quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Sobre a obra “Margem” de Guilherme de Almeida


A obra “Margem”, de Guilherme de Almeida, corresponde a um livreto que reúne o que podem ser alguns dos últimos poemas do autor, escritos em 1968-1969. O livreto original tinha capa composta pelo autor e poemas datilografados em formatos próprios nas páginas. Essa obra foi publicada como um livro inédito em 2010 devido ao trabalho de Marcelo Tápia, estudioso de Guilherme de Almeida.
O estudioso, na apresentação de “Margem”, acentua que este pequeno volume contraria aqueles que atribuíram a Guilherme o “rótulo estático de conservador e de apegado a um passadismo insuperado, de autor de obra tardiamente parnasiana e apenas episodicamente inserida no modernismo”. 
Refere então Marcelo Tápia que o autor mantém suas concepções, como a de que “poesia é ritmo”, bem como, além de cultivar a tradição da poesia ocidental e oriental, não ficou indiferente a novas possibilidades.
O estudioso lembra então o livro-poema “Raça”, de 1925, onde o espaço da página e recursos tipográficos foram também características dessa obra, apontando para a nova poesia europeia de fins do século XIX e início do século XX. 
Assinala Marcelo Tápia que a poesia de “Margem” remete-se à poesia construtivista surgida na década de 1950, com o uso conciso de elementos aliado à densidade de significação. 
Outros comentários sobre essa obra podem ser lidos no próprio livro publicado em 2010 pela Casa Guilherme de Almeida e pela Editora Annablume. Consta também interessante posfácio de Carlos Vogt. 
Abaixo alguns poemas de “Margem”.

Nós
Só no
nosso
sono
somos
sós: só
nós, só
sono.

Da rima
Mima,
dobra,
lima a
rima!
Sobra
obra-
prima.

Os românticos
Míticos
místicos,
      límpidos
      Ímpetos,
lívidos
ídolos,
      dignos
      signos,
líricos
tísicos.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Sobre o artigo “Grave Crise Existencial” de João Ubaldo Ribeiro


Foi publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 11 de Novembro de 2012, o artigo intitulado “Grave Crise Existencial” de autoria de João Ubaldo Ribeiro.

Nesse artigo, João Ubaldo Ribeiro faz uma crítica irônica da situação de direitos autorais dos escritores que estão cada vez mais desvalorizados.

O autor inicia fazendo considerações irônicas sobre as variadas origens e os nomes diversos dados ao peru, como pavo, turkey, puter, galinha de Calicute, dindon, galo da Índia... Desse modo, atenta para o “problema de identidade” da ave.
A seguir, J.U. Ribeiro desculpa-se por esse preâmbulo, mas é a forma que ele encontra para introduzir a respeito da situação de escritores e artistas em que ele se vê cada vez mais envolvido. Assim, compara a situação de quem vive de direitos autorais à situação do peru. Ou, como diz, “pior, porque outro dia, não me lembro mais onde, li que já morremos todos”. Reforça então que, conforme alguém disse por aí, “o autor morreu”. Dessa forma, ele não se sente nem mesmo em condições de ser dono desse próprio artigo que está escrevendo/publicando.
Ele tenta se soerguer “na tumba”, mas o “sagrado direito à informação” o sepulta de novo, pois, se o que ele escreve é informação, e ele cobra por isso, está “cerceando esse direito”.
Ora, então ele dá a entender que não é por ser sagrado o direito de comer que o dono do supermercado vai ficar sem pagamento...
Bem, assim também é o direito à saúde e, no entanto, seus profissionais também são remunerados.
Assim, o autor diz que o artista deveria ser então quase que um monge com uma “generosidade intelectual” para a livre fruição de todos.
A essa altura ele então acrescenta que: “Porque a maioria dos escritores encara com relutância a ideia de santificação inanida, somente aqueles que têm fontes de renda poderão escrever. Quanto aos outros, que consigam empregos com os poderosos, que cavem uma sinecurazinha, que ganhem dinheiro nas bolsas de valores e escrevam nos momentos de lazer, mas não desçam à infâmia de cobrar pelo que escrevem”.
A seguir ele lembra que aventa-se a possibilidade de o Estado resolver essa questão. Faria a regulamentação da profissão... Após aprovação em concurso o escritor portaria a “carteira de escritor”, podendo exercer a profissão. Depois seria criado o “Conselho Editorial Nacional”, ao qual os escritores apresentariam seus projetos, “rápido e sem pistolões ou propinas, como é regra no Brasil”. E o Conselho estabeleceria temas de “interesse” do país como “Saga do Pré-Sal”, ou “Mistério da Transposição de Águas do São Francisco”.
Assinala Ribeiro que o autor receberia um “módico estipêndio mensal”, pois trata-se de dinheiro público, além de prestar contas e fazer modificações conforme as determinações de tal “Conselho”.
Assim, continua: “todos vão ter direitos sobre o que o autor escrever, menos ele próprio, até porque já morreu”.
J.U. Ribeiro conclui que “ninguém estranha quando uma BBB ganha um ou dois milhões para mostrar o traseiro e ministrar-nos palestras filosóficas”.
Arremata então que, no entanto, se um escritor, depois de muitos anos de trabalho, ganha um prêmio de cem mil (reais, dólares, o que seja...) há grande perplexidade...
Finaliza então que, na próxima encarnação, vai tentar vir como “Mulher Fruta-Pão”.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Guilherme de Almeida e Paul Verlaine


Entre os poetas franceses traduzidos por Guilherme de Almeida está o poeta simbolista Paul Verlaine (1844-1896). Segue abaixo uma de suas traduções, ou como ele preferia, uma "reprodução",  ou "recriação", ou "transcrição", ou "transfusão".

Canção de Outono

Estes lamentos
Dos violões lentos
     Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
     De sono.

E soluçando,
Pálido, quando
     Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doidos
     De outrora.

E vou à toa
No ar mau que voa:
      Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
       E morta.

Chanson d’automne

Les sanglots longs
Des violons
      De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
     Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
    Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
    Et je pleure.

Et je m’en vais
Au vent mauvais
      Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
      Feuille morte.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Guilherme de Almeida – Poeta e Tradutor


Em uma edição (5ª) da Editora Babel do livro de Guilherme de Almeida intitulado “Poetas de França”, no prefácio, Marcelo Tápia, estudioso de sua obra, assinala que o autor propôs um “encontro” entre a poesia de língua francesa e a de língua portuguesa, com as suas traduções de originais franceses. Dessa forma, considera Guilherme que não se trata exatamente de simples tradução, mas antes de criar uma nova poesia a partir da original. Assim, ainda conforma Tápia, Guilherme rejeita o termo “traduzir” para poesia e prefere “reproduzir” e introduz os termos “recriação”, “transcrição” e “transfusão” para essa forma de tradução.
Dessa obra apresentamos aqui a tradução de Guilherme de Almeida para um original de Edmond Haraucourt:

Rondó do Adeus

Partir é morrer um pouco
Para tudo o que se adora:
Por toda parte, a toda hora,
Deixa-se a alma pouco a pouco.

É o luto de um sonho, um oco
Na vida, um verso que chora:
Partir é morrer um pouco!

E parte-se, e é um jogo, e a troco
De nada, até a última hora,
É a alma que se joga fora
A cada adeus como um louco:
Partir é morrer um pouco...

Rondel de l’adieu

Partir, c’est mourir um peu,
C’est mourir à ce qu’on aime:
On laisse um peu de soi-même
Em toute heure et dans tout lieu.

C’est toujours le deuil d’un voeu,
Le dernier vers d’un poème:
Partir, c’est mourir un peu!

Et l’on part, et c’est un jeu,
Et jusqu’à l’adieu supreme,
C’est son âme que l’on sème,
Que l’on sème a chaque adieu:
Partir, c’est mourir um peu...

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Guilherme de Almeida: o moderno esquecido. Parte 2.


Após casar-se em 1923 com Belkiss Barroso do Amaral (Baby), Guilherme passou a morar no Rio de Janeiro até 1925; nesse mesmo ano publicou quatro livros de poesias, sendo que os títulos “Raça” e “Meu” são considerados como ápices de sua poesia modernista. Também em 1925 escreveu “Revelação do Brasil pela poesia moderna”, que apresentou no Rio Grande do Sul, Pernambuco e Ceará, para divulgar o Modernismo.
Em 1928 foi eleito para a Academia Paulista de Letras e em 1930 para a Academia Brasileira de Letras.
Em 1932 participou ativamente como soldado da Revolução Constitucionalista, também conhecida como Guerra Paulista. Ao fim do movimento foi preso e exilado em Portugal. Lá elaborou o livro de prosa “Meu Portugal” publicado em 1933.
A partir dos anos 1930 passou a dedicar-se à tradução. Em 1936 publicou “Poetas de França”.
Entre as décadas de 1920 e 1940 desenvolveu crítica cinematográfica na coluna “Cinematógrafos” no jornal “O Estado de São Paulo”.
Escreveu também antologia da obra de Baudelaire e da obra de Verlaine.
Também são destacados de sua obra os livros “Ruas”, de 1961 e “Margem”, publicação póstuma de 2010.
A obra de Guilherme compreende 75 publicações, sendo que em 1959 foi eleito como o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” em concurso feito pelo jornal “Correio da Manhã”, tendo concorrido com Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e Mauro Mota.
Guilherme de Almeida faleceu em 11 de Julho de 1969 na sua “Casa da Colina” situada à Rua Macapá, no Pacaembu, em São Paulo.
Esse local tornou-se a Casa Guilherme de Almeida, que pode ser visitada, onde estão preservados elementos próprios da vida cotidiana do poeta e onde também hoje fica o Centro de Estudos de Tradução Literária.
A visita à Casa Guilherme de Almeida é uma atividade que estimula o interesse pela literatura em geral.

domingo, 14 de outubro de 2012

Guilherme de Almeida: o moderno esquecido


Guilherme de Almeida (1890-1969), escritor, cronista, crítico, tradutor, além de Promotor Público formado na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é uma figura pouco lembrada hoje em dia na produção literária brasileira. Esquecimento esse um pouco estranho para alguém que, em 1959, chegou a ser escolhido como o ”príncipe dos poetas brasileiros”.
Um dos supostos motivos para a pouca ênfase em tal escritor pode ter sido o fato dele ter se alistado como soldado na Revolução Constitucionalista, também chamada de Guerra Paulista, em 1932.
Por muitos anos houve certa confusão entre quem teriam sido os “conservadores” e os “revolucionários” em torno dos movimentos políticos ocorridos nas décadas de 1920 e 1930. 
A partir de 1930, passa a ser construída a imagem de Getúlio Vargas e os getulistas denominaram o que teria precedido esse tempo de “República Velha”, sendo que, a própria ditadura de fato de Getúlio, a partir de 1937, passou a chamar sua condição política de “Estado Novo”. Devemos atentar para que comumente os movimentos neoconservadores atribuem a si nomes precedidos pelos adjetivos “novo” e “nova”, onde, na verdade, promovem algum retrocesso a situações em variados graus de tirania. Tais manobras acabam confundindo quem promove quais coisas na história. 
Embora seja bastante repetido que a “modernidade” tecnológica e industrial chegou ao Brasil através de Getúlio Vargas, na verdade esses processos ocorreram antes, durante e depois da Era Vargas.
Com a força da história de construção getulista, aqueles que lhe opuseram ficaram com certa marca negativa de “conservadores”. De certo modo, essa marca ficou parcialmente e falsamente aliada a Guilherme de Almeida.
A reconstrução histórica pró-getulista também procura diminuir o caráter “modernista” dos que fizeram a Semana de Arte Moderna de 1922. Ocorre que, aqueles que lá estavam organizando esse evento viviam imersos nas coisas de seu próprio tempo, enxergando com seus próprios olhos aquilo que nesse período considerava-se como “moderno”. Esse foi um evento que ocorreu na famigerada “República Velha”. Não se quer aqui tirar os defeitos dessa República, mas deve-se lembrar que esse tempo foi bem mais complexo do que uma simples divisão entre antes e depois de Getúlio.
Voltando a Guilherme de Almeida...
Nasceu em 1890 em Campinas, Estado de São Paulo. Formou-se em 1912 na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo e atuou na área do Direito até 1923, quando passa a dedicar-se à atividade de escritor. Tem sua estreia literária em 1916 com as peças de teatro escritas com a colaboração de Oswald de Andrade intituladas Mon Coeur Balance e Leur Ame, editadas na obra Théatre Brésilien. Em 1917 lança seu primeiro livro de poemas Nós. Sua obra prossegue e em 1922 participa ativamente da Semana de Arte Moderna. Foi um dos fundadores da revista Klaxon, publicação porta-voz do movimento, sendo que criou a capa do periódico, além de propagandas de patrocinadores em concepções artísticas de vanguarda.
Mais dados biográficos continuam no próximo texto.
Parte da bibliografia foi embasada em texto no site da Casa Guilherme de Almeida.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sobre “Uma alternativa à mercantilização do livro II”


Em 23 de agosto de 2012 A.P. Quartim de Moraes continua a discussão que iniciou em 19 de junho no jornal O Estado de São Paulo a respeito da mercantilização do livro.
Inicia o texto lembrando que anteriormente comentou a respeito da proliferação de editoras sem fins lucrativos como forma de atenuar a imposição da produção editorial brasileira que reduz o espaço para obras de ficção brasileiras.
A seguir cita a 22ª Bienal Internacional do Livro em São Paulo, encerrada no dia 19 de agosto, promovida pela Câmara Brasileira do Livro. Refere ter-se sentido gratificado por ter feito a curadoria do espaço Livros & Cia., dedicado a discutir temas de interesse “dos profissionais de todos os elos da cadeia de produção do livro”. Fez destaque sobre um debate a respeito da função civilizadora do livro, em contraponto ao tema dominante da gestão do negócio do livro.
Diante da perplexa afirmação de que “a vida útil do livro está cada vez mais curta” dita por representante de uma grande editora, ele considera que se deva continuar o debate sobre o papel da literatura brasileira. 
A seguir enumera o que chama de  quatro pilares do negócio editorial.
O primeiro é o “big business”: associação do interesse de grandes publicadoras com grandes cadeias de varejo. Assim, o autor ironicamente compara o livro a “latas de salsicha” na visão dos negociantes. Ficções publicadas seguem apenas o marketing do mercado externo.
O segundo pilar é a mídia, que se limita a questões literárias sofisticadas, passando ao largo desta questão, ignorando que a literatura brasileira se limita cada vez mais às pequenas e médias editoras.  
O terceiro pilar é a falta de políticas públicas “destinadas a corrigir as distorções do mercado editorial”. Não há incentivo a pequenas e médias editoras que publicam literatura brasileira. Assim, considera o autor do artigo que “se o brasileiro já lê pouco, ele vai ler ainda cada vez pior”.
O quarto pilar: o comportamento dos escritores brasileiros. Os já reconhecidos, que poderiam fazer alguma manifestação sobre essas questões, ficam em certo comodismo, mesmo que suas próprias obras fiquem aquém de um potencial de publicação que poderiam atingir.