segunda-feira, 2 de julho de 2012

Comentários sobre a obra de Alphonsus de Guimaraens


Autor: Alphonsus de Guimaraens Filho – texto introdutório da obra “Alphonsus de Guimaraens – melhores poemas”. Global Editora, 1997.

A obra poética de Alphonsus de Guimaraens, composta em três velhas cidades mineiras – Ouro Preto, Conceição do Serro e Mariana – e, parte dela, em São Paulo, ainda nos tempos de estudante, distingue-se pela unidade. Na temática, foi Alphonsus de Guimaraens essencialmente místico e cantor do amor e da morte. Na forma, um artista seguro, dominador absoluto do seu instrumento, dono de um verso plástico, ondulante e musical. Sua poesia apresenta-se dotada de intensa força sugestiva, numa linguagem vincadamente pessoal, que lhe confere lugar próprio em nossa literatura.
Nos versos líricos, acentua-se a presença de Constança, a filha de Bernardo Guimarães, sua prima e noiva tão cedo morta. Essa presença se impõe mais em Dona Mística e Câmara Ardente, mas se estende em particular a alguns sonetos de Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte como aqueles iniciados pelos versos Hão de chorar por ela os cinamomos e Estão mortas as mãos daquela Dona, dos mais celebrados do poeta. A sombra da adolescente que “se morreu silente e fria” em 1888 acompanhou-o para sempre.

Nos versos místicos, com a presença divina:

Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como sigo.,

há a assinalar o seu culto a Maria, traduzido num livro inteiro, Setenário das Dores de Nossa Senhora, e levado até seu livro final Pulvis. O poeta mariano em Alphonsus de Guimaraens – um dos lados mais destacados de sua personalidade – já se anunciava no poema que abre Kiriale, seu primeiro livro:

É a lua... e a lua é Nossa-Senhora,
São dela aquelas cores de Santa!

Nesses versos está outro aspecto da sua obra, ou seja, o do poeta do luar. Na verdade o luar inunda a sua poesia e dois versos podem mostrar como Alphonsus de Guimaraens via a lua e a viva presença dela na sua sensibilidade:

Era noite de lua na minh’alma.
A hóstia da lua  entrou-me dentro da alma.

No seu derradeiro poema, “Últimos Versos”, escrito na véspera da sua morte, é para a lua que se volve, comovidamente, comparando-a, aí, a Santa Teresa de Jesus, a cujo nome já aludira em Dona Mística, ao lembrar-se da noiva morta. Como assinalou Manuel Bandeira, o nome da grande santa remata a obra poética de Alphonsus de Guimaraens.
Poeta da morte, alquimista da morte: assim se definiu Alphonsus de Guimaraens. A morte é, com efeito, uma nota constante na sua poesia. Abriu ele com estes versos um dos sonetos de  Pulvis:

Sempre vivi com a morte dentro da alma,
Sempre tacteei nas trevas de um jazigo.

Voltava-se para o real duro e áspero: ao mundo chamou charco sangrento  e exílio de lodo; mas se voltava também para uma realidade superior:

E aos astros de tal modo o Poeta ascende em calma,
Que o céu fica menor do que o azul da sua alma,
E nem cabe no céu a luz do seu olhar...

Sua vida foi aos poucos se tornando mais preocupante, a ele que, como disse numa carta a Mário de Alencar, não conseguiu passar de “simples e temporário juiz municipal”, com as consequentes incertezas de uma recondução quatrienial (uma vez não foi reconduzido, quando ainda morava em Conceição da Serra, e rendimentos invariáveis. O que lhe coube viver com as crescentes dificuldades de ordem material em face dos também crescentes encargos de uma família numerosa, já foi suficientemente descrito por João Alphonsus na sua “Notícia Biográfica”. “Ao mesmo tempo que o desalento o ganhava diante da vida material, a poesia era o grande consolo, e menos amarga, e menos desiludida do que a da mocidade...”, observou seu filho no citado trabalho. Poesia que reflete, de resto, a sua vida, como, com frequência, o ambiente que o inspirou:

..............................................em cada sino o dobre
Que me diz que sou velho, e que inda sou criança,
Que sou rico demais para morrer tão pobre.
..............................................................................
O silêncio infinito não me aterra,
Mas a dúvida põe-me alucinado...
Se encontro o céu deserto como a terra!
..............................................................................
Noites de luar nas cidades mortas,
Casas que lembram Jerusalém...
..............................................................................
Toda a triste cidade
É um cemitério...
Há um rumor de saudade
E de mistério.

Na sua solidão imensa (“só, completamente só, nestes míseros sertões mineiros!” – como escreveu a Mário de Alencar), dentro de uma visão dorida, mas transfigurada, da existência, à meditação da poesia se dedicou em grande parte Alphonsus de Guimaraens.

O autor deste texto, Alphonsus de Guimarens Filho (1918-2008) nasceu em Mariana, MG, em 3 de junho de 1918, filho do poeta Alphonsus de Guimaraens e de D. Zenaide Silvina de Guimaraens. Estudou em Belo Horizonte onde cursou Direito na Universidade de Minas Gerais. Foi jornalista e funcionário público. Publicou em 1940 “Lume de Estrelas”, livro que recebeu dois prêmios. Seguiram-se outros livros também premiados. Pertenceu à Academia Mineira de Letras. 




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