado e decadente.
     Por outro lado, certa espontaneidade em suas poesias surpreende. Para isso, pode ter contribuído o fato de Glaura não ser personagem imaginária, mas alguém que mereceu o amor de Silva Alvarenga.
     Além disso, encantado pela natureza de seu Brasil, tendeu a reduzir tendências helenizantes aos nomes de algumas entidades míticas gregas, em contrapartida a nomes de frutos e árvores dos trópicos, fundindo suas descrições a seus estados íntimos, no que alguns viram um precursor do Romantismo.
     Seu contemporâneo Tomás Antônio Gonzaga teve lirismo mais atuante por múltiplas razões, de modo que se tornou um dos poetas mais lidos do Brasil. Já Silva Alvarenga teve que se conter diante da possibilidade de censura, já que a literatura de então não comportava um mulato a cantar seus amores.
     Todas as peças líricas de sua Glaura são em número de cinquenta e nove rondós e cinquenta e sete madrigais.
     O rondó, forma poética medieval francesa, tem sua notabilidade com Guillaume de Machaut, Eustache Deschamps, Charles d’Orléans, devendo, originalmente, ser destinado ao canto e consistindo de três estrofes, com um total de doze e quatorze versos, com duas rimas recorrentes. Variando o número de versos e o esquema das rimas, o verdadeiro apoio fonético que em breve o caracterizaria, passou a ser a repetição do primeiro verso ao fim da segunda estrofe e ao fim da terceira estrofe, isto é, do rondó. Variação subsequente, que se pode chamar rondel, consistiu em repetir, em número maior de versos, o primeiro verso pela altura do oitavo ou de um dos seguintes versos e no fim do poema.
     Os rondós de Silva Alvarenga representam um fim de evolução da forma, com estrutura sensivelmente diferente. Consistem, quase todos, em quatro grupos de três quadras, sendo repetida a primeira quadra, em forma de estribilho, no início de cada grupo, assim como no fim do poema – o que totaliza, por conseguinte, treze quadras ou cinquenta e dois versos. Discrepam dessa estrutura estrófica o rondó XLIII, que consiste de sete grupos de três quadras, terminando cada grupo pela mesma quadra, em forma de estribilho; o rondó XLIV, com uma quadra inicial, seguida de um estribilho em forma de dístico, mais duas quadras, mais o dístico, alternativamente, até uma só quadra antefinal, seguida do dístico ao fim, num total de doze quadras, com o dístico repetido sete vezes; e os rondós XLV, XLVI e XLVII, que consistem de duas quadras, seguidas de dístico, mais duas quadras, seguidas de dístico.
     O verso, na maioria dos rondós, é heptassílabo, redondilho maior, salvo os do rondó XLIII, que são pentassílabos, redondilhos menores, e os do rondó XLIV, hexassílabos. Os heptassílabos são, quase sem discrepância, acentuados na terceira e sétima sílabas; os pentassílabos, na segunda e quinta; os hexassílabos, na segunda e sexta.
     Os esquema de sílabas mais frequente de rondó é didaticamente figurado num grupo de três estrofes a seguir (do rondó XXIV):

Sobre o feno recostado (a)
Descansando (a’) afino a lira (b)
Que respira (b’) com ternura (c)
Na doçura (c’) do prazer (d).

Amo a simples Natureza: (e)
Busquem outros a vaidade (f)
Nos tumultos da cidade (f)
Na riqueza (e’) e no poder (d).

Desse pélago furioso (g)
Não me assustam os perigos, (h)
Nem dos ventos inimigos (h)
O raivoso (g’) combater (d).

     O madrigal, originalmente italiano, confunde-se com a silva espanhola, praticada em língua portuguesa, consistindo de uma pequena série de versos decassílabos e hexassílabos, em sequência qualquer, rimando entre si sem esquema prévio de rimas.


Fonte bibliográfica:
Silva Alvarenga – Poesia. Por Antônio Houaiss. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu Amoroso Lima e Roberto Alvim Corrêa. 2ª edição. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1968. 

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