sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Coelho Neto – Dados biográficos

1864 – Em 21 de Fevereiro nasce Henrique Coelho Neto em Caxias, Maranhão.
1870 – Mudança para o Rio de Janeiro com seus pais, Antônio da Fonseca Coelho, comerciante português, e Ana Silvestre Coelho, de origem indígena.
1872 – Início dos estudos no Colégio Jordão. Termina-os no Colégio Pedro II.
1883 – Em S. Paulo matricula-se na Faculdade de Direito; transfere-se para Recife e volta a S. Paulo em 1884.
1885 – Abandona o curso de Direito e se lança na campanha abolicionista, à sombra de José do Patrocínio, em cujo jornal, Gazeta da Tarde, inicia sua carreira jornalística. Até 1890 vive os assim chamados anos de “boemia literária”, ao lado de Olavo Bilac, Aluísio de Azevedo, Paula Ney, etc.
1891 – Publica “Rapsódias”, primeira coletânea de contos. Início do intenso labor intelectual dos anos que se vão seguir.
1893 – Publica “A Capital Federal”, seu primeiro romance.
1898 – Atinge o ápice da sua produção literária, publicando 11 volumes durante o ano. Entre eles: “O Morto”, “Romanceiro”, “O Paraíso”, etc.
1906 – Publica “Turbilhão”, “Treva” e “A Água”.
1908 – Primeira apresentação de “Quebranto”, no Teatro da Exposição Nacional.
1909 – É efetivado, por voto unânime da Congregação, como lente de Literatura do Colégio Pedro II. Eleito deputado pelo Maranhão, atravessando três legislaturas. Vê sua peça “Bonança” inaugurar o Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
1910 – É nomeado professor de História das Artes e Literatura Dramática da Escola Dramática Municipal, sendo eleito seu Diretor.
1913 – Viaja pelo exterior: França, Portugal. Publica “Banzo”. Tradução em alemão de “Sertão”.
1914 – Publica “Rei Negro” e “Contos Escolhidos”.
1915 – Estreia no estrangeiro do seu teatro com “Muralha”, em Montevidéu.
1920 – Publica “O Mistério” e vê “Rei Negro” ser traduzido em francês.
1921 – Versão alemã de “Banzo”. Publica “Breviário Cívico”.
1924 – Publica “Mano”, “O Polvo” e mais 7 volumes, totalizando nesse ano uma publicação de 9 volumes.
1926 – É eleito presidente da Academia Brasileira de Letras. Publica “Imortalidade” e “Feira Livre”.
1928 – Com “A Cidade Maravilhosa” completa 100 volumes publicados e ainda escreve mais 4 volumes no decurso do ano, entre os quais “Bazar” e “Vencidos”.
1932 – Por aclamação, a Academia Brasileira de Letras lança a sua candidatura ao Prêmio Nobel de Literatura de 1933.
1933 – Profere o seu último discurso por ocasião da inauguração do Monumento ao Pequeno Jornaleiro.
1934 - Falece a 28 de Novembro.

Fonte bibliográfica: 
Coelho Neto – romance; por Octavio de Faria, da Coleção Nossos Clássicos, 2ª edição; direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa e Jorge de Sena, Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1963.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Poesia de Sousândrade

Fragmentos de “Harpa de Ouro”[1] do poeta Sousândrade (1833-1902)

Ser teu Great-Dog: e tu meu Sírio![2]
Oh, borboleta-girassol![3]
Gênio-amor! oh, luz-delírio!
Oh, tanta luz! tanto arrebol
(O riso-céus!) e o lume e o lírio
De teus cabelos de crisol!
          ---------------
A última rosa desfolhava
Do ar sobre mim; e eu via então
No tronco o nome iluminava
E a imagem tua era a visão;
No anagrama Dog, God estava[4]
Do amor em que há nenhum se não.[5]
          -------------------
Sacrifício da esp’rança o inseto
Entre os florões do roseiral
Co’o alfinete “I am busy” penetro[6]
O verde-brando dorso, e qual
Dela os cabelos no ombro abertos
Tremem as asas do mortal.



[1] O manuscrito das Harpas de Ouro foi descoberto no meio do século XX pelo crítico Luís Costa Lima.
[2] Great Dog – “Cão Maior” – constelação onde se situa a estrela mais brilhante: Sirius.
[3] Borboleta-girassol: nesta estrofe há os característicos termos compostos sousandradinos.
[4] Anagrama que desenvolve a imagem estelar empregada na primeira estrofe.
[5] Se não: o poeta quis talvez manter a ambiguidade entre o substantivo “senão” (mácula, defeito) e a locução conjuntiva “se não”.
[6] I am busy: “estou ocupado”, “concentrado em algo”. A comparação entre a borboleta e a mulher amada tem sabor de poesia metafísica inglesa seiscentista, parente do conceitismo barroco, modernamente revalorizada por T. S. Eliot. 

Fonte bibliográfica: "Sousândrade - poesia", por Haroldo e Augusto de Campos. Coleção Nossos Clássicos, dirigida por Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa, Jorge de Sena. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1966. 

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Querem atrofiar o nosso cérebro com a proposta de “simplificar” a língua portuguesa

Recentemente têm saído na mídia notícias de que há um movimento no Congresso Brasileiro para “simplificar” a língua portuguesa, com a suposição de que isso pode facilitar o aprendizado da língua. Esse é o tipo de simplificação que serve como exemplo de gerador de “atrofia”. 
De um modo geral, nem toda forma de simplificação significa alguma melhora no que quer que seja. Como diz Edgar Morin, filósofo da Complexidade e da Transdisciplinaridade, não se deve confundir “complicação” com “complexidade”. A complexidade é algo próprio do ser humano de acordo com suas próprias potencialidades cerebrais. 
Pessoas que exercitam mais as suas capacidades cognitivas têm menos probabilidade de serem acometidos por certos problemas de natureza cerebral. Por exemplo, pessoas com certa educação oriental, ou seja, que foram alfabetizadas em duas formas de alfabeto (o que utiliza ideogramas e o simbólico como o nosso), mais dificilmente têm quadros de afasia (perda da capacidade de expressão ou compreensão da linguagem verbal). Pessoas que praticam diversas línguas, ou mesmo linguagens não verbais, também mais dificilmente apresentam problemas cognitivos sérios, incluindo quadros demenciais.
Esse é apenas um dos motivos para não inventarem essa tal “simplificação”. Outro motivo diz respeito à nossa própria identidade cultural: a língua é mais do que apenas uma ferramenta simplificada para utilidades cotidianas. Toda a poesia e a literatura são enriquecidas pelas peculiaridades da língua portuguesa. O compositor e maestro Tom Jobim se dizia até mesmo favorável ao uso do antigo “ph” com função de “f”, já que remetia às origens das palavras em que aparecia.
É melhor continuarmos lendo, escrevendo, estudando, recitando, cantando com as belas complexidades da assim chamada “última flor do Lácio” como disse o poeta Olavo Bilac:

“Língua Portuguesa”

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim desconhecida e obscura.
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que a voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!


sábado, 6 de setembro de 2014

Poeta Sousândrade - dados biográficos

1833 – Sousândrade – Joaquim de Sousa Andrade nasce no Maranhão, na vila de Guimarães, comarca de Alcântara, na fazenda paterna de “Nossa Senhora da Vitória”, às margens do rio Pericumã, no dia 9 de Julho.

1853-1857 – Viaja pela Amazônia, onde registra observações sobre o culto de Jurupari, que depois utilizaria no Canto II do poema “O Guesa”. Percorre vários países da Europa, tornando-se conhecido nos círculos brasileiros por suas ideias republicanas. Forma-se em Letras pela Sorbonne e faz, em Paris, o curso de Engenharia de Minas. Visita Londres. É convidado a retirar-se da Inglaterra por ter atacado, num artigo de imprensa, a rainha Vitória. De volta ao Maranhão, casa-se. Do matrimonio resulta uma única filha, Maria Bárbara.

1857 – Publica “Harpas Selvagens” no Rio de Janeiro.

1867-1868 – Fragmentos dos dois primeiros cantos de “O Guesa” são publicados no “Semanário Maranhense”, dirigido por Joaquim Serra.

1870 (?) – Separa-se da esposa. Viaja pelas repúblicas centro e sul-americanas.

1871 – Acompanhado da filha, fixa residência nos Estados Unidos. Mora em Manhattanville, a 7 milhas de New York, nas proximidades do Colégio “Sacred Heart”, onde educa a filha. Secretário e colaborador do periódico “O Novo Mundo”, publicado em New York, em língua portuguesa, e dirigido por José Carlos Rodrigues.

1874 – Imprime em New York o primeiro volume de suas “Obras Poéticas”.

1876 – Continua a edição das “Obras” (Cantos V a VII do “Guesa”).

1877 – Lança o último fascículo da edição nova-iorquina: o Canto VIII (X na edição definitiva), que tem como tema os Estados Unidos.

1884 (?) – edição londrina definitiva de “O Guesa”.

1889 – Novembro. De São Luís passa ao Marechal Deodoro da Fonseca um telegrama de saudação: “República proclamada. Paus D’Arco em flor”. No dia 30 promove um desfile em comemoração ao evento.

1890 – Candidato a Senador, renuncia para pacificar disputas eleitorais. Presidente da comissão incumbida do projeto de Constituição Maranhense. Idealizador da bandeira do Estado. No Liceu Maranhense rege a cadeira de Língua Grega. Ministra aulas ao ar livre, à maneira dos Peripatéticos, na sua “Quinta da Vitória”. Preocupa-se com a fundação de uma Universidade Popular.

1899 – Aparece pela última vez numa cerimônia pública, proferindo o discurso de saudação a Coelho Neto, então em visita ao Maranhão. Para manter-se, vende as pedras dos muros de sua arruinada “Quinta”: “Estou comendo as pedras de Vitória”. O governador Lopes de Leão tem que recorrer a medidas de segurança para impedir que os moleques apedrejem o poeta nas ruas de São Luís.

1902 – Os alunos vão encontrá-lo abandonado e gravemente enfermo na “Quinta da Vitória”. Transportado para o Hospital Português, falece em 21 de Abril. Os originais de suas últimas produções teriam sido utilizados como papel de embrulho.


Fonte bibliográfica: Nossos Clássicos, publicados sob a direção de Alceu Amoroso Lima, Roberto Alvim Correa, Jorge de Sena, edição “Sousândrade – poesia” por Haroldo e Augusto de Campos. Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro, 1966. 

domingo, 22 de junho de 2014

O valor da escrita à mão

Sobre o artigo
O que se perde quando a escrita à mão é deixada de lado
(What’s lost as handwriting fades)

Por Maria Konikkova, em 2 de junho de 2014, no New York Times.

A autora inicia com a pergunta: “A escrita à mão importa?”
Em seguida responde: “Não muito, conforme vários educadores”. Prossegue então a autora, dizendo que o padrão “Common Core”, que é adotado na maioria dos Estados Americanos, propõe o ensino de uma escrita legível, mas apenas na pré-escola e no primeiro ano do primeiro grau. Após isso, a ênfase muda rapidamente para a proficiência no teclado.
Mas psicólogos e neurocientistas dizem que ainda se está longe de declarar a escrita à mão uma relíquia do passado. Novas evidências sugerem forte associação entre escrita à mão e desenvolvimento educacional mais amplo. Crianças aprendem a ler mais rapidamente quando primeiro aprendem a escrever a mão, além de se tornarem mais hábeis em gerar ideias e reter informação. Ou seja, não é só o que se escreve que interessa, mas também “como”.
Em seguida a autora menciona que o psicólogo Stanislas Dehaene, psicólogo do Collège de France em Paris, refere que quando escrevemos um único circuito neural é ativado e que há um reconhecimento essencial do gesto na palavra escrita, e parece que esse circuito contribui de forma única, de modo que aprender se torna mais fácil.
Um estudo de 2012 liderado por Karin James, psicóloga da Indiana University, deu reforço a essa visão. Crianças que ainda não aprenderam a ler e escrever foram apresentadas a uma letra ou uma forma e solicitadas a reproduzir em uma de três formas: traçar a imagem em uma página com linhas pontilhadas; desenhar em uma folha em branco; digitar em um computador. Foram então submetidas a um scanner cerebral e a imagem foi mostrada novamente. Os pesquisadores observaram que, quando as crianças desenharam a letra a mão livre, exibiram aumento da atividade em três áreas do cérebro que são ativadas em adultos quando eles leem ou escrevem. Por outro lado, as outras crianças tiveram uma ativação mais fraca dessas áreas. A Dra. James atribui essa diferença à irregularidade inerente à forma livre da escrita à mão, porque, deve-se planejar e executar uma ação (o que não é necessário quando se tem uma linha tracejada), que produz um resultado variável. Essa variabilidade pode ser ela mesma uma ferramenta de aprendizado. Dra. James refere que quando uma criança produz uma letra que tem forma irregular, isso pode ajudá-la a aprender a escrita dessa letra. O aprendizado cerebral de que um “A” é sempre um “A” com formas variáveis pode ser favorecido com o exercício da escrita a mão, do que com a repetição de uma única forma. Outro estudo da Dra. James mostra diferença entre crianças que traçam as letras e as que apenas observam as que escrevem; as primeiras ativam as áreas cerebrais relativas ao aprendizado.
A psicóloga Virginia Berninger, da Universidade de Washington, demonstrou que as várias formas de escrita estão associadas a diferentes padrões cerebrais. Quando as crianças escrevem à mão, produzem mais palavras mais rapidamente do que no teclado e expressam mais ideias. Imagens cerebrais confirmam conexão entre escrita, memória e geração de ideias.
Algumas pesquisas também sugerem que a escrita cursiva pode ajudar no treino da habilidade de autocontrole mais do que por outros métodos; também pode colaborar no tratamento de dislexia e de disgrafia.
TAMBÉM IMPORTANTE. Em adultos também escrever à mão pode colaborar a processar novas informações, incluindo a memória, bem como a capacidade de memorizar, e o aprendizado em geral.
Os psicólogos Pam A. Mueller de Princeton e Daniel M. Oppenheimer da Universidade da Califórnia, Los Angeles, relataram pesquisas que demonstraram que estudantes aprendem melhor quando tomam notas à mão, do que no teclado, porque fazem uso de um processo de manipulação e reflexão que podem levar a uma melhor compreensão.
Portanto, após a citação desse artigo, vamos aqui reforçar o grande valor da escrita à mão e revalorizar também aqui dois exercícios importantes e esquecidos: o ditado e a caligrafia.  


segunda-feira, 16 de junho de 2014

Aluísio Azevedo - parte 3

Domingo no Cortiço

Amanhecera um domingo alegre no cortiço, um bom dia de abril. Muita luz e pouco calor.
As tinas estavam abandonadas; os coradouros despidos. Tabuleiros e tabuleiros de roupa engomada saíam das casinhas, carregados na maior parte pelos filhos das próprias lavadeiras que se mostravam agora quase todas de fato limpo; os casaquinhos brancos avultavam por cima das saias de chita de cor. Desprezaram-se os grandes chapéus de palha e os aventais de aniagem; agora as portuguesas tinham na cabeça um lenço novo de ramagens vistosas e as brasileiras haviam penteado o cabelo e pregado nos cachos negros um ramalhete de dois vinténs; aquelas traçavam no ombro xales de lã vermelha, e estas de crochê, de um amarelo desbotado. Viam-se homens de corpo nu, jogando a placa, com grande algazarra. Um grupo de italianos, assentado debaixo de uma árvore, conversava ruidosamente, fumando cachimbo. Mulheres ensaboavam os filhos pequenos debaixo da bica, muito zangadas, a darem-lhe murros, a praguejar, e as crianças berravam, de olhos fechados, esperneando. A casa da Machona estava num rebuliço, porque a família ia sair a passeio. A velha gritava, gritava Nenen, gritava o Agostinho. De muitas outras saiam cantos ou sons de instrumentos; ouviam-se harmônicas e ouviam-se guitarras, cuja discreta melodia era de vez em quando interrompida por um ronco forte de trombone.
Os papagaios pareciam também mais alegres com o domingo e lançavam das gaiolas frases inteiras, entre gargalhadas e assobios. À porta de diversos cômodos, trabalhadores descansavam, de calça limpa e camisa de meia lavada, assentados em cadeira, lendo e soletrando jornais ou livros; um declamava em voz alta versos de Os Lusíadas, com um empenho feroz, que o punha rouco. Transparecia neles o prazer da roupa mudada depois de uma semana no corpo. As casinhas fumegavam um cheiro bom de refogados de carne fresca, fervendo ao fogo. Do sobrado do Miranda só as duas últimas janelas já estavam abertas e, pela escada que descia para o quintal, passava uma criada carregando baldes de águas servidas. Sentia-se naquela quietação do dia útil a falta do resfolegar aflito das máquinas da vizinhança, com que todos estavam habituados. Para além do solitário capinzal do fundo a pedreira parecia dormir em paz o seu sono de pedra; mas, em compensação, o movimento era agora extraordinário à frente da estalagem e à entrada da venda. Muitas lavadeiras tinham ido para o portão, olhar quem passava; ao lado delas o Albino, vestido de branco, com o seu lenço engomado ao pescoço, entretinha-se a chupar balas de açúcar, que comprara ali mesmo ao tabuleiro de um baleiro freguês do cortiço.
...............................                                                                   (De O Cortiço)

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Aluísio Azevedo - parte 2

No panorama do romance brasileiro, a obra de Aluísio Azevedo, a partir de “O Mulato”, é a que melhor representa a escola naturalista.
Em língua portuguesa essa escola iniciou-se com “O Crime do Padre Amaro”, de Eça de Queiroz, publicado inicialmente na Revista Ocidental de Lisboa, em 1875, e no ano seguinte divulgado em livro. Esse livro abriu caminho também para uma luta contra o clero por meio do romance.
Paris, que deu o modelo do romance naturalista com Emile Zola, também inspirou o movimento anticlerical.
Seis anos depois da publicação de Eça de Queiroz, Aluísio Azevedo publicou “O Mulato” em S. Luís do Maranhão.
Filho do vice-cônsul português Davi Gonçalves de Azevedo, Aluísio revela desde cedo inclinação artística para o desenho e a pintura. Aos quatorze anos, depois de trabalhar no comércio, ele estuda pintura com Domingos Tribuzzi, artista italiano radicado em S. Luís. Em 1876 vai ao Rio de Janeiro para estudar na Academia Imperial de Belas Artes. Inicia aulas como ouvinte ao mesmo tempo em que, em 13 de maio, também trabalha como caricaturista em O Fígaro e O Mequetrefe. Concomitantemente surge o poeta que escreve:

Meu coveiro, já teu braço
Não te custa levantar?
Não te pede do cansaço
O corpo teu descansar?

- Não me pesa passageiro,
Não me custa trabalhar,
Ganho nisto meu dinheiro
Tenho gente a sustentar.

Este tom ultrarromântico como o poeta português Soares de Passos, de “O Noivado no Sepulcro”, não é o que melhor exprime o seu temperamento. Nesse período tem sua primeira investida contra o clero, em poema intitulado “A Missa”, endereçado a seus conterrâneos.
Com a morte de seu pai em 1876, vê-se obrigado a voltar a S. Luís. A partir de então deixa a pintura para ser escritor. Escolhe então a prosa e escreve seu primeiro livro: “Uma Lágrima de Mulher”. Sua narrativa de passa na Itália, terra de sua aspiração como estudioso de pintura, que não chegou a desfrutar como estudante.
Em junho de 1880 publica “O Mulato”, na tipografia de O País. O livro provoca surpresa e revolta em São Luís e aplausos na imprensa da Corte, o que o anima a partir para o Rio de Janeiro. A partir de então se consagra como escritor e publica vários livros.
Em 1895, embora consagrado como escritor, decide ingressar no emprego público, prestando concurso para a carreira consular, na qual ingressa aprovado com distinção, trocando agora sua atividade de escritor pela de vida consular.
Em 1913, ao falecer em Buenos Aires, nada mais tinha a dizer, no plano literário, o mestre que legara às letras de seu país pelo menos uma obra-prima: “O Cortiço”.  

Referência bibliográfica: Aluísio Azevedo - trechos escolhidos. Coleção Nossos Clássicos. Editora Agir, 1963.