terça-feira, 11 de outubro de 2016

Poesia de Silva Alvarenga


A Luz do Sol

Rondó II

Luz do Sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Quando puro se derrama
Vivo ardor no ameno prado,
Pelas brenhas foge o gado
Verde rama a procurar.

E se o Astro luminoso
Deixa tudo em sombra fusca,
Triste então o abrigo busca
Vagaroso a ruminar.

Luz do Sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Lavrador , que aflito, e[1] velho
Sobre o campo endurecido,
Ver deseja submergido
O vermelho Sol no mar.

E se o úmido negrume
Tolda os Céus, e os vales banha,
Fita os olhos na montanha,
Onde o lume vê raiar.

Luz do Sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Pela tarde mais ardente
O Pastor estima as grutas,
Onde penhas nunca enxutas
Vê contente a gotejar.

E se as trevas no horizonte
Desenrolam negro manto,
Com saudoso, e flébil canto
Faz o monte ressonar.

Luz do Sol, quanto és formosa,
Quem te goza não conhece;
Mas se desce a noite fria,
Principia a suspirar.

Assim Glaura[2], que inflamada
Perseguiu Aves ligeiras,
Quer à sombra das Mangueiras
Descansada respirar.


[1] Na pontuação do tempo, que Silva Alvarenga observa fielmente, o e como conectivo vocabular ou oracional sempre é antecedido de vírgula.
[2] Informa Antenor Nascentes, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, tomo II (nomes próprios), Rio de Janeiro, 1952, s. v. Glaura: “Originariamente, nome forjado pelo poeta Manuel Inácio da Silva Alvarenga, para encobrir o da sua amada, que talvez se chamasse Laura, Laureana ou Clara...” Acrescentemos que é traço característico da poesia de todos os tempos, mas, sobretudo no Classicismo em geral, encobrir, nos poemas eróticos principalmente, o nome da mulher amada por meio de formas cognatas, derivadas, paronímicas, ou anagramas, exatos ou livres.

Fonte bibliográfica:
Silva Alvarenga - Poesia. Por Antônio Houaiss. 2ª Edição. Coleção Nossos Clássicos. Direção de Alceu de Amoroso Lima e Roberto Alvim Correa. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1968. 




















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