sábado, 24 de maio de 2014

Aluísio Azevedo – Dados biográficos

1857 – 14 de Abril – nasce em São Luís do Maranhão Aluísio Tancredo Gonçalves de Azevedo, filho de Davi Gonçalves de Azevedo e Emília Amália Pinto de Magalhães.

1871 – depois de trabalhar no comércio como caixeiro, matricula-se no Liceu Maranhense e estuda pintura com Domingos Tribuzzi, artista italiano radicado em São Luis.

1876 – com o propósito de estudar desenho e pintura na Academia Imperial de Belas-Artes, segue para o Rio de Janeiro, onde já se encontra seu irmão Artur, dois anos mais velho que ele. Nesse ano faz sua estreia como caricaturista em O Fígaro.

1878 – Regressa a São Luís por ter falecido seu pai.

1879 – Publica em S. Luís, na tipografia Frias, “Uma Lágrima de Mulher”.

1880 – Aparece em S. Luís a folha anticlerical “O Pensador”, de que Aluísio é um dos redatores.

1881 – Publica em S. Luís, na Tipografia de O País, “O Mulato”. Nesse mesmo ano, em plena controvérsia suscitada por seu romance, embarca para o Rio de Janeiro.

1882 – Publica, em folhetins em “A Gazetinha”, as “Memórias de um Condenado”, cujo título, ao sair em livro, é mudado para “A Condessa Vésper”. Nesse mesmo ano, na “Folha Nova”, inicia também em folhetins “Mistério da Tijuca”.

1883 – Publica, em folhetins na “Folha Nova”, Casa de Pensão.

1884 – Publica Filomena Borges.

1885 – Publica, em folhetins no “O País”, “O Coruja”.

1887 – Publica “o Homem”.

1890 – Publica “O Cortiço”.

1891 – Publica, em folhetins na “Gazeta de Notícias”, “A Mortalha de Alzira”.

1893 – Publica “Demônios”.

1895 – Publica “Livro de uma Sogra”. Nesse mesmo ano, depois de prestar concurso para a carreira de Cônsul na Secretaria do Exterior, é nomeado vice-cônsul em Vigo, na Espanha.

1897 – Publica, aproveitando contos de “Demônios”, o volume “Pegadas”. É transferido para Yokohama no Japão.

1899 – é nomeado cônsul em La Plata.

1903 – promovido a cônsul de segunda classe, é removido para Cardiff, na Inglaterra.

1910 – Promovido a Cônsul de primeira classe em Assunção, no Paraguai.

1911 – Adido comercial do Brasil na Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai.

1913 – 21 de Janeiro: falece em Buenos Aires.   

Fonte bibliográfica: Aluísio Azevedo - trechos escolhidos. Coleção Nossos Clássicos, dirigida por Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge Alvim de Sena. Editora Agir, 1963. 

domingo, 2 de março de 2014

Junito de Souza Brandão – Mitologia Grega

Introdução da obra “Mitologia Grega” de Junito de Souza Brandão.

Quando da gestão do Dr. Roberto Piragibe da Fonseca, em 1960, como Diretor da então Faculdade de Filosofia da PUC-RJ, conseguimos, após muita insistência, introduzir no Currículo de Letras a Cadeira de Mitologia Grega e Latina, que continua, até hoje, em plena vitalidade, e até mesmo com número excessivo de alunos... Ignoro se existe outra Universidade, no Brasil, que mantenha regular e curricularmente o Mito como disciplina, ao menos eletiva. Se não existe, é de todo lamentável, porquanto não se pode, a meu ver, estudar com profundidade a Literatura Greco-Latina e seu kosmos, seu “universo” multifacetado, sem um sério embasamento mítico, pois que o mito, nesse caso, se apresenta como um sistema, que tenta, de maneira mais ou menos coerente, explicar o mundo e o homem. Opondo-se ao logos, “como a fantasia à razão, como a palavra que narra à que demonstra”, logos e mytos são as duas metades da linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida e do espírito. O “logos”, sendo um raciocínio, procura convencer, acarretando no ouvinte a necessidade de julgar. O “logos” é verdadeiro, se é correto e conforme à lógica; é falso se dissimula alguma burla secreta (um “sofisma”)(1). O mito, porém, não possui outro fim senão a si próprio. Acredita-se nesse ou não, à vontade, por um ato de fé, se o mesmo parece “belo” ou verossímil, ou simplesmente porque se deseja dar-lhe crédito. Assim é que o mito atrai, em torno de si, toda a parte do irracional no pensamento humano, sendo, por sua própria natureza, aparentado à arte, em todas as suas criações. E talvez seja este o caráter mais evidente do mito grego: verificamos que ele está presente em todas as atividades do espírito. Não existe domínio algum do helenismo, tanto a plástica como a literatura, que não tenha recorrido constantemente a ele. “Para um grego, um mito não conhece limites. Insinua-se por toda parte (...). Reserva de pensamento, o mito acabou por viver uma vida própria, a meio caminho entre a razão e a fé... Até os filósofos, quando o raciocínio atingiu o seu limite, recorreram a ele como a um modo de conhecimento capaz de comunicar o incognoscível”(2).
De outro lado, sendo uma fala (3), um sistema de comunicação, uma mensagem, o mito é como que metalinguagem, já que é uma segunda língua na qual se fala da primeira. Não sendo um objeto, um conceito, uma ideia, o mito é um modo de significação, uma forma, um symbolon, acrescentaríamos. Donde não se pode defini-lo simplesmente pelo objeto de sua mensagem, mas pela maneira como a profere. “Metade da linguagem”, não é apenas a “literatura”, no caso em pauta a greco-latina, que não se pode explicar sem o mito, mas igualmente inúmeros fatos da língua. Se não mais é possível falar do “rapto de Helena” por Alexandre ou Páris, a não ser buscando fundo no mitologema quem era a “antiga deusa da vegetação” Helena e o significado de rapto, ainda mais que perpetrado por um príncipe outrora “exposto”; se não mais se poderia analisar a “Esfinge inquiridora” do Édipo Rei de Sófocles, a não ser partindo-se de sua morfologia primitiva de Íncubo, de demônio opressor erótico, e de alma penada; se não mais teria sentido expor os Doze Trabalhos de Héracles, impostos ao herói pela protetora dos “amores legítimos”, Hera, se não visse neles, entre muitos conteúdos, um longo rito iniciático, coroado pela apoteose, como semelhantemente aconteceu com Psiqué – assim também muitos fatos da língua ficariam reduzidos a meras palavras, se não se buscasse esclarecê-los através do mito e da religião. Como explicar, por exemplo, em latim, contemplari, “olhar atentamente para” e considerare, “examinar com cuidado e respeito”, desvinculados do sentido profundamente religioso de templum, “templo”, e sidus, “constelação”? Uma coisa é templum, templo, local , onde se aninham as estátuas dos deuses; outra, bem mais rica e nobre, é templum, espaço quadrado delimitado pelo áugure no céu e no chão, espaço em cujo interior o sacerdote tomava e interpretava os presságios. Donde contemplari, “contemplar”, é observar atentamente se os pássaros voam da esquerda para a direita (bom presságio) ou da direita para a esquerda (mau presságio). Sidus, -eris é constelação, donde considerare, “considerar” é examinar atenta e respeitosamente os astros e sondar-lhes as disposições”. Cícero já emprega a expressão sidera natalicia (De Diu., 2,43,91), “astros que presidem nascimentos” e determinam as sequências da vida dos que nascem sob sua tutela.
Pois bem, foi dentro desses cânones, que não são novos, buscando no mito o que ele tem de “permanente” em todas as culturas, que procuramos elaborar três volumes sobre Mitologia Grega. Não desprezamos os significantes de nenhum mito, mas investigamos com afinco e persistência o sentido de seu conteúdo. Partindo de um suporte meramente expositivo, mas podando-lhe com cuidado o romanesco, e escolhendo com mais cautela ainda a ou as variantes mais antigas e “autênticas”, tentamos ir bastante além, esmiuçando-lhe o simbolismo e, quanto possível, as significações psicológicas.
Após Freud, Jung, Neumann, Melanie Klein, Erich Fromm, Mircea Eliade, e isto para citar apenas alguns dos grandes pioneiros e seus seguidores, o mito enveredou por caminhos bem mais legítimos e genuínos: deixou de ser uma simples história da carochinha ou uma ficção, “coisa inacreditável, sem realidade”, para, como acentua Byington no Prefácio, “através do conceito de arquétipo, abrir para a Psicologia a possibilidade de perceber diferentes caminhos simbólicos para a formação da Consciência Coletiva”.
Se, a princípio, o estudo do mito nos interessou como um auxiliar poderoso e indispensável para uma melhor compreensão das línguas grega e latina e sobretudo de suas respectivas literaturas, a partir de 1982, quando começamos a trabalhar em dupla, em São Paulo e no Rio de Janeiro, com o Psiquiatra e Analista Carlos Byington, é que percebemos com mais clareza o peso do mito, esse inesgotável repositório de símbolos, que realizam “a interação do Consciente com o Inconsciente Coletivo”. É exatamente esse “tipo de mito” que procuramos transmitir não só a nossos alunos de Departamentos vários da PUC-RJ, e em cursos anuais em nossa Cidade, mas particularmente a Universitários, Professores, Psicólogos, Psicanalistas, Psiquiatras e Analistas de São Paulo e da Unicamp, com muitos dos quais, e prazerosamente, vimos trabalhando, há quatro anos.
Na elaboração de Mitologia Grega, Volume I, após os sete primeiros capítulos, em que focalizamos mito e obra de arte, definição de mito e religião, estudo da religião pré-helênica, chegada à Hélade dos gregos indo-europeus e visão panorâmica dos poemas e deuses homéricos, tivemos que fazer uma séria e difícil opção. Por onde começar? Poderia ser por qualquer mito, já que este, além de não se enquadrar no tempo, é totalmente ilógico. Mas, como Hesíodo, poeta do século VIII a.C., portanto, cronologicamente, o segundo depois de Homero, nos legou, conforme se comenta no Capítulo VIII, duas obras preciosas com vistas à mitologia grega, Teogonia e Trabalhos e Dias, resolvemos,  por dois motivos, iniciar por ele. Primeiro, porque o poeta de Ascra colocou certa ordenação, ao menos genealógica, no confuso mito grego; segundo, porque, inteligentemente, fez coincidir o Caos, “massa confusa e informe”, que dá início à cosmoteofania, isto é, ao aparecimento do mundo e dos deuses, com o caos social da Idade de Ferro, em que vivia seu século. Nesse caso, o homem percorreu o caminho inverso ao dos deuses: da Idade de Ouro degradou-se até a Idade de Ferro... Temos, por conseguinte, dois caos. Partindo do primeiro, o poeta há de fazer com que do Caos, das trevas, se chegue a Zeus, à luz e sonha com a extinção do segundo: quem sabe se o homem, apoiado em Zeus, símbolo da dike, da justiça, não há de emergir do caos social para a luz? Da Idade de Ferro não há de retornar à Idade de Ouro?
Nossa Mitologia Grega, portanto, abrange três grandes momentos do mito helênico: o Volume I, após os sete primeiros capítulos de que já se falou linhas atrás, irá do Caos até as lutas de Zeus pelo poder; o Volume II, mais denso, partirá de Zeus, já como deus cosmocrata e “pai dos deuses e dos homens”, e se fechará no mito de Eros e Psiqué; o Volume III será consagrado ao Mito dos Heróis.
Na feitura de Mitologia Grega usamos algumas obras altamente especializadas no assunto, todas, por sinal, indicadas na Bibliografia Geral. Gostaríamos, todavia, de destacar o nosso manuseio constante, para interpretação da parte simbólica, do Diccionario de Símbolos, de J.E.Cirlot, do Dictionnaire des Symboles, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, e de Le Symbolisme dans la Mythologie Grecque, de Paul Diel. No que se refere à interpretação psicológica, nossos guias principais foram Sigmund Freud, C.G. Jung, Erich Neumann e Gaston Bachelard.
Mitologia Grega deve muito a muita gente. Não apenas às pessoas que tanto me incentivaram e até reclamaram de meu natural festina lente, como a estimada amiga Rose Marie Muraro, que prefaciará o segundo colume; o jovem psicólogo José Raimundo de Jesus Gomes; colegas e alunos do Rio e de São Paulo, mas também àqueles que gentilmente me ajudaram manu laboriosa, como as Profas. Miriam Sutter Medeiros, Lea Bentes Cardoso e o universitário Fred Marcos Tallman, que se encarregaram da parte datilográfica; Silvia Elizabeth von Blücher, Augusto Ângelo Zanatta, Valderes Barboza e o já consagrado prof. Synval Beltrão Jr., aos quais fico devendo o penoso trabalho de organização dos índices do primeiro volume.
Esperamos, por fim, que os três volumes de Mitologia Grega cumpram as duas finalidades únicas que tivemos em mira ao redigi-los: cooperar para que as humanidades clássicas voltem urgentemente ao lugar que lhes compete e servir não só aos que lidam com a ciência da psique, mas também a quantos acreditam na perenidade do mito, que não é grego nem latino, mas um farol que ilumina todas as culturas.

Rio de Janeiro, 26 de abril de 1985.
Junito de Souza Brandão

Notas:
1 – sophismos – sofisma, aqui no caso, é um expediente enganoso e enganador.
2 – Grimal, Pierre. La Mythologie Grecque. Paris, PUF, 1952, p. 8sqq.
3 – Barthes, Roland. Mythologies. Paris, Éditions du Seuil, 1972, p. 137sqq. 

domingo, 26 de janeiro de 2014

Junito de Souza Brandão – estudioso brasileiro a ser lembrado.


Há poucos meses foi feita uma avaliação do livro de minha autoria intitulado “Humanização da Medicina e seus Mitos”, de 2005, a pedido de uma editora, por um avaliador anônimo.
O avaliador foi muito crítico ao fato de eu ter usado como referência bibliográfica uma obra de Junito de Souza Brandão (a quem ele chamou de “Juanito”), de certa forma desqualificando esse estudioso brasileiro.
Parece que essa consideração teve uma dose de preconceito com um autor brasileiro, Junito, que se propôs a estudar um assunto de amplitude universal como a Mitologia Grega. A crítica ainda poderia se dever à menção bibliográfica, em livro de 2005, de um autor que morreu em 1995. O que diríamos estão de Jung que morreu em 1961? Talvez o avaliador não seja da área de Ciências Humanas, pois os métodos de estudo e pesquisa em Ciências Humanas não são os mesmos de Ciências Biológicas ou de Ciências Exatas, pois nestas se trabalha apenas com as publicações muito mais recentes, sob o permanente risco de não estar up to date. Além disso, devemos frisar que o livro “Humanização da Medicina e seus Mitos” não buscou esgotar o assunto Mitologia e centrou-se mais na questão da humanização em saúde e na sociedade. Como parece haver certo desconhecimento sobre Junito, vamos lembrar um pouco desse estudioso e sua obra.
Junito de Souza Brandão nasceu na cidade de Aperibé, no Estado do Rio de Janeiro, em 1924. Ele destacou-se na escola da zona rural, onde poucos concluíam o ensino fundamental. Nessa ocasião sua professora declarou que não tinha mais o que lhe ensinar, pois ele já tinha adquirido o mesmo conhecimento que ela. Passou então ao Colégio Anchieta de Nova Friburgo. Tornou-se bacharel em Letras Clássicas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Rio de Janeiro em 1948.  Depois fez o Curso de Arqueologia, Epigrafia e História da Grécia na Universidade de Atenas. Era licenciado em Letras Clássicas. Fez também Curso de Direito. Fez Doutorado e Livre Docência em Literatura Grega. Lecionou na PUC do Rio de Janeiro, onde, em 1960, o Diretor do Curso de Filosofia criou a “Cátedra de Mitologia Grega e Latina”, uma inovação no país, chefiada por Junito.
Junito lecionou por 45 anos também em outras instituições além da PUC do Rio de Janeiro, como UERJ, Universidade Gama Filho, Universidade Santa Úrsula, PUC de São Paulo e na Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, entre outras.
Sua obra mais famosa é “Mitologia Grega” em três volumes pela Editora Vozes. Outras obras são: “Teatro Grego: Tragédia e Comédia”; “Dicionário Mítico-Etimológico”; “Os Idílios de Teócrito e as Bucólicas de Virgílio”. Fez traduções do Grego: “Duas Tragédias Gregas: Édipo Rei (Sófocles), Hécuba (Eurípides)”; “O Cíclope (Eurípides)”; “As Rãs”; “As Nuvens e as Vespas (Aristófanes)”.
Foi membro da Academia Brasileira de Filologia, da Sociedade Propagadora das Belas Artes, da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, do Instituto Internacional de Heráldica e Genealogia. Foi também Diretor da Academia Brasileira de Teatro do Rio de Janeiro de 1956 a 1971.
Junito de Souza Brandão faleceu no Rio de Janeiro em 15 de Maio de 1995.
Carlos Byington, médico psiquiatra e analista junguiano, escreveu o prefácio de “Mitologia Grega”, onde, no último parágrafo, comenta sobre Junito de Souza Brandão: “Para encerrar, uma palavra diretamente sobre este livro e seu Autor. Esta obra nos traz o tesouro simbólico da cultura grega através de alguém que se dedicou ao seu estudo e ao seu ensino por mais de trinta anos. Quem já teve o privilégio de frequentar os cursos deste mestre, teve certamente a oportunidade de perceber que a delicadeza e o carinho com que transmite seus ensinamentos se respaldam na força do estudo, da pesquisa e da erudição. Junito de Souza Brandão, em sua vida dedicada ao ensino de culturas antigas, principalmente da greco-romana, tem expressado entre nós a essência do arquétipo do professor que tempera aquilo que transmite aos seus alunos com o amor que ele próprio sente pelo conhecimento transmitido. Ao proceder assim, o mestre se transforma em sacerdote, pois os fatos que ensina viram símbolos da atividade imemorial da humanidade em direção à totalidade através da cultura. É o produto desta dedicação de uma vida que temos à nossa frente. Desejo ao leitor bom proveito”.
Na nota da sétima edição de “Mitologia Grega”, de 1991, Junito acentuou ter feito modificações e acréscimos em sua obra, principalmente quanto aos aspectos etimológicos, que compilou na obra “Dicionário Mítico-Etimológico”, em dois volumes, pela Editora Vozes. Isso mostra seu contínuo aprimoramento enquanto viveu.
A PUC-Rio prestou homenagem a Junito de Souza Brandão em evento especial em 13 de Setembro de 2013.

Bibliografia consultada:
Brandão, J. S. – Mitologia Grega (3 volumes). Editora Vozes, 17ª edição, 2002.
Verbete sobre Junito de Souza Brandão no Sistema de Bibliotecas da PUC-Rio.

Verbete sobre Junito de Souza Brandão na Wikipedia. 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Um texto de Joaquim Nabuco

Massangana (1) - (parte 1)

(de "Minha Formação" - 1900)

O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, mas ao qual ele terá sempre que se cingir sem o saber... Pela minha parte acredito não ter nunca transposto o limite das minhas quatro ou cinco primeiras impressões... Os primeiros oito anos da vida foram assim, em certo sentido, os de minha formação, instinto ou moral, definitiva...
Passei esse período inicial, tão remoto, porém mais presente do que qualquer outro, em um engenho de Pernambuco, minha província natal. A terra era uma das mais vastas e pitorescas da zona do Cabo... (2) Nunca se me retira da vista esse pano de fundo que representa os últimos longes de minha vida. A população do pequeno domínio, inteiramente fechado a qualquer ingerência de fora, como todos os outros feudos da escravidão, compunha-se de escravos, distribuídos pelos compartimentos da senzala, o grande pombal negro ao lado da casa da morada, e de rendeiros, ligados ao proprietário pelo benefício da casa de barro que os agasalhava ou da pequena cultura que ele lhes consentia em suas terras. No centro do pequeno cantão de escravos levantava-se a residência do senhor, olhando para os edifícios da moagem, e tendo por trás, em uma ondulação do terreno, a capela sob a invocação de São Mateus. Pelo declive do pasto árvores isoladas abrigavam sob sua umbela impenetrável grupos de gado sonolento. Na planície estendiam-se os canaviais cortados pela alameda tortuosa de antigos ingás carregados de musgos e cipós, que sombreavam de lado a lado o pequeno rio Ipojuca. Era por essa água quase dormente sobre os seus largos bancos de areia que se embarcava o açúcar para o Recife; ela alimentava perto de casa um grande viveiro, rondado pelos jacarés, a que os negros davam caça, e nomeado pelas suas pescarias. Mais longe começavam os mangues que chegavam até à costa de Nazaré...Durante o dia, pelos grandes calores, dormia-se a sesta, respirando o aroma, espalhado por toda a parte, das grandes tachas em que cozia o mel. O declinar do sol era deslumbrante, pedaços inteiros da planície transformavam-se em uma poeira d’ouro; a boca da noite, hora das boninas e dos bacuraus, era agradável e balsâmica, depois o silêncio dos céus estrelados majestoso e profundo. De todas essas impressões nenhuma morrerá em mim. Os filhos de pescadores sentirão sempre debaixo dos pés o roçar das areias da praia e ouvirão o ruído da vaga. EU por vezes acredito pisar a espessa camada de canas caídas da moenda e escuto o rangido longínquo dos grandes carros de bois...
Emerson quisera que a educação da criança começasse cem anos antes dela nascer. A minha educação religiosa obedeceu certamente a essa regra. Eu sinto a ideia de Deus no mais afastado de mim mesmo, como o sinal amante e querido de diversas gerações. Nessa parte a série não foi interrompida. Há espíritos que gostam de quebrar todas as suas cadeias, e de preferência as que outros tivessem criado para eles; eu, porém, seria incapaz de quebrar inteiramente a menor das correntes que alguma vez me prendeu, o que faz que suporte cativeiros contrários, e menos do que as outras uma que me tivesse sido deixada como herança. Foi na pequena capela de Massangana que fiquei unido à minha.
As impressões que conservo dessa idade mostram bem em que profundezas os nossos primeiros alicerces são lançados. Ruskin (3) escreveu esta variante do pensamento de Cristo sobre a infância: “A criança sustenta muitas vezes entre os seus fracos dedos uma verdade que a idade madura com toda sua fortaleza não poderia suspender e que só a velhice terá novamente o privilégio de carregar”. Eu tive em minhas mãos como brinquedos de menino toda a simbólica do sonho religioso. A cada instante encontro entre minhas reminiscências miniaturas que por sua frescura de provas avant la lettre devem datar dessas primeiras tiragens da alma. Pela perfeição dessas imagens inapagáveis pode-se estimar a impressão causada. Assim eu vi a Criação de Miguel Ângelo na Sixtina e a de Rafael nas Loggie (4), e, apesar de toda a minha reflexão, não posso dar a nenhuma o relevo interior do primeiro paraíso que fizeram passar diante de meus olhos em um vestígio de antigo Mistério popular. Ouvi notas perdidas do Angelus na Campanha romana, mas o muezzin (5) íntimo, o timbre que soa aos meus ouvidos à hora da oração, é o do pequeno sino que os escravos escutavam com a cabeça baixa, murmurando o Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. Este é o Millet (6) inalterável que se gravou em mim. Muitas vezes tenho atravessado o oceano, mas se quero lembrar-me dele, tenho sempre diante dos olhos, parada instantaneamente, a primeira vaga que se levantou diante de mim, verde e transparente como um biombo de esmeralda, um dia que, atravessando por um extenso coqueiral atrás das palhoças dos jangadeiros, mas achei à beira da praia e tive a revelação súbita, fulminante, da terra líquida e movente... Foi essa onda, fixada na placa mais sensível do meu kodak infantil, que ficou sendo para mim o eterno cliché do mar. Somente por baixo dela poderia eu escrever: Thalassa! Thalassa! (7)
Meus moldes de ideias e de sentimentos datam quase todos dessa época. As grandes impressões da madureza não têm o condão de me fazer reviver que tem o pequeno caderno de cinco a seis folhas apenas em que as primeiras hastes da alma aparecem tão frescas como se tivessem sido calcadas nesta mesma manhã... O encanto que se encontra nesses cidoli (8) grosseiros e ingênuos da infância não vem senão de sentirmos que só eles conservam a nossa primeira sensibilidade apagada. Eles são, por assim dizer, as cordas soltas, mas ainda vibrantes, de um instrumento que não existe mais em nós...
Do mesmo modo que com a religião, e a natureza, assim os grandes fatos morais em redor de mim. Estive envolvido na campanha da abolição e durante dez anos procurei extrair de tudo, da história, da ciência, da religião, da vida, um filtro que seduzisse a dinastia; vi os escravos em todas as condições imagináveis; mil vezes li a Cabana do Pai Tomás (9), no original da dor vivida e sangrando; no entanto a escravidão para mim cabe toda em um quadro inesquecido da infância, em uma primeira impressão, que decidiu, estou certo, do emprego ulterior de minha vida. Eu estava uma tarde sentado no patamar da escada exterior da casa, quando vejo precipitar-se para mim um jovem negro desconhecido, de cerca de dezoito anos, o qual abraça aos meus pés suplicando-me pelo amor de Deus que o fizesse comprar por minha madrinha para me servir. Ele vinha das vizinhanças, procurando mudar de senhor, porque, o dele, dizia-me, o castigava, e ele tinha fugido com risco de vida... Foi este o traço inesperado que me descobriu a natureza da instituição com a qual eu vivera até então familiarmente, sem suspeitar a dor que ela ocultava.
Nada mostra melhor do que a própria escravidão o poder das primeiras vibrações do sentimento... Ele é tal, que a vontade e a reflexão não poderiam mais tarde subtrair-se à sua ação e não encontram verdadeiro prazer senão em se conformar... Assim eu combati a escravidão com todas as minhas forças, repeli-a com toda a minha consciência, como a deformação utilitária da criatura, e na hora em que vi acabar, pensei poder pedir também minha alforria, dizer o meu nunc dimittis (10), por ter ouvido a mais bela nova que em meus dias Deus pudesse mandar ao mundo; e, no entanto, hoje que ela está extinta, experimento uma singular nostalgia, que muito espantaria um Garrison (11) ou um John Brown (12): a saudade do escravo.
É que tanto da parte do senhor era inscientemente egoísta, tanto a do escravo era inscientemente generosa. A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o, como se fosse uma religião natural e viva; como os seus mitos, sua legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte... É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do Norte. Quanto a mim, absorvi-a no leite preto que me amamentou; ela envolveu-me como uma carícia muda toda a minha infância; aspirei-a da dedicação de velhos servidores que me reputavam o herdeiro presuntivo do pequeno domínio de que faziam parte... Entre mim e eles deve ter-se dado uma troca contínua de simpatia, de que resultou a terna e reconhecida admiração que vim mais tarde a sentir pelo seu papel. Este pareceu-me, por contraste com o instinto mercenário da nossa época, sobrenatural à força de naturalidade humana, e, no dia em que a escravidão foi abolida, senti distintamente que um dos mais absolutos desinteresses de que o coração humano se tenha mostrado capaz não encontraria mais as condições que o tornaram possível.  
Notas:
1 – Massangana era o nome do engenho em Pernambuco onde Nabuco passou os primeiros anos de sua vida aos cuidados de sua madrinha Dona Ana Rosa Falcão de Carvalho. Sua família residia no Rio de Janeiro (onde seu pai foi deputado e ministro).
2 – Cabo de Santo Agostinho.
3 – John Ruskin, escritor inglês que se dedicou especialmente a assuntos de estética em que teve grande influência na era vitoriana.
4 – Célebres galerias no Palácio do Vaticano, pintadas por Rafael.
5 – Árabe anunciador muçulmano da hora da oração.  
6 – Jean-François Millet (1814-1875), pintor francês, autor do célebre quadro l’Angelus, representando camponeses em oração ao por do sol.
7 – Exclamação de alegria dos dez mil gregos dirigidos por Xenofonte quando viram o mar, após dezesseis meses de retirada.  
8 – Grego. Plural de cidolon: figura, imagem.
9 – Cabana do Pai Tomás, Uncle Tom’s Cabin, romance de Harriet Beecher-Stowe sobre a escravidão nos Estados Unidos, do qual o Presidente Lincoln teria dito que provocou a guerra entre os Estados.
10 – Nunc dimittis servum Domine: “Agora despede o teu servo, Senhor”. Palavras do velho Simeão ao ver no templo o infante Jesus que reconheceu como o salvador de Israel.
11 – William Lloyd Garrison, célebre abolicionista americano.
12 – Abolicionista americano. Condutor de uma escaramuça contra Harper’s Ferry em 1859 que foi o início da Guerra da Secessão. Preso pelos Sulistas, foi enforcado em Charlestown, West Virginia. 

domingo, 1 de dezembro de 2013

Aspectos biográficos de Joaquim Nabuco


Em 19 de Agosto de 1849 nasceu no Recife Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, filho de José Tomás Nabuco de Araújo e de Ana Benigna de Sá Barreto.
Quando Joaquim Nabuco nasceu, os dois maiores problemas da política brasileira do século XIX, a monarquia e a escravidão, estavam em momento de tranquilidade. O jovem imperador D. Pedro II reinava com apoio geral, desde a crise da maioridade em 1840. No que diz respeito à escravidão, apesar da Lei Feijó de 1831, que proibia o tráfico de escravos, esse processo continuava clandestinamente até que em 1850, com a lei Eusébio de Queiroz, o tráfico reduziu-se e finalizou em 1855.
Joaquim Nabuco passou os primeiros oito anos de sua vida no Engenho de Açúcar de Massangana, na província de Pernambuco. Essa vivência marcaria sua obra.
Em 1870 ele tornou-se Bacharel de Direito pela Faculdade do Recife. Quando ele estudava, terminou a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, o que tornou o Brasil na única nação no mundo com economia baseada na escravidão. Essa questão passou a ser um problema que clamava por solução. Estudantes engajaram-se na luta antiescravagista, como Castro Alves e Rui Barbosa.
Em 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre por influência do Visconde do Rio Branco.
Em 1872 Joaquim Nabuco publicou seu primeiro livro “Camões e os Lusíadas”.
Em 1873-74 viajou à Europa onde conheceu Ernest Renan, Georges Sand, Thiers, e outras pessoas notáveis. Em Roma foi recebido pelo papa Pio IX.
Em 1874 deu conferências sobre Arte na Escola da Glória.
Em 1876 foi nomeado adido, indo para os Estados Unidos e depois para Londres.
Em 1878 foi eleito deputado pela província de Pernambuco.
Aos 30 anos engajou-se na Campanha Abolicionista na qual foi figura importante por dez anos até a Lei da Abolição da Escravatura em 1888.
Em 23 de Abril de 1889 casou-se com Evelina Torres Ribeiro.
Em 1889 ocorreu a Proclamação da República. Nabuco, embora abolicionista era monarquista. 
1891 – colaborou com Rodolfo Dantas na fundação do jornal monarquista “Jornal do Brasil”, para o qual escreveu artigos.
1897 – associou-se à fundação da Academia Brasileira de Letras no posto de Secretário Perpétuo. Pronunciou o discurso inaugural da entidade.
1899 – aceitou servir o Brasil em missão em defesa dos direitos do Brasil em litígio com a Grã-Bretanha para fixar limites com a Guiana Inglesa.
1905 – foi nomeado Embaixador em Washington.
1910 – Morreu subitamente em Washington. Seu corpo foi transportado solenemente para o Brasil pelo cruzador americano “North Carolina”, escoltado pelo encouraçado “Minas Gerais”. 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Soneto de Emiliano Perneta


(No álbum de Dona Anita Philipowski)

Conheço que não sou o homem que se procura,
O herói moderno, o herói vibrante, o herói do dia,
Que num largo esplendor de bronzea envergadura,
Com desdenhoso olhar a crença repudia.

Pode ser que também não passe de uma pura,
E de uma inquieta, e de uma doida fantasia,
Da quimera banal, e de grande loucura,
O vinho que me exalta, a fé que me inebria.

Sei que é belo exclamar que não existe nada;
Que a flor das ilusões, como rútila espada,
A dúvida voraz ceifou pela raiz...

Sei de tudo; porém, sob o céu que nos cobre,
Sinto, elevando as mãos, e humilde como um pobre,
Que no seio de Deus adormeço feliz!

domingo, 17 de novembro de 2013

Dados biográficos do poeta Emiliano Perneta


3 de janeiro de 1866 - Nasce Emiliano Perneta no Sítio dos Pinhais, perto de Curitiba, Paraná.
1885 - Segue para São Paulo, onde se matricula na Faculdade de Direito. Participa de discursos e artigos de propaganda abolicionista e republicana.
1888 - Seu quarto na Rua da Glória era chamado “Autocracia da Anarquia”, sendo frequentado por contemporâneos como: Rodrigo Otávio, Olavo Bilac, Venceslau de Queiroz, Leopoldo de Freitas, Ermelino de Leão, Hipólito de Araújo e outros. São seus colegas de turma: Afonso Arinos, Paulo Prado, Edmundo Lins, Francisco Mendes Pimentel, Herculano de Freitas.
Forma-se em 1889. Foi o orador de sua turma. Dirige “Vida Semanária” e “Folha Literária”. Colabora no “Dário Popular” e na “Gazeta de São Paulo” de Júlio Ribeiro.
1890 - Vai para o Rio de Janeiro. Passa a ser o principal redator de “Cidade do Rio” de José do Patrocínio. Colabora, desse ano até 1893 com as publicações “Novidades” e “Revista Ilustrada” de Ângelo Agostini.
1891 - Aparecem as primeiras manifestações do movimento simbolista brasileiro na “Folha Popular”, onde Emiliano Perneta é secretário. Tais manifestações são escritas por ele e também por Cruz e Souza, Oscar Rosa e B. Lopes. Perneta proporciona a Cruz e Souza sua primeira colocação no Rio. Nesse período tem convivência com Gonzaga Duque.
1893 - Vai para Minas Gerais a convite de seu amigo João Pinheiro. Torna-se Promotor Público em Caldas, passando a Juiz Municipal em Santo Antônio do Machado.
1896 - retorna enfermo ao Paraná.
1898 - Assina manifesto contra perseguições antidreyfusistas a Émile Zola.
1901 – Torna-se Lente de Português e Literatura do Ginásio Paranaense e Escola Normal. Assume  a posição de Auditor de Guerra, com o posto de Capitão.
1902 – Funda e dirige a publicação “Victrix”.
Em 21 de Agosto de 1911 é lançada “Ilusão”, em edição de luxo, esgotada nos dois primeiros dias do seu lançamento. Perneta deixa as funções no Ginásio e Escola Normal, optando pela Auditoria de Guerra, que exerceu até sua morte.
1912 – Funda, com Euclides Bandeira, o Centro de Letras do Paraná, sendo eleito seu presidente.
1913 – Escreve o poema-libreto “Papilio Innocentia”, para a ópera do compositor suíço Leo Kessler sobre o romance de Taunay.
Em 7 de Agosto de 1914, lê, no Rio de Janeiro, em ato público presidido por Alberto de Oliveira, a sua comédia heroica em verso “Pena de Talião”, às vésperas da Grande Guerra.
1917 – Escreve numerosas poesias inspiradas pela guerra. Publica “Vovozinha”.
Em 19 de fevereiro de 1921, falece às 18:30 horas.


Referência bibliográfica: “Emiliano Perneta – Poesia”, coleção “Nossos Clássicos”, nº 43, 2ª edição, 1966, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro.