quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Um texto de Basílio da Gama



Trecho inicial de “O Uraguai”

At specus, et Caci detecta apparuit ingens Regia, et umbrosae penitus patuere cavernae”.
Virgílius. Aeneida. Lib. VIII

AO ILUSTRÍSSIMO E EXCELENTÍSSIMO SENHOR CONDE DE OEIRAS

SONETO

Ergue de jaspe um globo alvo e rotundo,
E em cima a estátua de um Herói perfeito,
Mas não lhe lavres nome em campo estreito,
Que o seu nome enche a terra e o mar profundo.

Mostra no jaspe, artífice facundo,
Em muda história tanto ilustre feito,
Paz, Justiça, Abundância e firme peito,
Isto nos basta a nós e ao nosso mundo.

Mas porque pode em século futuro,
Peregrino, que o mar de nós afasta,
Duvidar quem anima o jaspe duro,

Mostra-lhe mais Lisboa rica e vasta,
E o Comércio, e em lugar remoto e escuro,
Chorando a Hipocrisia. Isto lhe basta.
                                                             Do Autor.
saevis... periclis / Servati facimus.” Virgilius. Aen. VIII.

CANTO PRIMEIRO

Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue tépidos e impuros
Em que ondeiam cadáveres despidos,
Pastos de corvos. Dura inda nos vales
O rouco som da irada artilheria.     / 5
MUSA, honremos o Herói que o povo rude
Subjugou do Uraguai, e no seu sangue
Dos decretos reais lavou a afronta.
Ai tanto custas, ambição de império!

Explicações de Mário Camarinha da Silva
I.1-5: ABERTURA DO POEMA
I.1 – A Abertura ecoa a Gerusalemme Liberata, IX, 87 e 93, indica Sérgio Buarque de Holanda.
2 – Hipérbato antecipando fumam (aqui intransitivo, com dois adjuntos no verso 1 ao sujeito lagos. Notar a concordância de tépidos e impuros, qualidades do sangue atribuído aos lagos.
3 – Ondeiam: está ondeam no texto, como área (I, 90) e atea (III, 103).
4 – Inda mantém-se ainda na pronúncia, devido à sinérese.
5 – Leia-se: “o/rou/co/som/da i/RA/ da ar/ti/lhe/RI/a”, com sinérese na 5ª sílaba e crase na 7ª. Devido a “rouco som”, Sérgio Buarque de Holanda aproxima o verso da Gerusalemme Liberata, IV, 3; mas a expressão já estava em La Araucana, V, 8, e ocorre também no Caramuru, IV, 29: é lugar comum da tradição clássica.
I.6 – INVOCAÇÃO
I.6 – MUSA, em caixa alta, como recurso gráfico para realçar a ênfase.
I. 6-9 – PROPOSIÇÃO

Referência bibliográfica:
Basílio da Gama – O Uraguai. Por Mário Camarinha da Silva. Coleção Nossos Clássicos. Publicado sob direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1976.

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